Testamento Solidário: um caminho estratégico para o fortalecimento dos fundos patrimoniais no Brasil

Publicado originalmente no Migalhas em 24 de setembro de 2025. Acesse clicando aqui

Por Andrea Hanai, Gerente de Projetos do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – IDIS, e Raquel Grazzioli, Advogada do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados

Nos últimos anos de vida, Maria de Camargo Dália, conhecida como D. May, decidiu transformar o patrimônio acumulado ao longo de sua trajetória em um legado social duradouro. Por meio de um testamento público, destinou sua herança, estimada em mais de R$ 700 milhões, a sete organizações da sociedade civil atuantes nas áreas de saúde, educação e assistência social.

O gesto de D. May evidencia o potencial do testamento solidário, ainda pouco difundido no Brasil, mas prática consolidada em países como os Estados Unidos. De acordo com o Legacy Giving Report 2024, da Charities Aid Foundation (CAF), mais da metade dos norte-americanos com alto poder aquisitivo (56%) declara intenção de destinar parte do patrimônio a causas sociais por meio de testamento — um dado que reforça o alcance e a relevância desse tipo de doação.

O envelhecimento populacional e a consequente transferência de riqueza para as próximas gerações criam um cenário oportuno para fortalecer a cultura de legado no país. Pela legislação brasileira, qualquer pessoa pode, por testamento, destinar livremente até 50% do próprio patrimônio para finalidades escolhidas, ficando o restante reservado a herdeiros necessários (filhos, pais ou cônjuge). Na ausência destes, a totalidade dos bens pode ser direcionada a organizações que atuem em causas de interesse público.

As doações testamentárias podem incluir recursos financeiros, imóveis, obras de arte, participações societárias e outros bens, devendo ser formalizadas preferencialmente na forma pública, para reduzir disputas e garantir a execução da vontade do testador. Quando direcionados a fundos patrimoniais (endowments), esses recursos podem gerar impacto perpétuo, financiando causas e instituições de forma sustentável. Grandes fundos internacionais — como os da Universidade Harvard, Fundação Nobel, Fundação Rockefeller e Wellcome Trust — foram constituídos, em parte, por legados testamentários.

Inspiradas nesse modelo, ao menos duas das organizações beneficiadas pelo legado de D. May — a ASA (Associação Santo Agostinho) e a Liga Solidária — optaram por destinar parte dos recursos para fortalecer seus fundos patrimoniais, que hoje superam R$ 100 milhões cada. No Brasil, segundo o Monitor de Fundos Patrimoniais do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), há 121 fundos desse tipo, totalizando mais de R$ 137 bilhões em patrimônio.

Apesar do potencial, o testamento solidário ainda enfrenta barreiras culturais. Falar sobre morte segue sendo um tabu, e muitos percebem a elaboração de um testamento como algo complexo ou emocionalmente difícil, o que leva à procrastinação do planejamento sucessório. Campanhas educativas desempenham papel central na desmistificação do tema. Organizações como Greenpeace, Médicos Sem Fronteiras e Comitê Internacional da Cruz Vermelha já realizam ações específicas para sensibilizar doadores a incluí-las como beneficiárias em testamentos, usando desde mensagens bem-humoradas sobre o tema até histórias inspiradoras para aproximar o assunto de valores pessoais.

Outro obstáculo relevante é a falta de incentivo por parte de advogados e profissionais que atuam no planejamento sucessório. Pesquisas indicam que, quando a possibilidade de doação não é apresentada, menos de 5% dos testamentos incluem causas sociais. Esse número mais que dobra quando há sugestão expressa e pode ultrapassar 15% quando acompanhada de exemplos de outros doadores. Isso reforça o papel estratégico desses profissionais na difusão da cultura de legado.

Para que o potencial se concretize, é necessário o engajamento coordenado de organizações, especialistas e campanhas de conscientização, de forma a inserir o testamento solidário como prática comum de filantropia no país.

Também é fundamental que as organizações estejam preparadas para receber esse tipo de doação. Boas práticas de governança, transparência, prestação de contas e gestão responsável são determinantes para gerar a confiança necessária nos doadores. Além disso, é recomendável que os fundos patrimoniais comuniquem, de forma clara, que aceitam legados e capacitem equipes para dialogar sobre o tema com sensibilidade e clareza.

