Esperançar em tempos de mudanças climáticas

Por Daniel Barretti, gerente de projetos no IDIS

No dia 1º de outubro, a primeira plenária da 14ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais teve como temática “Esperanças em tempo de mudanças climáticas”. O ponto de partida, apresentado por Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, foi o de que a crise climática não é um risco futuro, mas sim uma realidade que já impacta comunidades em todo o mundo.

 

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Alice Amorim, diretora do programa da diretoria executiva da presidência da COP30, delineia o contexto atual como o de um “multilateralismo governamental sistematicamente confrontado”, ao passo em que vivenciamos uma crise climática que não reconhece fronteiras e que nos exige um senso de urgência. A filantropia já cumpre um importante papel no que tange as mudanças climáticas, mas tem potencial de ir além. A problemática socioambiental é transversal e a filantropia deve incorporar a questão climática como parte de sua estratégia de atuação nos mais diferentes setores tais como educação, saúde etc.

“Todo mundo que financia educação precisa pensar como a educação, seja em sua estratégia programática seja em sua estratégia mais macro, está relacionada com a mudança do clima. Tem a ver com o tipo de currículo? Tem a ver com a forma como as escolas estão adaptadas as ondas de calor?”, comentou Alice.

 

Alice complementa ainda dizendo que a filantropia, por sua capacidade de flexibilização e adaptabilidade, pode desempenhar importante papel em atuações emergenciais e inovadoras, além do fortalecimento de agenda voltada para a redução de gases de efeito estufa (GEE).

Arriscaríamos a subverter o senso comum e dizer que a crise da qual tratamos não é essencialmente climática? A provocação vem do fato de pensar que a crise é da humanidade. Nós somos a causa e nós buscamos a solução. Entretanto, Viviana Santiago, diretora executiva da Oxfam Brasil, nos lembra de que os papeis, responsabilidades e consequências não são os mesmos.

“Quando a gente pensa naquelas pessoas no Rio Grande do Sul que perderam suas casas, equipamentos de trabalho, memórias […] e quando a gente lembra do chamamento que as autoridades fizeram num primeiro momento e diziam assim – vão para as suas casas de praia no litoral! Aquelas pessoas que estavam vivendo o mesmo externo climático, não o estavam vivendo da mesma forma”, exemplifica Viviana

 

Em suma, aqueles que historicamente se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica são os que menos possuem responsabilidade e os que mais sofrem as consequências da agudização das crises contemporâneas. Esse contexto é o que enseja o conceito de injustiça ambiental:

mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações e baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, as periferias urbanas, às populações marginalizadas e vulneráveis (MANIFESTO…, 2001).

Viviana fecha com a reflexão de que a filantropia possui um papel muito maior do que o financiamento de projetos. Por seu poder de fala e atuação política, a filantropia deve ser mais vocal e protagonista na transformação de que necessitamos.

Patricia McIlreavy, presidente e CEO do Center for Disaster Philathropy, encerra a mesa sob uma perspectiva que amarra e corrobora as falas precedentes, uma vez que coloca o ser humano na práxis da ideia de crise climática, quando diz que “o desastre é a vulnerabilidade ao evento e não o evento em si”.

Por fim, Patricia desdobra alguns pontos fundamentais e pragmáticos de atuação possível pela filantropia, dentre os quais: ouvir e atuar de maneira colaborativa com as comunidades; atuar em rede intersetorial; atuar de maneira preventiva aos desastres socioambientais; investir em adaptação a nova conjuntura climática; investir em ações e experiências que já existem.

 

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Empresas semeando transformações

Por Gabriel Bianco, gerente de projetos ESG no IDIS

Diante de crises recorrentes e desigualdades persistentes, o setor empresarial e seus veículos filantrópicos são cada vez mais convocados a atuar com intencionalidade, estratégia e compromisso de longo prazo. Enraizadas em territórios e com capilaridade para atuar em frentes diversas, iniciativas empresariais têm mostrado como é possível semear transformações e levar esperança a grupos vulnerabilizados.

Nesse contexto, realizou-se o painel “Empresas Semeando Transformações” durante o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais de 2025. O debate abordou diferentes estratégias e formatos pelos quais fundações e institutos geram impacto socioambiental positivo, contando com a participação de Fátima Lima, diretora de Sustentabilidade da MAPFRE no Brasil e representante legal da Fundación MAPFRE no Brasil; Murilo Nogueira, diretor administrativo-financeiro da Fundação Bradesco; Keyla Rodrigues, gerente de sustentabilidade da Fundação Sicredi; e mediação de Helen Pedroso, diretora de responsabilidade corporativa e direitos humanos do Grupo L’Oréal no Brasil.

 

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Helen abriu o debate mencionando a potência de empresas que “movimentam, articulam e usam sua influência” para ajustar estratégias de negócio a uma visão mais inclusiva, sendo o investimento social privado um importante vetor para construir legado, esperança e ações concretas.

Para atingir resultados consistentes, Fátima Lima destacou que a Fundación MAPFRE se posiciona com compromissos de longo prazo com a sociedade, sustentados por um modelo de governança societária que assegura o repasse de parte do resultado operacional para ações socioambientais em temas estruturantes como educação e saúde. Ao mesmo tempo, Fátima ressaltou a importância de equilibrar projetos estratégicos com respostas a necessidades imediatas, como em crises humanitárias.

“Na crise do Rio Grande do Sul foram mobilizados quase R$ 2 milhões, 250 voluntários e 500 horas de trabalho, alcançando mais de 60 mil pessoas. Quando a ação social permeia a cultura, cresce o pertencimento e a felicidade do colaborador”, reforçou Fátima, ao explicar como o voluntariado corporativo retroalimenta a própria estratégia.

