Nota técnica | Adaptação às mudanças climáticas: como promover a justiça climática através da gestão de riscos para investidores e organizações sociais

O enfrentamento às mudanças climáticas é um desafio que já pressiona territórios, serviços e orçamentos. Para as Organizações da Sociedade Civil e investidores sociais, mesmo aqueles que não atuam diretamente com a causa ambiental e clima, isso se traduz em interrupções, custos extras e maior demanda por serviços pelas populações atendidas.

A falta de visibilidade dos riscos relacionados ao clima podem pressionar a efetividade da atuação, o impacto socioambiental, a governança e o balanço financeiro dessas organizações.

Nesta Nota Técnica, elaborada por Marcelo Modesto, gerente de projetos no IDIS e especialista da área de Agenda ESG e o ISP; e Yasmim Araujo Lopes, analista de projetos no IDIS, propomos diretrizes de atuação com justiça climática e um framework de avaliação de riscos relacionados ao clima para Organizações da Sociedade Civil e Investidores Sociais.

 

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Gestão Financeira no Terceiro Setor: um guia para garantir sustentabilidade e transparência nas organizações sociais

Por Marcelo Destito e Felipe Medina, gerentes administrativo-financeiros do IDIS; Julia Magnani, analista administrativo-financeira do IDIS; e Juliana Carreira, ex-gerente administrativo-financeira do IDIS

Cuidar da gestão financeira numa Organização da Sociedade Civil (OSCs) não é apenas ‘pagar contas’, é também garantir que cada recurso cumpra a missão com eficiência, ética e transparência. Na prática, isso significa planejar receitas e despesas, acompanhar o caixa, registrar operações com rigor, analisar resultados e prestar contas de um jeito claro. Quando a casa está organizada, os projetos seguem adiante, a confiança cresce e a instituição ganha fôlego para enfrentar imprevistos.

Diferente das empresas, a rotina financeira de uma OSC tem suas particularidades. As fontes de receita costumam ser diversas e menos previsíveis, doações, patrocínios, editais, leis de incentivo, às vezes venda de produtos ou serviços sociais, e os financiadores tendem a pedir transparência permanente. Ao mesmo tempo, muitas organizações convivem com limites de equipe e processos.

Em um contexto de recursos incertos, uma boa gestão amplia a autonomia institucional e reduz riscos. É ela também que permite demonstrar, de forma verificável, como cada real se transforma em impacto social. Neste texto, você vai encontrar os procedimentos básicos que devem constar na gestão financeira das OSCs e alguns direcionamentos sobre como colocá-los em prática. Vamos lá?

 

Como organizar o básico (e fazer as áreas conversarem)

Três frentes precisam caminhar juntas: orçamento, caixa e contabilidade. O orçamento nasce realista, ajusta-se conforme a execução e pode ser construído de forma participativa para aproximar áreas e metas institucionais.

O caixa cuida da liquidez: entradas, saídas, reservas e conciliações para evitar sustos. Já a contabilidade registra fielmente as operações e prepara demonstrações como Balanço Patrimonial, DRE (Demonstrativo do Resultado do Exercício) e DFC (Demonstração do Fluxo de Caixa), que dão transparência e leitura de saúde financeira.

Ferramentas simples ajudam muito, como, por exemplo, planilhas de prestação de contas por projeto, controles de fluxo de caixa e, quando possível, softwares de gestão integrada (ERPs) adaptados ao terceiro setor, CRMs para relacionamento e plataformas de doação. Integrar esses sistemas reduz retrabalho, melhora a precisão dos dados e acelera relatórios. Para completar o ecossistema, a controladoria acompanha orçamento e desvios, e a auditoria revisa políticas e registros de forma independente. Os nomes variam conforme a estrutura, mas as funções precisam estar claras e coordenadas.

