Resiliência e impacto: a Fundação Gerações no Rio Grande do Sul

A solidariedade foi a principal resposta às consequências da crise climática que afetou o Rio Grande do Sul em 2024. Com o engajamento de diferentes parceiros, a Fundação Gerações (FG) – que havia lançado no ano anterior o Fundo Comunitário Porto de Todos (FCPT), – mobilizou recursos para apoiar projetos sociais de base comunitária que foram diretamente atingidos pelas enchentes de maio.

Organização da sociedade civil criada em 2008, a Fundação Gerações atua para endereçar as principais demandas do território, através de três eixos principais: fomento a negócios sociais periféricos; fortalecimento das OSCs, com iniciativas de formação e networking; e desenvolvimento territorial de comunidades vulneráveis, suas organizações e lideranças.

Com um olhar atento e sensível às problemáticas territoriais da esfera social, em 2022, a organização passou a integrar o programa Transformando Territórios, iniciativa do IDIS e da Charles Stewart Mott Foundation, e no ano seguinte, em dezembro de 2023, nasceu o FCPT, para engajar pessoas e instituições em prol do desenvolvimento social das comunidades mais vulneráveis de Porto Alegre e Região Metropolitana.

Karine Ruy, Diretora Executiva da Fundação Gerações

 

o início da fg como fundação comunitária

No início de 2024, com recursos de matchfunding, foi lançada a 1ª Chamada pública de apoio a negócios de impacto social periféricos do FCPT, com a parceria da Coalizão pelo Impacto Porto Alegre e do programa Transformando Territórios, marcando o início da operação da Fundação Gerações como uma Fundação Comunitária.

Foram contemplados seis negócios com foco em mulheres, comunicação, juventudes e energias renováveis. Cada um recebeu R$ 10 mil para desenvolver soluções às problemáticas socioambientais em seus territórios.

Além do apoio financeiro, todos os empreendedores selecionados pelo FCPT tiveram a oportunidade de participar do programa DUXtec 2024, uma iniciativa de modelagem de negócios de impacto socioambiental realizada pela FG desde 2021. Esta é, portanto, uma das características mais marcantes da Fundação Gerações como Fundação ou Instituto Comunitário: o foco no apoio às organizações locais, um dos 9 princípios que guiam o papel e a operação deste modelo de organizações.

Na Carta de Princípios para FICs do IDIS, sua diretriz é:

Provedoras de apoio institucional e técnico às organizações e iniciativas sociais locais: responsáveis por impulsionar o desenvolvimento e a construção de capacidades das organizações da sociedade civil e iniciativas sociais locais, de modo a elevar padrões de operação e garantir o uso responsável e eficiente dos recursos doados.

Empreendedores selecionados pelo FCPT participaram do programa DUXtec 2024, iniciativa de modelagem de negócios de impacto socioambiental

enfrentando emergências 

Diante da calamidade, em maio de 2024, foi engajada com os processos de reconstrução dos territórios mais vulnerabilizados atingidos pelas chuvas na região de Porto Alegre.

“Iniciamos uma convocação para empresas, institutos e famílias brasileiras que desejassem se somar a essa corrente de ressignificação com a Linha Emergencial. Para essa atuação, nos inspiramos e estivemos próximos de instituições com expertise na mobilização de fundos emergenciais, como o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis (ICOM) e a Associação Nossa Cidade (Fundo Brumadinho), pares da Fundação Gerações junto ao IDIS no programa Transformando Territórios”, conta Karine Ruy, diretora executiva da Fundação Gerações.

 

Assim, em maio e em setembro, respectivamente, foram lançadas a 1ª e a 2ª Chamadas Públicas Emergenciais do Fundo Comunitário Porto de Todos. Ao todo, foram selecionadas 10 organizações de base comunitária para receber, cada uma, aportes iniciais de R$ 20 mil em capital semente, destinados a reformas ou aquisição de insumos necessários para a garantia do atendimento à comunidade.  Até maio de 2025, R$ 469 mil haviam sido repassados pela FG às OSCs beneficiadas em diferentes rodadas de apoio da Linha emergencial.

“Optamos por iniciar um ciclo de apoio mais longo, combinando repasse de recursos com autonomia no uso e assessoramento técnico. Exemplos incluem a reforma elétrica da Adevic, a compra de portas de sala de aula pela Acompar e a construção do novo telhado e instalações elétricas na Cabo Rocha”, detalha Karine. “Para muitas dessas organizações, foi o primeiro recurso que chegou após a tragédia. O diferencial está na relação de confiança”, acrescenta.