 

Na sequência, Murilo Nogueira ressaltou a centralidade de uma governança bem definida e de previsibilidade orçamentária, fatores que podem ser alcançados por meio de fundos patrimoniais. No caso da Fundação Bradesco, os recursos filantrópicos têm origem na doação de ações feita por Amador Aguiar, fundador do banco, que sonhava com a implementação de escolas do ensino infantil ao ensino médio; hoje, a Fundação atende mais de 42 mil estudantes em todo território nacional.

Para Murilo, o “esperançar” acontece quando a escola devolve o direito de sonhar: “O aluno entra conosco; muitos chegam sem a possibilidade de sonhar, sem a possibilidade de esperançar. A nossa função é educar e devolver o direito de sonhar.” A política educacional da organização também se dá na continuidade da evolução dos alunos, incluindo o EJA (Educação de Jovens e Adultos), qualificação das famílias e cursos técnicos alinhados às vocações locais — um arranjo que reduz indicadores negativos nas comunidades e fortalece o pertencimento entre colaboradores do banco. Por fim, Murilo destacou a implementação de escolas próprias, que amplia o controle pedagógico, o engajamento e a retenção de equipes, resultando em impacto social mais duradouro.

No terceiro bloco, Keyla Rodrigues apresentou o cooperativismo como infraestrutura social. A Fundação Sicredi integra um sistema com mais de 100 cooperativas e nove milhões de associados, “donos do negócio”, que deliberam sobre prioridades e investimentos comunitários. Desse arranjo emergem programas sistêmicos de longa duração — como o União Faz a Vida, há 30 anos promovendo cooperação, cidadania e protagonismo infantil — e soluções locais definidas em cada território. A combinação entre escala e territorialidade se materializa no Fundo Social, mecanismo pelo qual as cooperativas selecionam e financiam projetos do terceiro setor em suas regiões. Somente no último ano, foram mais de R$ 75 milhões; somado o portfólio do sistema, “investe-se mais de um milhão por dia” em iniciativas de impacto socioambiental.

“Nosso meio é financeiro, mas nosso fim é social. Toda cooperativa nasce para resolver um problema da comunidade”, sintetizou Keyla.

 

O painel encerrou com uma reflexão proposta por Helen, sobre o que é “esperançar” para os palestrantes. Para Murilo, trata-se de “fazer melhor e mais” diante dos desafios atuais, fortalecendo o ciclo virtuoso em que impactados voltam a impactar suas comunidades. Keyla associou esperançar a “plantar sementes de cidadania” — hoje presentes em mais de cinco mil escolas do União Faz a Vida — e acompanhar seu desenvolvimento. Fátima traduziu em atitude concreta: empoderar crianças e jovens pela educação e ver agentes comunitários surgirem dessa jornada. A mediação arrematou com um recado ao setor privado: respeitar limites planetários e transformar cadeias de valor exigem mudar o negócio e mudar processos, sem perder a dimensão territorial e humana do impacto.

A mensagem final foi clara: investimentos sociais estruturados por governança reduzem a dependência de ciclos econômicos e mantêm o foco de longo prazo; escala com territorialidade evita soluções genéricas e amplia legitimidade; cultura e engajamento, do reconhecimento ao voluntariado, criam pertencimento e novas lideranças; e indicadores simples e partilhados tornam o impacto material para quem decide e para quem é beneficiado. Em comum, Fundación MAPFRE, Fundação Bradesco e Fundação Sicredi mostraram que reduzir desigualdades requer olhar para o negócio e intencionalidade de impacto socioambiental.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Reverberando impactos: a geração de valor na cadeia filantrópica

Por Yasmim Lopes, analista de projetos ESG

No contexto da Pandemia de COVID-19 um potencial foi revelado: além dos recursos financeiros, empresas podem colocar seus ativos em favor da filantropia, disponibilizando redes, recursos e capacidades em prol da solução de problemas socioambientais. O mesmo pôde ser visto no desastre climático do Rio Grande do Sul em 2024 e nas recorrentes queimadas na Amazônia.

O processo de envolvimento de diversas partes interessadas no investimento social, onde mais de um ente se mobiliza para financiar, mobilizar recursos, implementar e monitorar uma causa é chamado de cadeia filantrópica e gera valor não só para a sociedade, mas também para as empresas envolvidas.

Após as experiências desenvolvidas através da colaboração em ações emergenciais, o desafio passa a ser a estratégia continua. Como sair do modo “resposta à crise” e consolidar políticas consistentes de investimento social, capazes de sustentar mudanças estruturais nos territórios? Foi com essa provocação que a moderadora Thaís Nascimento, Coordenadora de Programas no GIFE, abriu o painel “Reverberando impactos: a geração de valor na cadeia filantrópica” durante o Fórum Brasileiro de Investidores e Filantropos Sociais 2025.

 

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Olhar para uma causa e para o seu contexto é essencial. Aron Zylberman, diretor executivo do Instituto Cyrela, contou como a filantropia se tornou um princípio organizador da atuação social da companhia. Bebendo da fonte do “valor compartilhado”, o Instituto Cyrela atua com projetos que entregam impacto social e fazem sentido para o negócio. Na prática, isso significou olhar os bairros onde a Cyrela constrói e investir em infraestrutura educacional pública (escolas, creches, espaços de aprendizagem) em um raio próximo aos empreendimentos, sobretudo os da marca de habitação popular. Ao conectar investimento social e estratégia de negócio, a empresa também fortalece reputação e licença para operar.

“Nós ficamos pensando que o nosso tema principal é educação, que já tem muita gente muito competente, vários institutos e fundações atuando. Para que fazer a mesma coisa? O que que o pessoal não faz? O pessoal não transforma os equipamentos de educação. O ambiente físico é fundamental para o processo pedagógico, é importante ter uma sala bem iluminada, com bom ambiente, com ar- condicionado, com recursos digitais disponíveis. E aí entrou o papel do Instituto Cyrela, construir a infraestrutura” , comentou Aron.