A morte encerra um ciclo individual, mas não precisa interromper um compromisso com o futuro. O exemplo de D. May mostra que o testamento solidário pode garantir que causas relevantes continuem a receber apoio, fortalecendo estruturas como fundos patrimoniais e deixando um legado de impacto para as próximas gerações.

Consórcio para criação de fundo patrimonial para museus públicos nacionais é anunciado no Museu Imperial

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) dão mais um passo para a criação de um fundo patrimonial filantrópico, também conhecido como endowment, para apoiar a sustentabilidade dos museus públicos nacionais. As duas entidades acabam de celebrar contrato de prestação de serviços com o Consórcio formado pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), PLKC Advogados e Levisky Legado para o apoio à estruturação do Fundo Patrimonial do IBRAM.

Fachada do Museu Imperial – Petrópolis, RJ. Foto André Telles

O Consórcio irá aplicar todo seu conhecimento técnico e experiência em fundos patrimoniais e investimento social privado para elaborar os instrumentos jurídicos, diretrizes de operacionalização, estratégias de captação e de utilização de recursos do Fundo Patrimonial do IBRAM. Além disso, para a criação da Organização Gestora de Fundo Patrimonial do IBRAM, será realizada consulta aberta visando o engajamento e ampla participação da sociedade civil.

Participantes da cerimônia para anúncio do Consórcio, no Museu Imperial. Foto André Telles

Realizado no Museu Imperial, em Petrópolis, Rio de Janeiro, o evento para anúncio do projeto reuniu representantes do BNDES, IBRAM, de todos os envolvidos no consórcio além do diretor do Museu Imperial, que destacaram a importância da iniciativa e os resultados esperados.

O setor conta com mais de 3800 museus com realidades muito diferentes: alguns são museus de excelência e outros ainda têm muito espaço para se desenvolverem. De acordo com Eneida Braga Rocha, diretora do Departamento de Difusão, Fomento e Economia dos Museus do IBRAM, a questão da sustentabilidade dos museus alinhada à sua função social sempre foi uma preocupação do Instituto. Destaca também que os recursos públicos são a grande fonte de receita para museus no Brasil no mundo, e não deixarão de existir, mas outras ferramentas são fundamentais para o setor. Neste sentido, os Fundos Patrimoniais forma destacados como mecanismo que desempenha importante papel, trazendo recursos perenes.

Lidiane Delesderrier Gonçalves, Superintendente do BNDES, destaca que a estruturação de um fundo patrimonial filantrópico para o setor museal será um marco importante para a sustentabilidade financeira de longo prazo dos museus nacionais. “A parceria do BNDES com o IBRAM neste projeto é consequência da reconhecida atuação do banco no desenvolvimento do setor museal e sua participação ativa na aprovação do novo marco regulatório de fundos patrimoniais, com a aprovação da Lei 13.800 em 2019”.

“O Fundo Patrimonial Filantrópico é um mecanismo de preservação do patrimônio e garante recursos para causas de interesse público no longo prazo. Vamos aportar todo o nosso conhecimento em investimento social privado e promover o engajamento da sociedade civil para doar recursos e participar da governança desse fundo que será tão importante para a cultura brasileira”, explica a CEO do IDIS, Paula Fabiani. “Este projeto é muito potente para criar uma agenda de longo prazo para os museus pois endereça questões de sustentabilidade, governança e inovação”, completa.

Paula Fabiani, CEO do IDIS, uma das organizações que integra o consórcio da criação de fundo patrimonial para museu público nacionais. Foto André Telles

Segundo Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados, “o projeto do Fundo Patrimonial do IBRAM, da maneira como está sendo construído, tem o potencial de alavancar e deslanchar uma parceria virtuosa entre doadores, o IBRAM e nosso patrimônio histórico e museal, permitindo que nossos museus sejam abraçados por toda a nossa sociedade, de forma inovadora e segura”.

