O poder da tecnologia no terceiro setor: novos caminhos para a transformação social

Por Ana Paula Otani, analista de projetos no IDIS

 

Nos últimos anos, o avanço da inteligência artificial acrescentou novas camadas de complexidade ao cenário tecnológico, transformando a forma como diversos setores e organizações operam. No terceiro setor, não foi diferente. A revolução tecnológica abriu novas oportunidades para potencializar ações filantrópicas e ampliar o impacto de iniciativas sociais, criando espaços para novas reflexões e estratégias.

Esse tema foi discutido por Luana Genot, fundadora do ID_BR; Daniel Paixão, fundador do Hub Periférico; e Beatriz Johannpeter, diretora do Instituto Helda Gerdau, na sessão ‘Tecnologia como Geradora de Transformações Sociais’, mediada por Alex Pinheiro, cofundador e CEO da Ecossistema SQUARE, durante a 13ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais.

 

Veja a sessão completa em:

 

Fundado em 2016, o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) dedica-se à promoção da equidade racial por meio da implementação de políticas e iniciativas de diversidade e inclusão em empresas, além de ofertar consultoria, treinamentos e desenvolver campanhas focadas no letramento racial e na educação antirracista para instituições públicas, privadas e a sociedade em geral.

Recentemente, com o intuito de ampliar o debate sobre raça e inclusão, a organização lançou a Deb, uma inteligência artificial generativa especialista em inclusão, que permite que qualquer pessoa possa tirar dúvidas sobre a temática a qualquer momento e sem medo de julgamentos.

“Nos últimos anos a gente veio percebendo que muitas pessoas tinham dúvidas muito pessoais [sobre a temática racial], mas nem sempre conseguiam externar isso numa mesa ampla como essa por sentir medo de ser cancelado, de virar chacota, e ter uma exposição negativa. Então, vendo essa possibilidade de escalar esse debate de uma forma personalizada, a gente lançou a Deb”, disse Luana.

Hoje, com mais de 15 mil seguidores no Instagram, a Deb não só ampliou o alcance do debate racial, engajando novas audiências, como também abriu portas para o ID_BR em espaços anteriormente pouco acessíveis.

 “Estive na Patagônia falando sobre a Deb, e estou indo para Tóquio…Com a tecnologia, nós conseguimos chegar em espaços onde, só por sermos enquadrados como ‘diversidade, equidade e inclusão’, a gente não conseguia chegar. A tecnologia tem sido um potencializador para a gente furar a bolha e levar um debate tão importante para o Brasil e para o mundo.”

No entanto, à medida que a tecnologia avança, fica a questão: em que medida essas inovações chegam a territórios vulnerabilizados, onde o acesso à educação e à inclusão digital é limitado? Foi a partir desses questionamentos que Daniel Paixão, um jovem recifense de 23 anos, fundou o Hub Periférico.

“Somos um grupo, um coletivo, uma startup, um ecossistema de pessoas negras e periféricas que unem suas capacidades, suas potencias e talentos para desenvolver tecnologias que impactem nossa realidade, para que juntos possamos criar cada vez mais uma revolução em Pernambuco, no Nordeste, e no Brasil”, conta.

Mesmo estando próximo a um dos maiores parques tecnológicos da América Latina, o Porto Digital, Daniel e seus amigos perceberam que a periferia permanecia à margem dessas oportunidades. Com a união de diferentes personalidades negras e periféricas de Pernambuco, o Hub Periférico vem atuando no incentivo ao desenvolvimento de soluções tecnológicas no Nordeste do Brasil, especialmente no que se refere à inclusão produtiva no setor tecnológico e às mudanças climáticas.

Daniel destacou ainda que o Hub Periférico enxerga a tecnologia de forma ampla, indo além de sua definição tradicional. A organização valoriza e incentiva o desenvolvimento das chamadas tecnologias originárias — soluções inovadoras criadas pelas próprias comunidades, baseadas em suas vivências e necessidades, e que não dependem necessariamente de uma estrutura digital.

Beatriz Johannpeter, diretora do Instituto Helda Gerdau, trouxe para o debate a perspectiva e o papel dos investidores sociais no fortalecimento dessas iniciativas. O instituto tem atuado no apoio a empreendedores periféricos, investindo recursos filantrópicos para impulsionar seus negócios.

Beatriz ressaltou o impacto positivo que a tecnologia pode gerar quando pensada de forma estratégica para o desenvolvimento social, compartilhando sua experiência com o Fundo Regenera RS – fundo filantrópico emergencial lançado para apoiar projetos de reconstrução do Rio Grande do Sul.

“Na época das chuvas, diversos negócios adaptaram suas plataformas de forma imediata para oferecer serviços, inclusive de apoio público como, por exemplo, conectar voluntários a abrigos, e oferecer apoio a saúde mental dos professores. É impressionante como a tecnologia pode ser utilizada em prol do social de tantas maneiras. As oportunidades são imensas, nós temos uma verdadeira mina de ouro à nossa disposição”, falou.

 

Tecnologia e justiça social

A tecnologia tem se mostrado uma ferramenta poderosa para o terceiro setor, no entanto, é importante que essas inovações não fiquem restritas a grupos privilegiados.