 

Apostando também na transformação sistêmica, o Instituto Natura atua em três frentes: educação, com forte componente de política pública; direitos e saúde das mulheres; e desenvolvimento integral das consultoras de beleza. David Saad, diretor presidente do Instituto, reforçou que escala e consistência vêm de uma tese clara de transformação.

A conexão com o negócio se expressa com reputação, força de marca, engajamento de colaboradores e, sobretudo, prosperidade das consultoras, que inclusive financiam o instituto e têm um “IDH das consultoras” para orientar ações formativas que impactam seu bem-estar e renda.

“Por exemplo, no cuidado com a saúde com as mamas. Então, se a gente fizesse a pergunta que estávamos acostumados a fazer, que é ‘como eu posso ajudar?’, eu ia fazer uma campanha, ia fazer um projeto e ia fazer lá as minhas iniciativas. Como a pergunta que a gente fez foi diferente, que é ‘como a gente pode mudar o patamar da detecção precoce de câncer de mama no Brasil e, portanto, reduzir as mortes?’ , a gente teve que fazer uma estratégia muito diferente, cheia de colaboração, desenvolver com poder público, com outras organizações, e auxiliar outras organizações a trabalhar nesse tema”, explicou David.

Saad ainda aponta um desafio: Como gerar impacto social e para o negócio equilibrando o curto e o longo prazo? Segundo Saad, se o pêndulo ficar só no curto, captura-se valor comunicável e rápido, mas sem transformação social; se pender só ao longo prazo, o Instituto perde lastro com o negócio. O caminho é calibrar ambições, cultivar um interesse genuíno da liderança e trabalhar com metas e dados, mas preservando espaço para ousadia.

E é na colaboração que a ousadia pode residir. Alejandro Álvarez von Gustedt, vice presidente da Rockefeller Philanthropy Advisors Europa, destaca que a inovação floresce em ecossistemas: quando atores compartilham conhecimento e constroem soluções coletivas, o efeito é “mágico”. A colaboração, porém, esbarra em dois desafios recorrentes: a busca por atribuição (o desejo de dizer “aconteceu graças a nós”) e a ansiedade por métricas de retorno imediato. Se a ambição é transformação social, olhar de longo prazo e atuar via parcerias, em linha com o ODS 17, é inevitável.

 

“Nesses momentos de incerteza, de dificuldades, o papel dos investidores sociais e corporações não mudou. Talvez o ambiente tenha mudado um pouco, mas basicamente o que a gente precisa fazer para alcançar esse impacto ao apoiar comunidades é basicamente o mesmo: o caminho é engajamento, parcerias. Mas, nas comunidades principalmente, a gente precisa ouvir, trabalhar com os outros, criar essas parcerias. É assim que a gente consegue maximizar o retorno social dos investimentos por cada dólar ou real que você estiver investindo”, apontou Alejandro.

Ao final, um consenso atravessa as falas: gerar valor na cadeia filantrópica não é “apoiar projetos”; é alinhar estratégia social e estratégia de negócio, atuar onde a empresa tem capilaridade e responsabilidade (os territórios), colaborar com quem está na ponta e medir o que importa sem sufocar a ambição transformadora. É também reconhecer que reputação, engajamento e licença para operar são consequências quando a empresa investe socialmente de maneira estratégica.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Cultivando futuros: filantropia familiar ganha força como motor de transformação no Brasil

Por Weslley Carvalho, estagiário do programa Juntos Pela Saúde

No Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2025, realizado em 1º de outubro pelo IDIS, uma das conversas do dia reuniu lideranças do setor para refletir sobre os caminhos da filantropia familiar no país. A mesa Cultivando futuros: caminhos para a filantropia familiar no Brasil” destacou o papel estratégico dessas iniciativas no enfrentamento de desafios complexos e na construção de uma sociedade sustentável.

Realizada em um momento em que o cenário global combina retração de recursos internacionais e aumento da complexidade dos problemas sociais e ambientais, a sessão convidou o público a repensar como famílias e indivíduos de alto patrimônio podem atuar de maneira mais estruturada, colaborativa e de longo prazo. A partir das reflexões do estudo Caminhos para uma atuação mais ampla e estratégica da filantropia familiar no Brasil, desenvolvido pelo IDIS, os participantes compartilharam experiências, perspectivas e desafios que apontam para uma transformação em curso no campo filantrópico brasileiro.

 

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Carola Matarazzo, diretora executiva do Movimento Bem Maior e presidente do Conselho de Governança do GIFE, abriu a conversa trazendo um olhar sobre a evolução histórica da filantropia familiar no país e os aprendizados acumulados ao longo dos anos. Destacou a importância da governança familiar como eixo estruturante e ressaltou como diferentes gerações têm contribuído para moldar novas formas de atuação, muitas vezes guiadas pela ideia de transformar herança em legado.

Para ela, “a filantropia familiar é muito mais do que um instrumento de doação: é um espaço de convergência, onde diferentes gerações podem se encontrar em um propósito comum, transformando patrimônio em legado.”

“Mais do que escolher causas, a filantropia familiar é um exercício de alinhamento de valores que podemos ofertar ao mundo; é esse fio condutor que garante coerência entre gerações e permite transformar heranças em futuro”, destacou também Carola.

Falou ainda sobre a necessidade de adaptação constante: o mapa de prioridades das famílias é dinâmico e reflete valores e crenças que se transformam com o tempo. Nesse cenário, ganham espaço pautas contemporâneas, como a agenda climática, a redução das desigualdades sociais, a valorização da diversidade territorial e o letramento acerca dos marcadores sociais da diferença. Segundo ela, há uma mudança de mentalidade em curso, que desloca a filantropia de um lugar mais individual para um movimento coletivo, com maior articulação entre institutos, fundações e diferentes atores da sociedade civil. “Precisamos, sobretudo, mobilizar distintos capitais: o financeiro é importante, mas insuficiente. O capital humano, social, político e reputacional também deve ser colocado em movimento para destravar soluções novas e de longo prazo, tanto no setor privado quanto no público.