 

Governança, transparência e prestação de contas

Uma boa gestão financeira das OSCs começa com uma governança viva: conselho deliberativo atuante, políticas internas claras (compras, viagens, adiantamentos, doações), alçadas de aprovação bem definidas e segregação de funções. Transparência é o passo seguinte e visível: registro e arquivo de documentos, conciliação bancária regular, divulgação de informações relevantes para diferentes públicos e, quando a maturidade permitir, auditorias independentes.

No campo fiscal e trabalhista, ainda que existam isenções possíveis, as obrigações devem estar em dia (INSS, IRRF, FGTS e demais tributos aplicáveis). Ter contabilidade interna ou assessoria externa, manter certidões negativas atualizadas, controlar o patrimônio e organizar comprovantes prepara a organização para auditorias e prestações de contas e evita problemas com contratantes e órgãos de controle.

Nessa mesma lógica de cuidado, contratos bem estruturados com fornecedores e parceiros previnem ruídos e dão segurança jurídica. É importante que os documentos tragam dados das partes, dados bancários e condições de pagamento, a descrição dos serviços (no corpo do contrato ou em anexo), cronograma e responsabilidades. Entre os instrumentos mais usados estão o Contrato de Prestação de Serviços, o Termo de Doação para repasses voluntários de empresas, institutos, fundações ou pessoas físicas e os Termos de Parceria. Todos têm validade jurídica e podem ser firmados em papel ou por assinatura digital, o que traz agilidade sem abrir mão de integridade e rastreabilidade.

Prestar contas, por fim, é mostrar de forma documentada que os recursos foram usados como planejado. O percurso é conhecido: começa no planejamento e no orçamento (com metas, escopo e rubricas), segue com a execução e o registro das despesas por rubrica e período, sempre com comprovação, culmina em um relatório financeiro objetivo com demonstrativo, conciliação bancária e notas explicativas e termina na análise e aprovação. Cada financiador pode ter regras próprias, mas a lógica permanece a mesma: coerência entre o proposto, o realizado e o gasto, tudo devidamente comprovado. Quando isso acontece, a confiança aumenta, a parceria se fortalece e novos apoios tendem a surgir.

 

Desafios e o que fazer com eles

É comum lidar com receitas sazonais e incertas, exigências distintas de financiadores, equipe enxuta, sistemas fragmentados e recursos vinculados a projetos, o que limita pagar contas institucionais. A sustentabilidade financeira é uma construção contínua, que pede diversificação de fontes e profissionalização da equipe financeira.

O lado bom é que há um conjunto claro de oportunidades. Capacitar e estruturar a área financeira, adotar tecnologia e automação (ERPs, CRMs, plataformas de doação), formar parcerias estratégicas (com empresas, universidades, consultorias), buscar certificações e selos de transparência e planejar no longo prazo, com orçamentos plurianuais, fundos de reserva e análise de cenários são alguns caminhos. Esse pacote aumenta a previsibilidade, reduz riscos e dá lastro institucional.

 

Próximos passos práticos

Para começar ‘sem travar’, foque no essencial:

1 – Mapeie funções e lacunas (pessoas, processos, sistemas) e defina responsabilidades claras;

2 – Orce por projeto e institucional e estabeleça uma reserva mínima de caixa;

3 – Padronize classificação de despesas, conciliações e arquivo de comprovantes, centralizando o que for possível;

4 – Aprove políticas e alçadas e compartilhe com a equipe e comitês;

5 – Automatize o que mais dói (ex.: conciliação e relatórios) e só depois avance para soluções mais complexas.

Gestão financeira é meio, não fim. É a cultura que sustenta decisões responsáveis, dá previsibilidade ao trabalho e traduz, em números, o compromisso público das OSCs. Quando orçamento, caixa, registros e prestação de contas funcionam de forma integrada e transparente, a confiança aumenta e os projetos ganham fôlego para atravessar ciclos bons e desafiadores.

Para além de cumprir regras, trata-se de preservar propósito e entregar resultados consistentes, ano após ano, para as pessoas e causas que motivam a existência da organização.

