A mídia a serviço da cultura de doação

*Por Vinicius de Oliveira Barrozo, analista sênior de valor social na Globo

É inegável que, historicamente, a mídia exerce impacto na relação da sociedade com as causas sociais. Quando o assunto é cultura de doação, os meios de comunicação, principalmente a TV aberta com seu massivo alcance de público, são capazes de gerar grandes mobilizações através do estímulo à solidariedade e à empatia, sentimentos que despertam a conscientização sobre a necessidade do outro. E ainda, o trabalho da mídia pode ser um potente combustível para que o desenvolvimento dessa cultura seja acelerado.

A Pesquisa Doação Brasil mostrou que a procura por informações se tornou uma das peças-chave na trajetória da doação: 83% dos entrevistados afirmam que gostam de estar bem-informados sobre as organizações antes de doar. Nesse sentido, a mídia, em geral, tem potencial de ser uma forte aliada da cultura de doação, já que dentre as redes que mais impactaram a decisão de doar no ano passado, campanhas, anúncios, programas na TV, rádio, revistas etc., figuram em terceiro lugar, após as redes pessoais do doador, com um aumento expressivo em relação à edição de 2022.

Considerando o valor de uma boa comunicação a serviço de brasileiros que precisam de ajuda, é fundamental a atenção na construção de narrativas positivas que superem estigmas sobre a doação. Isso porque, por outro lado, a pesquisa destacou que quase metade dos doadores brasileiros (49%) afirma que já deixou de fazer alguma doação ao ver notícias negativas na mídia sobre o assunto. É fundamental o cuidado para que o caminho da mensagem, mesmo que negativa, ainda seja capaz de contribuir para que o doador se sinta informado em tom de alerta, sem que isso enfraqueça o estímulo a futuras doações, mas reforçando o olhar atento para a boa reputação de uma organização como um dos seus principais motivadores. Na pesquisa de 2024, a confiança na instituição apoiada aparece como importante fator para doar (81%), o que confirma a relevância da cautela no comportamento do doador.

Entretanto, para não-doadores, a desconfiança cresce. Com aumento de mais de 15 pontos percentuais na comparação com a pesquisa anterior, a falta de transparência é o segundo motivo para não doar, após as condições financeiras. Vale ressaltar que, aqui, também é essencial refletir sobre como as organizações podem expressar mais  clareza de seus processos e informações através de seus canais de comunicação disponíveis. Para a mídia, isso resultaria em mais insumos na construção de narrativas inspiradoras, que podem até mesmo atrair não-doadores e ajudar a reverter o quadro de desconfiança para esse perfil.

Mas, construir confiança e clareza para mobilizar é desafiador. Segundo a Pesquisa, apenas 30% dos entrevistados acreditam que a maioria das ONGs é confiável e somente 33% acham que elas deixam claro o que fazem com o dinheiro. Credibilidade é uma palavra que precisa caminhar permanentemente com os esforços de comunicação. Em 2020, durante a pandemia do coronavírus, a Globo criou a plataforma ParaQuemDoar para unir quem quer doar a quem precisa receber. Era uma maneira de dar visibilidade ao trabalho das principais organizações sociais frente ao cenário. O apoio da área de Compliance da Globo e da Benfeitoria, foi também a forma encontrada para dar confiança ao público de que o dinheiro iria diretamente para organizações de referência e com boa reputação.

De lá pra cá, a Globo vem ampliando seu engajamento e o ano de 2024 foi particularmente de grande aprendizado. Se na pesquisa, dentre as causas que mais receberam doações, as situações emergenciais ocupam o segundo lugar, num crescimento de 17 pontos percentuais em relação ao ano de 2022, isso tende a se conectar, por exemplo, com a contribuição da ParaQuemDoar que, durante as enchentes no Rio Grande do Sul, convidou o brasileiro a doar através de uma plataforma segura e chancelada por uma marca de mídia já reconhecida como a Globo. Apenas em maio de 2024, 34 milhões de reais foram arrecadados para as vítimas no Sul.

É inquestionável que nas situações mais críticas o potencial do doador brasileiro se eleve. Mas, e quando a comoção nacional diminui e outros assuntos passam a ganhar visibilidade? De que a maneira também a confiança e clareza das informações pela mídia também pode contribuir para tornar a cultura de doação regular da mesma maneira quando exerce um forte impacto nas emergências? É hora de a mídia se perceber como aliada constante no desenvolvimento da cultura de doação, dando visibilidade ao trabalho de organizações sociais, gerando transformação e promovendo um país mais solidário.

Pesquisa Doação Brasil 2022 é destaque na imprensa de todo Brasil

Promovida pelo IDIS, a Pesquisa Doação Brasil é o mais amplo estudo sobre a prática da doação individual no País e, em sua 3° edição, traz um capítulo especial sobre a Geração Z.

Os dados revelaram que em 2022, 84% dos brasileiros acima de 18 anos e com rendimento familiar superior a um salário mínimo fizeram ao menos um tipo de doação, seja de dinheiro, bens ou tempo, na forma de voluntariado. Dois anos antes, a média era de 66%. A doação diretamente para ONGs e projetos socioambientais foi praticada por 36% dos respondentes, mantendo-se estável.

A iniciativa e seus resultados foram destaques em diversos veículos de imprensa, incluindo jornais impressos, portais, televisão e rádio. Confira:

Época Negócios lança glossário de Inovação Social com apoio do IDIS

Recentemente, a Época NEGÓCIOS lançou uma reportagem bastante aprofundada estudando o investimento social privado e ações de inovação social no país. A partir dessa grande reportagem, o veículo produziu um ebook gratuito onde mostra como o ecossistema de investimentos sociais privados mudou, com exemplos recentes de companhias no Brasil e um glossário dos termos mais usados.