 

Em sua fala, Marina Cançado, fundadora da Converge Capital e cofundadora da plataforma ATO, deu continuidade ao debate abordando o papel dos múltiplos capitais no enfrentamento de temas complexos, com destaque para a crise climática. Ressaltou que a estabilidade climática deixou de ser apenas uma pauta ambiental e se tornou um plano de fundo inevitável para qualquer estratégia de filantropia com visão de futuro. Segundo Marina, “quando pensamos na próxima etapa da filantropia familiar, não há como dissociar o pano de fundo que vivemos: as mudanças climáticas. Elas não são uma causa, mas o contexto que precisa estar por trás de todo o pensamento sobre filantropia e das soluções que queremos construir”. Marina destacou também que pensar a filantropia em um mundo de aquecimento global significa adotar uma perspectiva integrada, capaz de conectar diferentes esferas de atuação e engajar novas gerações na busca por soluções de longo prazo.

Encerrando o debate, Fernando Nogueira, diretor executivo da ABCR, trouxe a perspectiva dos profissionais de captação de recursos e dados recentes sobre o cenário da filantropia no Brasil. Abordou tendências identificadas em pesquisas nacionais e internacionais, destacando que o interesse pela doação muitas vezes nasce de vínculos de proximidade, o que reforça a importância de fortalecer relações de confiança entre doadores e organizações sociais.

“O investimento social privado é, ao mesmo tempo, o mais importante e o menos importante dos capitais filantrópicos. É o menos importante porque é um dos menores: pessoas físicas, fazendo pequenas doações, doam muito mais do que os grandes filantropos, e o governo e as microempresas repassam muito mais recursos. Mas ele pode ser o mais importante porque tem o maior potencial de ser estratégico, refletido e de provocar intervenções cirúrgicas e de alto impacto no campo”, comentou ele.

 

 

Ficou evidente que o fortalecimento desse campo depende da articulação entre diferentes atores, incluindo famílias e organizações da sociedade civil, e de uma disposição coletiva para inovar, aprender e agir em rede. Mais do que recursos financeiros, trata-se de cultivar confiança, visão compartilhada e compromisso com causas estruturantes, capazes de gerar transformações duradouras. Em um mundo marcado por incertezas, as reflexões compartilhadas na mesa mostraram que a filantropia familiar tem um papel central na construção de futuros cheios de possibilidades.

 

Fotos: André Porto/IDIS.


Em conversa com Tania Haddad Nobre

Por Yone Araujo Moreno, coordenadora no programa Juntos Pela Saúde

O Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais de 2025 foi um evento estruturado em torno do verbo “esperançar” – não como um gesto de passividade, mas como um chamado à ação coletiva e transformadora.

Em uma das mesas do evento, a tradicionalmente intitulada “Em conversa com”, tive a oportunidade de participar de uma troca íntima e profundamente reflexiva sobre a trajetória de Tania Haddad Nobre na filantropia. Tania compartilhou, com muita transparência, como sua atuação nesse campo é marcada pela dedicação de tempo, recursos e trabalho, e, sobretudo, por um compromisso genuíno com o coletivo.

 

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Ela trouxe à tona a filantropia como prática cotidiana, construída com escuta e responsabilidade. Contou que esse tema atravessa até mesmo os encontros familiares, já que a Fundação Insper — organização educacional sem fins lucrativos da qual sua família é uma das mantenedoras — faz parte do cotidiano de todos. A fundação concede bolsas parciais e integrais, e é, para Tania, um símbolo vivo do que significa doar com propósito.

Um dos momentos mais marcantes da conversa foi quando Tania o termo “loteria do nascimento” para refletir sobre seus privilégios. Ela destacou que sua atuação é guiada por um pensamento “sem culpa”, reconhecendo as oportunidades que teve, sem se paralisar por elas, mas também sem se valer delas de forma acrítica. Seu esforço em transmitir o valor da doação às futuras gerações, especialmente aos filhos, ficou evidente para todos que estavam presentes.

Tania compartilhou que, mesmo antes de compreender o conceito de filantropia, já praticava o ato de doar. Sua atuação no Insper foi decisiva para consolidar essa visão. Entre suas causas pessoais, destacou as questões de gênero, especialmente no contexto da liderança feminina. Como mulher à frente do conselho deliberativo do Insper, ela reforçou a importância de ampliar os espaços de decisão ocupados por mulheres, que é também uma pauta atual.

Outro ponto alto da conversa foi quando Tania falou sobre a importância de ouvir antes de agir. Ela relatou uma experiência marcante: uma aluna bolsista do Insper foi flagrada dormindo clandestinamente na biblioteca. Embora tivesse recebido a bolsa, não dispunha da infraestrutura necessária para permanecer estudando, e essa experiência revelou uma realidade: faltavam recursos para alimentação, transporte e permanência nas imediações da instituição. Esse episódio foi um divisor de águas para Tania, que aprendeu, na prática, que escutar é essencial e que a filantropia precisa estar estruturada em ações holísticas e sistêmicas.

Ao final da conversa, Tania reforça que é preciso agir coletivamente, e que tão importante quanto esperançar, é desistir de desistir.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Monitoramento da base para o topo: construindo pontes entre sociedade civil, financiadores e políticas públicas

Por Stephany de Lucena Costa, estagiária de projetos no IDIS

Afinal, como é possível construir pontes dentro do processo de monitoramento de projetos? Essa foi a pergunta que Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME; Jessie Krafft, CEO da CAF America; Letícia Born, diretora associada da Co-Impact para a América Latina e no âmbito global; e o moderador Wesley Matheus, secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Orçamento, buscaram responder em uma das plenárias do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2025.