A filantropia como farol em tempos de policrise

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 5 de novembro de 2025. Acesse clicando aqui

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS

Desigualdades sociais que parecem se perpetuar, a emergência climática presente em nosso cotidiano, retrocessos democráticos e tensões econômicas e políticas que fragilizam o tecido social dão contorno a um cenário de policrise. O termo foi cunhado nos anos 70 pelo sociólogo Edgar Morin para definir períodos de “crises interligadas e sobrepostas”.

É fácil sentir-se paralisado em períodos como esses, mas não podemos nem devemos esperar. Mais do que nunca, é preciso agir com esperança na mudança. A ação coletiva e em diferentes frentes é imprescindível. E, entre tantos movimentos possíveis, há a filantropia.

Filantropia significa ‘amor ao próximo’ e é por essência, coletiva. Manifesta-se quando redes comunitárias se unem para resistir e se reinventar, quando empresas que competem no mercado se alinham em compromissos comuns em prol da geração de impacto, quando organizações da sociedade civil em diferentes setores constroem parcerias, ampliando o alcance das soluções.

Além de reafirmar o sentido coletivo da filantropia, todos esses movimentos são provas de que a esperança pode, sim, ser traduzida em ação.

Os desafios do nosso tempo pedem diferentes agentes atuando em múltiplas respostas. A emergência climática, por exemplo, não é apenas um problema ambiental, ameaça modos de vida, agrava desigualdades e pressiona economias inteiras.

Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, que teve como tema ESPERANÇAR

A desigualdade social, por sua vez, não se limita à falta de renda, mas compromete o acesso a direitos básicos, perpetua ciclos de exclusão e limita oportunidades para gerações inteiras. Já os retrocessos democráticos corroem a confiança nas instituições e enfraquecem a participação cidadã, para além de impactar a política institucional.

Da mesma forma, empresas não são apenas agentes econômicos, e quando escolhem atuar com intencionalidade, mobilizam sua capilaridade para semear mudanças, engajando suas cadeias e criando valor para a sociedade.

A filantropia familiar, com flexibilidade e visão de longo prazo, pode apoiar causas invisibilizadas. Até mesmo a tecnologia, tantas vezes associada a riscos e disparidades, pode ser ponte para a equidade quando colocada a serviço das pessoas.

Esses fios não estão soltos. Eles compõem um mesmo pano e costurá-los junto a elementos igualmente vitais, como ancestralidade, inovação, reflexão crítica e, sobretudo, ação prática, é o que nos permite esperançar em meio à policrise.

Esse é o chamado da 14ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, provido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e que acontece em outubro, em São Paulo – um convite para transformar a esperança em verbo de ação, Esperançar. O programa do Fórum conduz os participantes, reunindo palestrantes nacionais e internacionais, por uma jornada que reflete a diversidade de olhares e práticas de investimento social privado, sempre com foco na ação.

Fica o convite para construirmos pontes onde existem abismos, enxergarmos dignidade onde há invisibilidade e apostarmos em soluções onde só vemos problemas. Esperançar, afinal, é assumir que o futuro não está dado: ele se constrói, com coragem, generosidade e compromisso compartilhado.

Com a licença para parafrasear Paulo Freire, de quem emprestamos essa ação tão necessária atualmente, “é preciso ter esperança, mas esperança do verbo esperançar. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir!”.

Avanços no ambiente regulatório para fundos patrimoniais

Publicado originalmente no Migalhas em 5 de novembro de 2025. Acesse clicando aqui

Por Flavia Regina de Souza, Sócia da área de Filantropia e Impacto Social da Mattos Filho Advogados

Os fundos patrimoniais, conhecidos internacionalmente como endowments, são instrumentos consolidados há séculos, sobretudo em países de common law, como Estados Unidos e Inglaterra, que possuem um arcabouço legal robusto e incentivos fiscais para atrair capazes de atrair capital de longo prazo para causas de interesse público.