“Muitas oportunidades ainda vão surgir com grande potencial de gerar ainda mais inclusão social. Convoco os filantropos a pensarem quais são as inúmeras oportunidades que a gente pode apoiar, com recurso filantrópico, com capacitação, trazendo luz para essas iniciativas”, concluiu Beatriz.

A revolução tecnológica não pode ser apenas sobre avanços técnicos; ela precisa ser sobre pessoas. A tecnologia pode ser a força para a promoção de novos caminhos para a transformação social, mas seu verdadeiro impacto depende de um esforço coletivo. Cabe a cada um de nós – como sociedade, filantropos e líderes – garantir que as inovações tecnológicas não apenas cheguem às comunidades mais vulneráveis, mas também sejam utilizadas para fortalecer seus talentos e vozes. Somente assim, a tecnologia deixará de ser apenas uma ferramenta de inovação para se tornar uma aliada da justiça social.

 

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.

IDIS e Latimpacto trazem para o Brasil discussão sobre inovação social e investimento para impacto

Com o objetivo de disseminar o conceito de investimento para impacto no Brasil e ampliar sua aplicação, a primeira atividade da parceria entre entre o IDIS e a Latimpacto, foi o café da manhã virtual Brasil e Portugal: inovação social e investimento de impacto, com Luis Melo. Luis é membro do conselho da EVPA, rede europeia de Venture Philanthropy, e Diretor do Programa Coesão e Integração Social da Fundação Calouste Gulbenkian, em Portugal. Ele lidera um portfólio de projetos de inovação social, investimento de impacto e social impact bonds na Fundação, com sólida experiência em investimento para impacto em Portugal e Europa.

O encontro que aconteceu no dia 1º junho e para dar as boas-vindas contou com a participação de Georgia Pessoa, CEO do Instituto Humanize e vice chair da Latimpacto, e Paula Fabiani, CEO do IDIS. Carolina Suárez, CEO da Latimpacto, participou fazendo uma breve apresentação sobre a rede e o evento foi mediado por Greta Salvi, diretora da Latimpacto no Brasil .

Paula destacou a relevância do encontro, especialmente no momento de retrocessos trazidos pela pandemia, sendo necessária a união de esforços para avançar as agendas do país. Para ela “trazer a perspectiva de Portugal é muito interessante porque é um país de muitas similaridades com o Brasil, não só da língua, mas parte da nossa cultura e da história estão junto com Portugual”, ressalta Paula.

Georgia chamou atenção ao fato de que, mesmo diante de realidades socioeconômicas e políticas distintas entre Brasil e Portugal, a promoção desta conexão para ilustrar, inspirar e adaptar a nossa realidade, é sempre um caminho interessante de se seguir.

Carolina Suarez, CEO da Latimpacto,  comentou que o objetivo da rede é fazer uma comunidade para maximizar o impacto e o desenvolvimento sustentável, fortalecendo o conhecimento e a comunidade na América Latina. “Queremos amplificar o que estamos fazendo, gerar maiores conexões, fortalecer a comunidade, fortalecer o conhecimento e profissionalizá-lo para gerar maior impacto” afirma Carolina.

Na conversa, foram abordados os caminhos e os desafios para a inovação social e investimento para impacto. O debate acerca do investimento para o desenvolvimento social é crescente e abre espaço para mecanismos alternativos de financiamento de iniciativas que transformem nossa sociedade. Uma dessas modalidades é o investimento para impacto, ou Venture Philanthropy, uma abordagem de investimento que prioriza o impacto social e ambiental sobre o retorno financeiro.

Luis de Melo Jeromino da Fundação Calouste Gulbenkian

Fundação Calouste Gulbenkian

Fundada em 1957, a Fundação Calouste Gulbenkian tem como propósito fundamental melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio da arte, da assistência social, da ciência e da educação, sendo o fomento à inovação social e ao empreendedorismo eixos transversais de sua atuação. Luis trouxe um panorama dos percursos da Fundação.

A partir de 2013, a Fundação passa a também avaliar a inovação no financiamento de projetos, e é então que se aproxima da abordagem da Venture Philanthropy e começa a fomentar a criação de um ecossistema de impacto em Portugal.

Luis explicou que para acessar o investimento alternativos, além dos recursos públicos e aqueles provenientes da filantropia mais tradicional, empreendedores devem conjugar três elementos para maximizar o seu potencial de impacto: capital, competências e dados.

Capital: empreendedores precisam ter acesso a instrumentos de financiamento adequados e suficientes para as necessidades dos projetos e das organizações.

Nesta categoria, ele aponta: “há um duplo desafio que é de um lado, desenvolver um grupo de financiamento que consiga captar outros tipos de investidores (impacto e retorno financeiro) e por outro lado responder aquilo que são as necessidades dos empreendedores, das organizações e dos seus projetos”

Competências: formação e capacitação para assegurar oportunidades de desenvolvimento dos empreendedores nas áreas de gestão, estratégia, finanças e comunicação.