 

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O monitoramento e a avaliação aparecem não apenas como instrumentos burocráticos ou de controle orçamentário, mas, sobretudo, como ferramentas de cuidado, acompanhamento e aprendizado. Para isso, é fundamental que o fluxo avaliativo abandone a lógica top-down, isto é, de imposição de financiadores e tecnocratas, e seja reconstruído em uma perspectiva bottom-up. Isso significa que os saberes e desejos do público-alvo, bem como da sociedade civil, precisam ser considerados em todo o processo. Como destacou Ana Fontes, a inclusão dos beneficiários, com indicadores “menos duros” e mais próximos da realidade vivida, colabora para gerar impacto e consolidar ciclos de prosperidade.

Também se evidencia a necessidade de construir pontes entre financiadores e executores. Letícia Born chamou a atenção para o risco de comprometer investimentos quando se olha apenas para a “falta” de resultados imediatos. Como afirmou a própria Letícia:

“A gente precisa entender que transformação sistêmica leva tempo, e que se a gente ficar olhando só para o que não aparece no curto prazo, corre o risco de comprometer o investimento. Às vezes, o impacto está sendo construído, mas não é imediatamente visível. E aí entra a importância da confiança entre quem financia e quem executa”.

Em contraste com a ideia da “avaliação monstro”, proposta por Karen Mokate no artigo Convirtiendo el “monstruo” en aliado: la evaluación como herramienta de la gerencia social (2002), que define avaliações pautadas pelo controle e pelo teor de auditoria, a construção de relações mais harmônicas entre as partes fortalece os projetos. Isso passa pela criação de elos de confiança que permitam ajustes ao longo da execução, tornando o monitoramento um processo dinâmico de aprendizado e não apenas de fiscalização.

CONSTRUINDO A AGENDA PÚBLICA: O PAPEL DAS OSCS

Importa destacar ainda que os fluxos de monitoramento e avaliação não devem ser observados apenas no terceiro setor, mas também no primeiro – o Estado –, já que as organizações sociais têm papel fundamental na formulação de políticas em rede. Entendidas como políticas públicas construídas por meio da articulação entre Estado, sociedade civil e outros atores, elas ganham densidade quando as organizações atuam como policy entrepreneurs. Ou seja, como empreendedores de políticas que mobilizam capacidade técnica, redes de influência e legitimidade social para introduzir temas na agenda pública e incidir diretamente sobre decisões governamentais.

Como lembrou Jessie Krafft, tais organizações “preenchem buracos vazios”. Em suas palavras, “bom, o que nós estamos buscando agora é ver como diferentes organizações e doadores podem nos ajudar a preencher algumas dessas lacunas, mas também dado o fato de que o USAID […] basicamente desapareceu”. Ana Fontes complementou, mostrando como as pesquisas anuais sobre empreendedorismo feminino, realizadas pelo Instituto RME, já serviram de base para políticas de crédito e gênero. Assim, monitoramento e avaliação, quando bem estruturados, deixam de ser meros relatórios e se tornam alavancas de transformação pública.

Esse debate se amplia ainda mais quando observado sob a lente internacional. Krafft ressaltou os cortes recentes da USAID e a redução de financiamentos internacionais, somada a crises políticas e conflitos em diversas regiões, que criam um ambiente de incerteza para o terceiro setor. Ao mesmo tempo, cresce o movimento de doações individuais e locais, revelando novas possibilidades de sustentabilidade. Nesse cenário, a tensão entre financiamento restrito e irrestrito mostra-se decisiva: quanto maior a flexibilidade, maior a capacidade de resposta das organizações diante de crises e maior também o potencial de promover transformações sistêmicas de longo prazo.

Diante desse panorama, torna-se evidente que a construção de pontes por meio do monitoramento é não apenas viável, mas necessária, e que é possível “esperançar”, mesmo em tempos de incertezas político-sociais. Para isso, é imprescindível compreender que a criação de pontes não deve se restringir apenas a grandes organizações, financiadores ou ao poder público, mas envolver toda a sociedade civil. Nesse contexto, o monitoramento bottom-up mostra-se essencial para gerar informações valiosas, que devem retornar às comunidades beneficiárias e a todos os envolvidos em cada projeto, fortalecendo o empoderamento local. Essa forma de monitoramento só se sustenta quando há valorização dos saberes e atores locais, reconhecendo que o compartilhamento de informações, especialmente em contextos desiguais, é também uma poderosa estratégia de fortalecimento comunitário.

Por fim, como lembraram os palestrantes em suas falas finais, “esperançar” também significa aceitar riscos e cultivar confiança. Isso exige a construção de uma cultura filantrópica colaborativa, que valorize aprendizado, diálogo e corresponsabilidade, em vez do medo de não alcançar metas imediatas. Assim, monitoramento e avaliação deixam de ser meros mecanismos de cobrança para se converterem em verdadeiras pontes de transformação, tanto para as organizações sociais quanto para a sociedade em seu conjunto.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Esperançar: o verbo que se conjuga em comunidade

Por Carla Irrazabal, analista no programa Transformando Territórios

O Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2025 nos convidou a conjugar o verbo esperançar. A conversa Territórios e Comunidades: Sonhar e Transformar’ propôs um exercício gramatical sobre esse verbo, em que ele seria conjugado pensando nos sujeitos, nas ações e nas implicações de cada tempo verbal.

 

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Para deixar todos em linha, esperançar, como bem lembrou Tião Rocha nessa conversa, vem de Paulo Freire e é um verbo de ação. Essa perspectiva transforma a espera, usualmente associada à passividade, em algo em movimento.

Iniciando o exercício gramatical, podemos pensar que o território é o sujeito do verbo esperançar. São as comunidades que têm as respostas e as ações para se manter firmes e se reconstruírem nos momentos de necessidade. Assim, a ação esperançar é feita pelos territórios.