No Brasil, os endowments ainda são relativamente recentes. Em 2025, celebramos seis anos da sanção da lei 13.800/19, marco regulatório que impulsionou a criação e estruturação de fundos patrimoniais no país. Desde então, observamos avanços significativos na consolidação desse instrumento como uma alternativa segura e perene para o financiamento de causas de interesse público.

O Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2024, publicação desenvolvida pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, lançada no último dia 30, aponta um cenário promissor. A edição contou com 92 fundos participantes, que representam 75% do universo mapeado (121 fundos ativos em 2024), e analisou um patrimônio agregado de R$139 bilhões – quase doze vezes o montante reportado na primeira edição em 2021. Esses números evidenciam o aumento na adoção do modelo, o ganho de escala e a confiança de doadores e gestores na governança, na transparência e na capacidade de geração de resultados de longo prazo.

Apesar disso, entre os 92 respondentes, apenas 20 relatam estar enquadrados na lei 13.800/19, indicativo de que ainda há oportunidades para o aperfeiçoamento do ambiente regulatório e tributário, para ampliar a previsibilidade para doadores, organizações gestoras de fundos patrimoniais (OGFPs) e instituições apoiadas.

Nesse sentido, vale destacar importantes avanços nesse ano de 2025, que certamente impactarão no fortalecimento e no desenvolvimento de fundos patrimoniais no Brasil.

Entre os movimentos mais relevantes, destaca-se o PL 2.440/23, aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2024. Atualmente em análise na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, se aprovado, o Projeto seguirá para sanção presidencial. O texto propõe medidas capazes de transformar o ambiente jurídico e financeiro dos fundos patrimoniais ao reconhecer, de forma expressa, um regime tributário mais benéfico para as OGFPs, assegurando isenção de tributos Federais – como IRPJ, IRRF, CSLL e Cofins – sobre rendimentos de aplicações financeiras, ganhos de capital e demais receitas.

O Projeto também confere segurança jurídica adicional ao explicitar a possibilidade de as OGFPs adquirirem participações societárias e aplicarem recursos no exterior sem prejuízo do regime tributário aplicável. Nesse mesmo sentido, o texto esclarece a dedutibilidade, por pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, das doações efetuadas às OGFPs, permitindo a dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, respeitados os limites de 1,5% ou 2%, a depender da natureza da instituição apoiada.

Outro avanço importante decorre da derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto presidencial que impedia o reconhecimento de que os fundos patrimoniais não são contribuintes do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços. Ao afastar a sujeição desses instrumentos aos tributos previstos na reforma tributária, o legislador reforça a natureza e a finalidade pública dos fundos patrimoniais, preservando sua eficiência operacional e a integridade do principal.

No campo setorial, merece destaque a IN MinC 26/25, que regulamentou o incentivo fiscal a doações destinadas à constituição e à ampliação de fundos patrimoniais culturais no âmbito do Pronac (lei Rouanet). Pela primeira vez, a política de fomento cultural reconhece a relevância de projetos voltados à sustentabilidade financeira de longo prazo de instituições culturais, geridos por OGFPs. A norma estabelece que pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real podem deduzir até 40% das doações realizadas a fundos patrimoniais culturais como despesa operacional, limitado a 4% do IRPJ devido. Para pessoas físicas, a dedutibilidade alcança 80%. Esse desenho estimula o fortalecimento patrimonial das organizações culturais, induzindo maior estabilidade de receitas e planejamento de longo prazo.

Essa é, sem dúvida, mais uma grande vitória para o setor e demonstra claramente que o arcabouço jurídico relativo às OGFPs está evoluindo no Brasil, para impulsionar os fundos patrimoniais criados sob a égide da lei 13.800/19.

É igualmente importante registrar que os fundos patrimoniais próprios – isto é, aqueles que não se estruturam nos termos da lei 13.800/19 e integram a estrutura da própria organização – permanecem como alternativas válidas para a sustentabilidade financeira de longo prazo, sobretudo quando acompanhados de boas práticas de governança, segregação patrimonial e políticas de investimento e de gasto claramente definidas.