Para o presidente do IBRAM, Pedro Mastrobuono, a constituição de um Fundo Patrimonial trará uma maior previsibilidade e segurança para a gestão dos museus, ao garantir sua sustentabilidade econômica. “As expertises reunidas neste projeto viabilizam a qualificação de um diálogo a ser feito com a sociedade sobre a captação de recursos, a partir de doações de pessoas físicas e jurídicas, para a composição de um fundo permanente que garanta o planejamento dos museus a longo prazo”, segundo ele.

A iniciativa do BNDES de apoiar a estruturação de fundos patrimoniais em benefício de instituições públicas e é um legado que será oferecido à sociedade brasileira, proporcionando um significativo avanço para a sustentabilidade de longo prazo dessas instituições.

E como destacou Eneida durante o evento: VIDA LONGA AOS MUSEUS BRASILEIROS!

Equipe do IBRAM, BNDES, IDIS, PLKC Advogados e Levisky Legado. Foto André Telles

O que é Fundo Patrimonial Filantrópico?

O Fundo Patrimonial Filantrópico é um conjunto de ativos, financeiros ou não, constituído e administrado com a finalidade de gerar rendimentos que são destinados, a longo prazo, ao financiamento de instituições públicas e privadas que trabalham em prol de causas como educação, cultura, saúde, meio ambiente, direitos humanos, entre outras. No caso de instituições públicas, a constituição de fundos patrimoniais filantrópicos é regida pela Lei 13.800/19, que regula a arrecadação, gestão e destinação dos recursos dos fundos patrimoniais, provenientes em sua maioria de doações de pessoas físicas ou jurídicas.

 

Sobre o BNDES

Fundado em 1952 e atualmente vinculado ao Ministério da Economia, o BNDES é o principal instrumento do Governo Federal para promover investimentos de longo prazo na economia brasileira. Suas ações têm foco no impacto socioambiental e econômico no Brasil. O Banco oferece condições especiais para micro, pequenas e médias empresas, além de linhas de investimentos sociais, direcionadas para educação e saúde, agricultura familiar, saneamento básico e transporte urbano. Em situações de crise, o Banco atua de forma anticíclica e auxilia na formulação das soluções para a retomada do crescimento da economia.

 

Sobre o IBRAM

Vinculado à Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, o Instituto Brasileiro de Museus é responsável pela condução da Política Nacional de Museus (PNM) e pela administração direta de 30 museus federais. Cabe ao Ibram promover ações e projetos que contribuam para a organização, gestão e desenvolvimento dos mais de 3.800 museus existentes no Brasil.

 

Sobre o IDIS

Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) fundada em 1999 e pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil. Com a missão de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto, trabalhamos junto a indivíduos, famílias, empresas, fundações e institutos corporativos e familiares, assim como organizações da sociedade civil em ações que transformam realidades e contribuem para a redução das desigualdades sociais no país. Trabalhamos para aumentar o impacto do investimento social privado, construindo parcerias e projetos de impacto, oferecendo consultoria e produzindo e compartilhando conhecimento.

 

Sobre o PLCK Advogados

PLKC Advogados foi constituído em 1982 e atua como escritório multidisciplinar com destaque nas áreas Tributária, Societária, Imobiliária, Civil, Contratual, Filantropia e Investimento Social e de Impacto, Família e Sucessões.Apesar de inicialmente seus clientes serem basicamente empresas, no final dos anos 90 o PLKC passou a prestar também serviços para os respectivos titulares e também a pessoas físicas de grande patrimônio. Assim, desde 2000 o PLKC presta serviço de Planejamento Patrimonial e Sucessório.  A área de Filantropia e Investimento Social e de Impacto presta também serviço de advocacy colaborando na elaboração de normas em favor da melhoria legislativa no país.

 

Sobre a Levisky Legado

A Levisky Legado é um escritório especializado em Mobilização de Recursos para Causas Humanitárias, Terceiro Setor e Cultura – sempre com vistas para a formação de Legados. De um lado, oferece consultoria de Sustentabilidade Financeira para instituições, incluindo diagnóstico sobre Posicionamento, Governança e Visão de Longo Prazo, além da estruturação de Equipes e Conselhos. Em outra esfera, atua junto a projetos de alta relevância intermediando a Captação de Recursos com grandes doadores, dentre Filantropos e Marcas.

 

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