Reconstrução do Chimarrão da Amizade, em Canoas, município que ficou submerso

Outras rodadas de investimento já foram realizadas e mais repasses estão previstos para o decorrer de 2025, mas de forma customizada às demandas de cada organização. As lideranças das organizações beneficiadas também contam com assessoramento e apoio para o desenvolvimento de novos projetos. Para o próximo ano, o objetivo é contribuir com a formação de lideranças para que as organizações se tornem “Hubs de Regeneração Comunitária”, capazes de impactar ainda mais seus territórios.

Desde sua criação, já foram captados mais de R$ 1 milhão pelo Fundo Porto de Todos. O objetivo da organização é ampliar a prática de grantmaking – ou seja, financiar iniciativas e projetos de organizações locais. Esta também é uma característica marcante das atividades de uma Fundação ou Instituto Comunitário.

Na Carta de Princípios para FICs, define-se que:

“Majoritariamente grantmakers: captam, gerenciam e realizam doações de recursos financeiros para organizações sem fins lucrativos e iniciativas sociais do território, que atuam na linha de frente do atendimento às demandas comunitárias, de modo a assegurar a vitalidade do setor social local.”

 

Karine explica que o diferencial do Fundo está na sua arquitetura de funcionamento, com; mapeamento de iniciativas vindas dos territórios, inclusive de lideranças ou empreendedores; capacitações; monitoramento na execução e avaliação de impacto. Todo esse fluxo é mediado pelo diálogo, construção colaborativa, respeito aos saberes locais e transparência:

“A intermediação de recursos financeiros, o assessoramento técnico e a ativação de redes oferecem segurança e credibilidade às OSCs, mas, principalmente, identifica – a partir de uma escuta muito cuidadosa – quais são as demandas das comunidades e territórios. Não queremos protagonizar projetos, mas fazer com que organizações que já têm seu conhecimento local consigam rodar suas propostas”, diz Karine, ressaltando que a Fundação Gerações tem um Conselho Curador e uma diretoria voluntários, mas uma equipe operacional e de gestão profissionalizada, dedicada a conduzir os processos.

 

Informações do Território 

  • Território de atuação: Região Metropolitana de Porto Alegre
  • Nome da fundação ou instituto comunitário: Fundação Gerações
  • Liderança: Karine Ruy, diretora-executiva
  • População: A RMPA é a maior área metropolitana do Sul do Brasil, com uma população estimada de 4,3 milhões de habitantes.
  • Causas prioritárias mapeadas pela FIC: Apoio a organizações sociais de base comunitária; fomento a negócios e coletivos de impacto social; formação de lideranças.
  • Desafios regionais: Desigualdade socioeconômica, acesso limitado à educação e saúde de qualidade, infraestrutura urbana precária, violência e insegurança, escassez de transporte público adequado e a marginalização das comunidades.

 

A Fundação Gerações integra o programa Transformando Territórios, uma iniciativa do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – com a Charles Stewart Mott Foundation para fomentar a criação e o fortalecimento de Institutos e Fundações Comunitárias no Brasil.

 

Quer saber mais sobre a Fundação Gerações? Acesse o site.

Para conhecer mais sobre os Princípios e características das Fundações e Institutos Comunitários, acesse a Carta de Princípios através deste link.

Saiba mais sobre o programa Transformando Territórios e como apoiá-lo.

 

A filantropia como chave para resposta às tragédias anunciadas

Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal, em 12/03/2025

Por Karine Ruy (Fundação Gerações) e Paula Jancso Fabiani (IDIS)

As águas de janeiro voltam a inundar os noticiários e, infelizmente, as cidades e casas de centenas de milhares de brasileiros. Em 2021, as enchentes atingiram o Sul da Bahia; no ano passado, Porto Alegre; e, 2025 começa com o litoral paulista e tantas outras regiões enfrentando a mesma realidade.