Independentemente do arranjo institucional adotado, os fundos patrimoniais são instrumentos essenciais para consolidar a cultura de doação no país. Ao assegurar a destinação perene e sustentável de recursos a causas e entidades de interesse público, contribuem para a continuidade de projetos e programas, a resiliência institucional e a atração de capital filantrópico.

Os avanços regulatórios de 2025 – do PL 2.440/23 à consolidação da não incidência de IBS e CBS, passando pelo incentivo inédito da lei Rouanet aos fundos patrimoniais culturais – evidenciam o amadurecimento do arcabouço jurídico aplicável às OGFPs e aos endowments brasileiros. O Anuário registra esse momento e se consolida como instrumento de mobilização, capaz de engajar gestores, doadores, formuladores de políticas públicas e a sociedade civil na construção de um ambiente jurídico e cultural mais propício ao desenvolvimento perene e sustentável de causas de interesse público. Ao iluminar conquistas e desafios, reforça a importância de consolidarmos normas estáveis, incentivos alinhados e governança de alto padrão para que os fundos patrimoniais cumpram seu papel transformador no Brasil.

Dilema de horizontes: curto versus longo prazo na gestão de fundos patrimoniais

por Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Desde as primeiras discussões sobre a criação deste Anuário, ainda em 2021, já havia a expectativa de que o tempo seria seu melhor companheiro. Não só pelo aumento natural das séries de dados observados, mas também por se tornar um testemunho da evolução do ecossistema de fundos patrimoniais brasileiros. Quatro anos depois, os resultados apresentados nesta publicação falam por si só: houve um sensível incremento de 40 para 92 fundos reportados, cobrindo um patrimônio total de R$ 139 bilhões (ante R$ 12 bilhões em 2021) e, o mais importante, foram mapeados R$ 2,8 bilhões em recursos gerados pelos fundos patrimoniais, contra R$ 338 milhões no anuário de 2021.

No entanto, no que tange à alocação de ativos, nota-se pouca evolução desde o início da série histórica em 2019. Ainda que na divisão por faixas de patrimônio se observe alguma variabilidade (o que pode ser efeito do recorte de amostras menores, que admitem a entrada de novos pontos no tempo), no agregado, os portfólios têm se mantido em torno de 80% alocados em renda fixa brasileira (entre 20% e 30% alocados em ativos pós-fixados). Portanto, trata-se ainda de carteiras muito pouco diversificadas.

Para ser justo com os dados, é possível argumentar que houve alguma variabilidade de alocação ao longo da série – notadamente em 2020 e 2021, com um incremento na alocação em renda variável doméstica. Entretanto, tratou-se de um movimento com vida curta e de característica cíclica, dado o ambiente de juros muito baixos e a boa performance da bolsa. Logo, um comportamento antagônico ao que se esperaria para um endowment que, dado seu horizonte alongado, tem maior tolerância estrutural a riscos e capacidade de ser contracíclico.

É compreensível que fundos patrimoniais menores ou nascentes tenham uma alocação menos sofisticada e concentrada em ativos de renda fixa, basicamente por questões operacionais ou de custos. Todavia, a alocação preponderante em renda fixa é observada em todas as faixas de patrimônio – mesmo na faixa mais alta (acima de R$ 500 milhões), sabidamente influenciada por organizações que detêm mais ações, devido a questões históricas de dotação inicial.

O nível elevado de juros nominais e reais pagos por títulos públicos brasileiros também é frequentemente evocado como justificativa para a alocação massiva em renda fixa local. De fato, em um ambiente de juros reais positivos, iguais ou acima da meta de retorno de muitos fundos patrimoniais, é de se esperar uma alocação estrutural em renda fixa mais elevada do que a observada em endowments internacionais. Contudo, não se pode perder de vista que não há “almoço grátis” no mercado financeiro, e que juros altos andam de mãos dadas com riscos elevados. Aliás, se há um almoço grátis nos mercados, como preconizava Harry Markowitz, ele é a diversificação de ativos, e não a concentração quase absoluta em um único fator de risco.