Dados: transparência nas informações dos investimentos de impacto (desde a modulação financeira até pequenos dados) para criar confiança no mercado.

A Fundação passou a trabalhar em dois níveis para a criação do ecossistema de investimento de impacto. O primeiro, o market building, que consiste no desenvolvimento de mercado em si, com o mapeamento dos atores nacionais, o apoio à criação de uma entidade especializada, o apoio à uma resposta de financiamento público, o engajamento de outros stakeholders nacionais e o lançamento de uma base de dados de custos públicos. Deste processo, surgiu o ‘Grupo de trabalho português para o investimento social’, firmando a proximidade com o setor público, dinâmica muito relevante nesta agenda. A segunda linha de atuação foi tornar-se um market player, ou seja, ser um agente ativo este mercado. A Fundação teve que rever sua estratégia e hoje investe em 5 social impact bonds e fez um investimento relevante no primeiro fundo de capital de risco de impacto português.

Entre as lições aprendidas com a construção de um ecossistema de investimento de impacto, Luis falou sobre a importância da construção de uma visão e agenda de trabalho compartilhadas e da identificação de “champions“, que serão referências para o mercado, sendo quanto mais diversificados, melhor. Lembrou também que a adaptação ao contexto local é essencial, sendo as políticas públicas de grande ajuda para este tipo de projetos.  Além disso, assegurar os quick wins é muito importante porque podem fazer transformações concretas de impacto para transmitir mais confiança no trabalho realizado.

Veja aqui o painel na íntegra:

 

Veja também: Iniciativa Social Corporativa é tema de evento promovido pela Latimpacto junto ao IDIS

IDIS e Latimpacto firmam parceria para o avanço do Investimento para Impacto no Brasil

O desejo de alinhar investimento a desenvolvimento social é crescente e abre espaço para mecanismos alternativos de financiamento de iniciativas que transformem nossa sociedade. Uma dessas modalidades é o investimento para impacto, ou venture philanthropy, uma abordagem de investimento que prioriza o impacto social e ambiental sobre o retorno financeiro. Ele está posicionado entre a filantropia tradicional e o investimento de impacto, já que visa gerar mudanças sistêmicas, é estratégico na forma como utiliza os recursos financeiros e humanos e adota processos e práticas do setor financeiro para provocar essas mudanças. Esta é mais uma forma de identificar e desenvolver soluções inovadoras que rapidamente possam ser escaladas e replicadas por outro tipo de investidor, como instituições do setor financeiro, fundos de investimento de impacto ou investidores tradicionais que visam retorno financeiro.

 

Sobre a Latimpacto

Criada em 2020, a Latimpacto é uma rede latino-americana que mobiliza os provedores de capital social para garantir uma implementação mais eficaz dos recursos financeiros e não financeiros e, assim, gerar impacto social e ambiental positivo, sustentável e de longo prazo. Com tem equipes no Brasil, Colômbia e México, se torna uma importante parceira do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. “Para nós é uma honra oficializar essa parceria com o IDIS, uma instituição com tanta credibilidade e relevância no campo do investimento social no Brasil. A Latimpacto é uma rede que está nascendo guiada por uma abordagem muito clara que é a Venture Philanthropy, e um dos nossos objetivos principais é mobilizar diferentes tipos de investidores, como filantropos, empresas e mercado financeiro. Promovemos atividades de conhecimento e facilitamos conexões e fazer isso junto com o IDIS certamente trará bons frutos para o Brasil e América Latina.” explica Greta Gogiel Salvi, Brazil Country Director da Latimpacto.

 

A parceria

Ao compreender o ecossistema brasileiro e os aspectos socioeconômicos e desafios do país, o IDIS se torna um embaixador ativo da Latimpacto, apoiando a promoção do investimento para impacto mais estratégico no país. A parceria inclui a realização de eventos, a produção de artigos e publicações, capacitações, além da participação no Conselho da Latimpacto. “O IDIS, desde a sua fundação, tem como missão mapear e promover as novas formas de se pensar e fazer investimento social privado no país, articulando parcerias estratégicas com atores importantes do setor. A parceria com a Latimpacto reflete essa trajetória e abrirá portas para maior interlocução e acesso a novos atores e práticas do ecossistema global de impacto”, comenta Renato Rebelo, diretor de projetos do IDIS.

 

Primeira ação conjunta

A primeira atividade em conjunto será o café da manhã virtual Brasil e Portugal: inovação social e investimento de impacto, com Luis Melo, membro do conselho da EVPA, rede europeia de venture philanthropy, e Diretor do Programa Coesão e Integração Social da Fundação Calouste Gulbenkian, em Portugal. Luis lidera um portfólio de projetos de inovação social, investimento de impacto e social impact bonds na Fundação, além de sólida experiência em investimento para impacto em Portugal e Europa. O encontro será uma excelente oportunidade para aprender e se inspirar com a liderança de uma organização que está trabalhando por uma sociedade mais justa e solidária, preparando os cidadãos do futuro.

O evento conta também com o apoio do Instituto Humanize e acontecerá no dia 1º de junho, das 8:30h às 10h, em formato virtual. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas em http://bit.ly/brpt_inovsoc.

 

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