De um lado, há a abundância de água; do outro, a escassez. Mesmo a Amazônia, conhecida por sua exuberância hídrica, enfrentou secas severas, uma metáfora cruel que ilustra a falta de recursos financeiros destinados a emergências como essas. Em um cenário em que esses eventos climáticos extremos tornam-se cada vez mais recorrentes e potentes, evidenciando a vulnerabilidade de nossas comunidades, 750 mil brasileiros já foram obrigados a se deslocar por desastres naturais, seja por inundações, secas, deslizamentos etc. Em números totais, a quantidade de pessoas em deslocamentos por esse motivo no mundo já superava aquela causada por guerras, repressão e violência em 2023, segundo a Organização Internacional de Migrações (OIM).

É nesse contexto em que a cultura de doação se revela imprescindível. Fortalecer a filantropia é essencial para potencializar ações que apoiam diretamente os afetados pelas mudanças climáticas. As doações e o trabalho de OSCs (Organizações da Sociedade Civil) são, frequentemente, as primeiras respostas em momentos de crise.

A experiência recente no Rio Grande do Sul é um exemplo disso. Diversas OSCs mobilizaram-se rapidamente para arrecadar recursos e ajudar as famílias atingidas pelas enchentes. Vimos um pico de doações e uma mobilização histórica. Mesmo com sedes inundadas, as organizações coordenaram voluntários, distribuíram, com eficiência, doações, e arrecadaram recursos financeiros para mitigar danos.

Registro feito durante visita da Fundação Gerações ao Instituto Camélia, após as enchentes que atingiram Porto Alegre e região [Foto: Marcos Pereira Feição]

No entanto, essas ações também expõem desafios. Algumas organizações, por exemplo, não dispunham de voluntários suficientes para gerir o grande volume de doações, enquanto outras observaram uma queda acentuada no fluxo de recursos financeiros à medida que a tragédia saía dos holofotes da mídia. Por isso, o conhecimento do território e a capilaridade das organizações locais são essenciais para que os recursos cheguem, de forma eficiente, a quem mais precisa.

O modelo de atuação com foco territorial surge como uma solução sistêmica e perene para articular doadores e organizações locais. No Rio Grande do Sul, o Fundo Porto de Todos, criado pela Fundação Gerações, apoiou OSCs locais para que estas pudessem retomar suas atividades após as enchentes. Iniciativas semelhantes já foram realizadas em outras regiões, como o Fundo de Chuvas, em Florianópolis, criado pelo ICOM (Instituto Comunitário Grande Florianópolis), e o Fundo Brumadinho, gerido pela Associação Nossa Cidade, que demonstraram a eficácia desse tipo de estratégia.

Em nosso contexto climático, tragédias como essas, infelizmente, têm a tendência de se repetirem de forma cada vez mais intensa. Estar preparado para a próxima crise antes mesmo da atual se encerrar é fundamental. Diagnósticos territoriais e a capacidade de mobilizar recursos e ativos diversos de forma estruturada das FICs (Fundações Comunitárias e Institutos) locais são ferramentas indispensáveis para enfrentar emergências. Lideranças locais, com conhecimento territorial, desempenham, portanto, um papel crucial na distribuição eficiente de recursos.

A filantropia estratégica pode ser a chave para responder com agilidade e impacto às tragédias. Se deseja contribuir, doe para organizações locais, como Fundações e Institutos Comunitários. Sabemos que desastres  continuarão acontecendo. A diferença que podemos fazer é como reagimos a eles. Apoiar quem já está no território, com experiência e compromisso com a comunidade, é o melhor caminho para minimizar os efeitos devastadores das mudanças climáticas.

Encontro da Fundação Gerações no Dia de Doar é destaque no Jornal do Comércio

Para celebrar o Dia de Doar de 2024, a Fundação Gerações organizou um encontro para compartilhar depoimentos e discutir os próximos passos da atuação filantrópica no Rio Grande do Sul. A organização faz parte do Programa Transformando Territórios, uma iniciativa do IDIS em parceria com a C.S. Mott Foundation, para apoiar as Fundações e Institutos Comunitários (FICs) no Brasil.

O evento contou com painelistas de outros estados do Brasil, como Felipe Groba, gerente de projetos do IDIS. Para Groba, o encontro foi uma espécie de regeneração do trauma adquirido no período das enchentes.

“O que foi mais impactante para mim é como parece ter se reforçado esse sentimento de solidariedade no Rio Grande do Sul”, comenta.

O encontro foi pauta no Jornal do Comercio, no caderno virtual e na versão impressa do veículo. Confira o texto na íntegra aqui.