Gleice Santana, coordenadora de cidadania e sustentabilidade no centro cooperativo do Sicoob, explicou que o modelo de cooperativas são uma prova disso. Esses grupos se formam a partir de necessidades e demandas territoriais e trazem respostas invertendo a lógica de clientes para associados. Essa ideia de colaboração é tão forte que está presente em um dos princípios cooperativos. O 7º princípio é justamente o interesse pela comunidade, que estabelece que as cooperativas trabalham pelo desenvolvimento sustentável das comunidades às quais estão inseridas.

Seguindo na caracterização do sujeito do verbo esperançar, Domênica Falcão, da Fundação Grupo Volkswagen, traz a experiência do trabalho da organização, que tem sido focado diretamente no território e na escuta ativa das comunidades. Domênica trouxe a perspectiva de quebrar a lógica de “comunidade do entorno” – as fábricas fazem parte das comunidades e estão inseridas nos territórios. Podemos pensar, assim, que o território é um ecossistema que envolve múltiplos atores. O sujeito desse verbo é plural.

Agora, com o sujeito bem caracterizado por essa pluralidade comunitária que representa um território, seguimos para a conjugação desse verbo, colocada logo no início da fala de Tião – presente do indicativo. “Nós esperançamos”. O presente do indicativo é usado para falar de uma ação que ocorre no momento da fala e que é algo habitual. Reforçando a ideia de que o esperançar é presente, mas também se estende para o futuro do tempo verbal, é um ato contínuo.

E é justamente nesse “nós” que Tião aprofunda o sentido do verbo. Ele lembrou de um provérbio ouvido em Moçambique: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Essa imagem amplia a ideia do sujeito coletivo e nos devolve à noção de que educar e transformar são gestos que só existem em coletivo. Ele também nos convidou a olhar para a utopia não como um ponto inalcançável, mas como farol, algo que orienta, inspira e nos mantém em movimento. Ao revisitar o passado, recordou o tempo em que muitos projetos sociais buscavam respostas fora dos territórios, tentando impor modos de vida “corretos”. Esperançar, então, é também ter a humildade de aprender com o território, de reconhecer que é dele que nascem as causas e as verdadeiras possibilidades de transformação.

Selma Moreira, que moderou a conversa, costurou esse conjunto de ideias com uma provocação necessária: a de que quem “tem a caneta” precisa parar para escutar. Escutar de verdade, sem hierarquizar saberes, sem colocar o conhecimento técnico acima da experiência vivida. Porque há sabedoria nas práticas cotidianas e força nas vozes que nem sempre são ouvidas. Escutar, nesse sentido, é também um verbo de ação e que deve andar junto com o verbo desse exercício gramatical, o esperançar.

Concluindo o exercício, o verbo esperançar se revela como um chamado à prática compartilhada, feita no presente e sustentada pela coletividade. Ele nos lembra que esperançar não é espera, é movimento. É o gesto de construir junto, de aprender, de se responsabilizar. Quando dizemos “nós esperançamos”, afirmamos que o futuro não se inventa sozinho e nem de fora para dentro. Ele já se inicia no presente e se tece entre pessoas, territórios e vínculos que se reconhecem como parte de um mesmo caminho. Nesse percurso, a filantropia e o investimento social privado têm um papel essencial: o de reconhecer e fortalecer as potências que já existem nos territórios, atuando não como protagonistas, mas como parceiros do esperançar coletivo, somando forças para que o esperançar siga sendo um verbo no presente do indicativo no plural.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Aplicando a tecnologia de forma humana: como a inteligência artificial pode potencializar a mudança social e nos relembrar sua importância

Por Beatriz Barcellos, estagiária de projetos no IDIS

“Prometeu roubou o fogo do Olimpo e entregou aos homens. O fogo representa o progresso, a tecnologia (…) essa traz as suas próprias contradições: ao mesmo tempo é uma dádiva, mas também uma responsabilidade, um perigo. Nos faz refletir se estamos a utilizar da melhor maneira. Como podemos manejar essa contradição da tecnologia, para que possamos pensar na utopia e não na distopia?”. Foi com esse questionamento que Pedro Rossi, vice-presidente na The Global Fund for a New Economy, inaugurou a mediação do painel “Inovações e tecnologia: da distopia à utopia”, ocorrido na 14ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais.

A dicotomia entre esses dois conceitos – ou talvez entre um conceito (utopia) e sua contradição (distopia) – serve como base fértil para discutir como a tecnologia, mais especificamente a inteligência artificial, nos faz ‘esperançar’, tema transversal desta edição do evento. Esse verbo nos encoraja não somente a manter nossas esperanças em tempos desafiadores, mas também a agir de forma estratégica, pedra angular para uma filantropia efetiva. Os palestrantes João Abreu, diretor executivo da ImpulsoGov, Camila Valverde, diretora executiva da Fundação ArcelorMittal, e Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, nos ajudaram a dar concretude ao potencial dessas novas tecnologias para as áreas de saúde, educação e para a filantropia corporativa em si.

 

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POTENCIALIDADES DE NOVAS TECNOLOGIAS

João Abreu abre a conversa demonstrando como essas inovações podem potencializar a base de dados do SUS (Sistema Único de Saúde), que, contemplando mais de 170 milhões de indivíduos em sua atenção primária, se consagra como a maior base de dados de saúde do mundo. A ImpulsoGov, aliada à iniciativa Juntos Pela Saúde, idealizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e gerida pela equipe do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), executa a ImpulsoPrevine, plataforma digital que otimiza a base de dados do SUS.