Ao mesmo tempo, ter alocações elevadas em renda fixa é uma posição confortável para os gestores de fundos patrimoniais. Afinal, ela maximiza as chances de se atingir metas de retorno real em um horizonte mais curto, com menos risco de mercado. Mas não deixa de se expor a vários outros riscos, como o risco de reinvestimento dos papéis que vencem no tempo e, por que não, o risco de repactuação de dívidas ou default. Mesmo os ativos pós-fixados carregam a incerteza de gerar ganhos reais (como foi o caso recente no período de 2020 a 2022, quando o CDI auferiu retornos reais negativos). Todos esses riscos se tornam mais evidentes em janelas mais dilatadas de tempo – justamente as que são relevantes para o horizonte perpétuo de investimento de um endowment.

Esse conflito não é novo, tendo já sido abordado por Charles Ellis em um artigo intitulado “O Paradoxo”[1], na década de 80. Nele, Ellis aponta para um paradoxo existente em investidores com horizonte de longo prazo, mas que tendem a otimizar objetivos de curto prazo. Ele chega à conclusão de que, no caso de investidores institucionais, tem-se uma situação particular de conflito de agência, na qual não há um principal, somente agentes. Isso porque pools de capital filantrópico geralmente não possuem um “dono” explícito, apenas agentes que compõem seus órgãos de governança e que administram os recursos em nome da organização.

Além disso, os membros desses órgãos de governança são geralmente voluntários que, naturalmente, buscam minimizar o seu risco reputacional individual. Soma-se ainda o fato de que, muitas vezes, seus mandatos são curtos (de dois ou três anos) quando comparados ao horizonte de investimento alongado de um fundo patrimonial.

Assim, segundo Ellis, a ausência de um “dono”, a minimização de riscos reputacionais, e a falta de alinhamento entre os horizontes de mandatos e decisões de investimento explicam o curto-prazismo na gestão de recursos institucionais. Nessas condições, os agentes não otimizam os objetivos de longo prazo; eles tendem a assumir uma postura mais defensiva, buscando retornos satisfatórios enquanto evitam assumir posições menos convencionais.

Dado esse diagnóstico, algumas medidas podem ser tomadas pelas organizações filantrópicas para mitigar esses efeitos. A primeira delas é ter uma política de investimentos robusta, por se tratar do documento que norteará o comitê de investimentos na sua tomada de decisões. Logo, ela deve ser explicitamente orientada para o longo prazo em seus objetivos, possibilidades de investimento e mensuração de sucesso. Também deve contemplar claramente os riscos que o fundo patrimonial não pode suportar, assim como deve dar clareza aos riscos que o portfólio pode assumir, evidenciando o custo de oportunidade que existe quando um risco tolerável não é incorrido.

Outra medida relevante é a definição de uma regra de resgates adequada às necessidades da causa apoiada. Uma regra mal calibrada pode propagar a volatilidade de curto prazo dos investimentos (altamente tolerável por portfólios de longo prazo) para o orçamento anual da organização, gerando uma pressão interna por alocações mais conservadoras. Apesar de ser um problema relativamente novo para a realidade brasileira, endowments norte-americanos já endereçaram esse dilema há quase 50 anos, com a adoção de regras de resgate suavizadas (como a conhecida “regra de Yale”).

Uma última iniciativa considerável consiste em promover maior alinhamento entre o horizonte de investimento do fundo patrimonial e os mandatos de seus decisores. Frequentemente, diretores de investimento de endowments de renome atribuem parte de seu êxito à existência de comitês de investimento longevos, estáveis e coesos. Para tanto, uma medida prática possível é a de alongar o mandato dos membros do comitê ou permitir reconduções indefinidas para a posição. Indo além, a qualidade da composição do comitê é crucial para o seu sucesso. Seus membros devem não só ter competências complementares, mas também capacidade de tomar riscos toleráveis e postura contracíclica.