O IDIS apoiou na produção do glossário de termos que circundam a temática, sendo eles: filantropia estratégica, filantropia de risco, blended finance, negócio de impacto, inclusão produtiva; empreendedorismo social e economia regenerativa.

Confira o ebook completo da Época NEGÓCIOS clicando aqui

Filantropia estratégica

É a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais, para o benefício público. Para promover a transformação social sistêmica e de longo prazo, esse investimento é feito com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.

Fonte: IDIS

Filantropia de risco


A filantropia de risco, também chamada ‘venture philanthropy’, tem como objetivo apoiar e catalisar soluções inovadoras para problemas socioambientais, propostas por negócios de impacto em estágio inicial ou organizações da sociedade civil. Neste modelo, o investidor assume riscos ao apostar em potenciais de mudanças sistêmicas e prioriza o impacto positivo ao retorno financeiro, com financiamento personalizado, complementado com apoio estratégico, monitoramento e avaliação do impacto.

Fonte:  Investimento Social e Impacto no Brasil – Latimpacto

Blended finance


Blended Finance, ou finanças híbridas, são estruturas que combinam capital filantrópico e o capital financeiro para realização de iniciativas com impacto socioambiental. Elas podem combinar instrumentos diversos para apoio aos projetos, como por exemplo dívida, equity, garantias, seguros, programas ou fundos garantidores, grants, pagamento por resultados e assistência técnica.

Fonte: World Economic Forum e BNDES

Negócio de impacto


Negócios de impacto são empreendimentos que oferecem, por meio de seus produtos e serviços, soluções para desafios socioambientais e geram mudanças positivas ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos de forma sustentável.

Fonte: Artemisia e Anprotec/ICE


Inclusão produtiva


Inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social no mundo do trabalho, em áreas rurais ou urbanas, por meio do empreendedorismo ou da empregabilidade formal, de modo que sejam capazes de gerar sua própria renda de maneira digna e estável, e assim superar processos crônicos de exclusão social.

Fonte: IDIS e Sebrae

 

Empreendedorismo social


Empreendedorismo social é o conceito por trás da construção de negócios de impacto. Ou seja, o ato de empreender para promover soluções sistêmicas que responder a desafios sociais e ambientais.

Fonte: Fundação Schwab

 

Economia regenerativa


A economia regenerativa propõe o reconhecimento – de maneira calculada – do valor econômico do meio-ambiente, das pessoas e das relações entre estes elementos, para os sistemas produtivos. Com isso, é possível prever usos mais adequados, privilegiando a regeneração e evitando o consumo até a escassez.

Fontes: NetZero

Terceiro setor precisa unificar voz na relação com a imprensa

As organizações não governamentais podem, vez ou outra, aparecer com destaque positivo no noticiário – mas não como conjunto. Embora já encarado como um segmento específico da sociedade, a ponto de frequentemente vir agrupado sob a designação de “terceiro setor”, esse universo quase sempre é retratado de maneira fragmentado pela mídia. Quando o enfoque é setorial, a tendência é que seja negativo. Foi o que ocorreu, por exemplo, no escândalo de 2011 envolvendo convênios com o governo: o problema era restrito a poucas organizações da sociedade civil (OSC), mas todo o campo acabou sob suspeita frente à opinião pública.

Para especialistas, esse é um sinal de que passou da hora de as organizações da sociedade civil terem atuação mais coordenada para falar com a imprensa. “O modo fragmentado do noticiário sobre as OSCs tem relação direta com o modo de operação desse setor, e isso precisa ser repensado”, avalia a jornalista Suzana Varjão, gerente de qualificação de mídia da Andi Comunicação e Direitos, instituição que promove um diálogo mais qualificado entre organizações da sociedade civil e imprensa.

Um estudo da própria Andi respalda a fala de Suzana. Em 2014, a entidade publicou a pesquisa A imprensa brasileira e as organizações da sociedade civil, análise da relação entre os dois atores. Uma das conclusões é que a mídia nacional tem uma visão muito compartimentada do setor social privado, pulverizado em uma miríade de instituições.

“Há uma característica determinante nesse tipo de noticiário, que tem implicações boas e ruins: seu modo individualizado de produção, centrado em organizações ou ações/projetos específicos (82,8% dos textos analisados), em detrimento de registros sobre o funcionamento geral do setor, seus desafios e potencialidades – 9,2%”, diz o relatório.

Cursos
Por ser um campo com conceitos próprios, por vezes falta aos jornalistas entendimento sobre como funciona o setor social privado. Por isso, cursos de formação também ajudam a aprimorar a cobertura jornalística. “Criar cursos seria uma coisa interessante, e nós temos a intenção de explorar mais isso, e promover encontros e discussões sobre o setor dentro das redações”, afirma Vera.

Em 2013, o IDIS ofereceu uma formação gratuita para profissionais de mídia. A capacitação, que durou uma semana, abordou alguns aspectos do investimento social privado, como os fundos patrimoniais e o marketing relacionado à causa. Além disso, lideranças do setor também participaram de conversas com os jornalistas.

“Claro que existem profissionais preparados para cobrir o assunto – e tão gabaritados que vêm participando, com as OSCs, desse processo de retomada do capital ético desse setor fundamental da democracia brasileira. Mas é preciso compreender que as notícias são construídas por atores das duas esferas, e que ambas são extensas e complexas. Nessa perspectiva, são sempre necessárias iniciativas de qualificação de seus atores”, comenta Suzana.