Por meio do desenvolvimento de um software, as equipes conseguem identificar, por exemplo, quais crianças de determinado bairro ainda não receberam as vacinas indicadas para sua faixa etária, quais gestantes estão com o pré-natal em atraso ou quais mulheres na idade recomendada ainda não realizaram o exame Papanicolau. Com isso, a ferramenta fortalece o monitoramento ativo da população e contribui diretamente para a melhoria do desempenho municipal em indicadores de saúde. A partir disso, está em desenvolvimento uma funcionalidade que permitirá disparar mensagens de WhatsApp para esses indivíduos ou seus responsáveis, de forma a incentivar que usem seu direito universal, informando de maneira clara e acessível os passos para o agendamento do serviço recomendado.

Abreu especula que, com a implementação da inteligência artificial, além de permitir maior escalabilidade ao projeto (que atualmente se concentra em municípios do Norte e Nordeste do país), seria possível alcançar uma customização ainda maior do atendimento para a população brasileira. Seguindo o exemplo da realização do exame Papanicolau, comenta:

“Já temos hoje os dados e a tecnologia para que não digamos apenas ‘todas as mulheres de 25 a 69 anos devem fazer o Papanicolau’. Poderíamos olhar para o prontuário de cada paciente com IA e dizer: ‘Não é bem assim, essa pessoa deve fazer a cada ano, já que tem condições que a literatura médica atual já sabe que aumentam o seu risco de câncer de colo de útero; essa outra paciente pode ter uma frequência menor, já que possui menos risco’ (…) Conseguimos, com isso, hiperpersonalizar o cuidado de uma maneira que a saúde seja, de fato, acessível e que o SUS possa atuar de forma preventiva. Isso já não pertence à futurologia, é totalmente factível.”

Camila Valverde trouxe a perspectiva de como a Fundação ArcelorMittal, vinculada à maior produtora de aço do Brasil e do mundo, aposta no ensino da tecnologia para jovens, de modo a construir uma educação de qualidade através da abordagem autoral Liga STEAM. Essa perspectiva educacional engloba, de forma interdisciplinar e coletiva, as seguintes áreas do conhecimento: Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática. Trata-se de uma “(…) abordagem integrada de solução de problemas usando as habilidades [dessas áreas de conhecimento] e que é levada pelo professor desde o ensino infantil até o colegial. Todos sabemos como a infância é importante; tem essa frase que gosto muito que diz que a infância é um chão que pisamos a vida inteira”, comenta Valverde.

Para a implementação dessa abordagem, a Fundação oferece uma série de projetos: desde a formação de professores e a implantação do Prêmio Nacional Liga STEAM, que reconhece projetos de solução de problemas locais pensados em sala de aula, até a preparação de jovens para o mercado de trabalho, projeto que começou a ser implementado no início de outubro. Este último engloba 300 jovens de cinco cidades brasileiras, com o intuito de formação específica para áreas do mercado de tecnologia e inteligência artificial. Além do letramento digital e cursos de programação e IA, o curso oferece guia emocional para entrada no mundo corporativo. Como aponta Valverde, o conhecimento dessas tecnologias não é mais um conhecimento essencial para o futuro: é uma habilidade essencial para o presente.

O QUE NOS RESTA

Embora estes sejam exemplos tangíveis do potencial positivo da inteligência artificial, Eduardo Saron trouxe um contraponto de atenção de que a IA já não pode ser colocada como uma mera ferramenta. Essa tecnologia não apenas nos auxilia na tomada de decisões, mas é capaz de tomar decisões por nós; ela “(…) muda as relações humanas, as dimensões culturais e a nossa memória social”.

Ao longo de suas falas, Saron constrói a opinião de que o maior trunfo dessa tecnologia é o potencial de ressignificar o que é ser humano e suas relações, estabelecendo-se como um pressuposto para revalorizar uma ética relacional, cooperativa, interdependente, pautada na corporeidade e que incentiva a fraternidade.

Ralf Dahrendorf, estimado sociólogo, argumenta que a utopia é composta por cinco aspectos essenciais: a inexistência de mudança; a inexistência de conflito; a natureza anômala do imprevisível; a previsibilidade da ação; e o isolamento espacial. Vista desse modo, é possível argumentar que as distopias constituem não uma antítese, mas sim outra interpretação do que seria uma sociedade utópica. A dicotomia criada entre esses dois termos, embora ilustrativa, revela-se mais frágil do que parece à primeira vista. Assim, a inteligência artificial, apesar de potente para a mudança social, talvez encontre valor imensurável ao demonstrar, em toda sua perfeição, constância e universalidade, que pouco há de humano na utopia. Como uma estrela norte, ela nos guia, mas há conforto em sua impossibilidade: erros serão inevitáveis e novos desafios se revelarão e, como colocado por Saron, a filantropia é primordial em potencializar esses aspectos que nos fazem (e nos farão cada vez mais) humanos.


Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.


Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2025: o ‘Esperançar’ para a evolução da filantropia

Aconteceu no dia 1° de outubro, em São Paulo, a 14° edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais. Promovido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, o evento busca acelerar soluções por meio de conexões e fomentar a filantropia no país.

 

Com o tema ESPERANÇAR, as sessões abordaram assuntos como mudanças climáticas, filantropia corporativa, filantropia familiar, avaliação de impacto, filantropia comunitária, tecnologia e muito mais. Ao longo do dia, estiveram presentes cerca de 30 convidados e houve mais 1500 visualizações da transmissão ao vivo.

Foram 13 sessões em 10 horas de programação, com a presença de 61 palestrantes. Falaram nomes como Aron Zylberman (Instituto Cyrela), Camila Valverde (Fundação ArcelorMittal), Daniel Munduruku (Instituto UKA – Casa dos Saberes Ancestrais), Fátima Lima (MAPFRE no Brasil)Tião Rocha (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – CPCD), Domênica Falcão (Fundação Grupo Volkswagen) e Viviana Santiago (Oxfam Brasil). Além de convidados internacionais como Alejandro Alvarez von Gustedt (Rockefeller Philanthropy Advisors), David Kyuman Kim (Being Human) e Patricia McIlreavy (Center for Disaster Philanthropy).

Após uma abertura emocionante com as crianças da Casa José Coltro, a fala inicial ficou por conta de Daniel Munduruku, escritor e diretor-presidente do Instituto UKA – Casa dos Saberes Ancestrais. Ele deu o tom do evento na sessão ‘O esperançar é ancestral’, com uma fala inspiradora e reflexiva sobre como os saberes ancestrais – profundamente conectados à natureza e ao coletivo – apontam caminhos para atravessar as mudanças com respeito, colaboração e escuta.

A primeira plenária, ‘Esperançar em tempos de mudanças climáticas’, destacou como iniciativas filantrópicas têm atuado em múltiplas frentes no enfrentamento à crise climática. Com olhares nacionais e internacionais, as experiências apresentadas colocaram as comunidades no centro das decisões e reforçaram o papel das doações na construção de futuros sustentáveis.

Em seguida, a plenária ‘Empresas semeando transformações’ convidou a audiência a refletir sobre como a filantropia empresarial pode gerar respostas consistentes e estruturantes para os desafios socioambientais.

A mesa ‘Reverberando impactos: a geração de valor na cadeia filantrópica’ abordou como a filantropia gera valor não apenas para a sociedade, mas também para as empresas.

Outro destaque foi o debate sobre o exercício da filantropia familiar no Brasil. A partir do estudo ‘Caminhos para uma atuação mais ampla e estratégica da filantropia familiar no Brasil’, a sessão ‘Cultivando futuros: caminhos para a filantropia familiar no Brasil’ convidou à reflexão sobre como engajar novos filantropos, ampliar o volume doado e expandir os capitais mobilizados, fortalecendo o campo de forma mais estruturada, acolhedora e colaborativa.

Encerrando a programação da manhã, os participantes desfrutaram de um coquetel seguido de um almoço temático: cada mesa tinha um anfitrião que propunha um tema de conversa. Foram 18 opções de temas para aprofundar reflexões sobre as mais diversas questões.

Após o almoço, foi hora de refletir! O palco recebeu David Kyuman Kim, fundador e diretor da Being Human, para uma fala sobre o que significa ser humano.

A tradicional entrevista ‘Em conversa com…’ foi com Tania Haddad Nobre, presidente do conselho deliberativo do Insper. Com muita transparência, Tania compartilhou como sua trajetória na filantropia é marcada pela dedicação de tempo, recursos e trabalho — e, sobretudo, por um compromisso genuíno com o coletivo.

O Fórum seguiu com uma sessão especial sobre a Websérie Transformando Territórios, que trouxe representantes das organizações participantes do programa ao palco. A série apresenta 14 histórias reais de impacto local, protagonizadas por Fundações e Institutos Comunitários (FICs) que conectam lideranças, recursos e saberes para transformar realidades com consistência e propósito.

Em sintonia com esse tema, a mesa ‘Territórios e Comunidade: sonhar e transformar’ destacou experiências que valorizam a cultura, a economia local, a cooperação e a escuta como ferramentas de transformação.

No painel “Esperançar e não esperar: monitoramento para a construção de pontes”, os debatedores refletiram sobre ferramentas e níveis ideais de acompanhamento, e sobre como dados, confiança e equilíbrio de poder entram nessa equação.

A programação contou ainda com a participação dos vencedores de 2024 do Prêmio Empreendedor Social, da Folha de S.Paulo e da Fundação Schwab, que apresentaram suas iniciativas e propósitos de atuação. O painel teve mediação de Eliane Trindade, editora do prêmio.

A mesa ‘Inovações e tecnologia: da distopia à utopia’ apresentou experiências práticas que mostram como a tecnologia pode fortalecer a atuação de gestores públicos, impulsionar mudanças estruturais e promover uma cultura avaliativa voltada à transformação social.

Por fim, a plenária de encerramento ‘Interdependência e resiliência: o esperançar é coletivo’ reuniu lideranças de destaque em seus setores e países, que reforçaram a importância da colaboração entre diferentes atores e perspectivas para promover um futuro mais justo e próspero.

“Certamente enfrentamos enormes desafios, mas vimos ao longo do dia de hoje como isso não nos paralisa. Como disse Paulo Freire, que cunhou o termo ESPERANÇAR, ‘não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico’. O dia de hoje celebrou os sonhos e a teimosia de pessoas que agem na busca de um mundo mais justo e sustentável”, comentou Paula Fabiani, CEO do IDIS.

 

Confira a gravação do evento na íntegra:

realização e apoio

O Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais é uma iniciativa conjunta do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e do Global Philanthropy Forum (GPF). Apoio master da Fundação Bradesco, Fundação Itaú, Fundação Sicredi e Movimento Bem Maior; apoio ouro da Fundação ArcelorMittal e Fundación MAPFRE Brasil ; apoio prata da Mott Foundation ; e apoio bronze da Fundação Bracell, Fundação Grupo Volkswagen, Fundação José Luiz Setúbal e Instituto Sicoob; e apoio institucional do UNICEF Brasil.

A Alliance magazine e a Stanford Social Innovation Review Brasil são parceiras de mídia do evento. Sediada na Inglaterra, a maior revista de filantropia do mundo fEZ a cobertura do evento e transmitiu em inglês ao vivo em seu canal do Youtube.

FÓRUM BRASILEIRO DE FILANTROPOS E INVESTIDORES SOCIAIS

Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais oferece um espaço para a comunidade filantrópica se reunir, trocar experiências e aprender com seus pares, fortalecendo a filantropia estratégica para a promoção do desenvolvimento da sociedade brasileira. O evento já reuniu mais de 1.500 participantes, entre filantropos, líderes e especialistas nacionais e internacionais. Em nosso canal do YouTube estão disponíveis listas com as gravações de todas as edições. Confira!