Por fim, é importante reforçar que os membros da governança de um fundo patrimonial têm um dever fiduciário para com ele. E tal dever não se limita tão somente a não correr riscos intoleráveis pelo fundo. Ele também se estende à obrigação de fazer a melhor aplicação possível do seu capital, buscando o melhor retorno de longo prazo através do uso dos fatores de risco aceitáveis. Afinal, se por um lado o comitê de investimentos precisa evitar perdas permanentes de capital, por outro, também deve estar atento ao custo de oportunidade de não assumir riscos que seriam toleráveis.

[1] ELLIS, Charles D. The Paradox. In: ELLIS, Charles D.; VERTIN, James R. (Ed.). Classics – An Investor’s Anthology. Homewood, Ill: Business One Irwin, 1989. p. 681–688.

A profissionalização da gestão financeira de endowments: perspectivas para a perenidade institucional

Por Fernanda Camargo, sócia-fundadora, e Cristiane Parisi, sócia, ambas da Wright Capital

Fundos patrimoniais são estruturados para garantir a sustentabilidade financeira de instituições sem fins lucrativos. Com gestão e governança de longo prazo, visam preservar o patrimônio e aplicar seus rendimentos em projetos alinhados à missão institucional. Essa estrutura reduz a dependência de arrecadações pontuais e protege a organização em cenários adversos. Contudo, a consolidação desses fundos no Brasil depende, cada vez mais, da adoção de práticas de gestão financeira profissionais e orientadas ao longo prazo.

Em 2002, o livro Pioneering Portfolio Management, de David Swensen (SWENSEN, 2009), gestor do endowment de Yale, marcou o início de nossa atuação com gestão patrimonial, destacando a importância de portfólios diversificados e resilientes a ciclos econômicos. Naquela época, o mercado de capitais no Brasil ainda era restrito e não se falava de longo prazo – estávamos saindo de um cenário de juros e inflação muito altos.

Desde então, avanços significativos fortaleceram a filantropia estruturada no Brasil. O IDIS, atuando desde 2011 nesse tema, conseguiu a promulgação da Lei nº 13.800 em janeiro de 2019, que regulamenta os fundos patrimoniais. Entre outras conquistas, destacam-se a isenção do ITCMD para doações a fundos vinculados a instituições qualificadas como OSCIP ou fundações de direito privado, e o reconhecimento da imunidade do IBS e do CBS para entidades sem fins lucrativos nas áreas de educação e assistência social, mesmo sem o CEBAS — embora essa imunidade não se aplique a todas as causas.

Gestão profissionalizada, alocação de ativos e horizonte de longo prazo

Mesmo com todo o arcabouço normativo, a profissionalização – entendida como a combinação de governança robusta, estratégia de investimentos com abordagem atuarial, operação diligente e transparência – é o fator que converte boas intenções em resultados duradouros (SWENSEN, 2009; MAGINN et al., 2016). O objetivo é preservar o patrimônio do fundo no longo prazo, preservando seu valor corrigido pela inflação, e usar um percentual (spending rate) para custear projetos sociais.

É dessa perspectiva que a técnica atuarial de Asset Liability Management (ALM) ganha relevância. Ela consiste em alinhar os ativos financeiros com os compromissos futuros da instituição, garantindo que os recursos estejam disponíveis para cumprir sua missão ao longo do tempo. Essa abordagem permite preservar o valor do patrimônio corrigido pela inflação e definir uma taxa de resgate para financiar projetos sociais, com flexibilidade em anos específicos.

Embora muitos fundos ajustem diariamente o valor de mercado de seus ativos com base em fórmulas como a divisão dos fluxos de caixa fixos e permanentes pela taxa de desconto, essa prática isolada pode levar a decisões que não consideram os compromissos futuros da organização.

No Brasil, onde as taxas de juros são historicamente elevadas, é comum que os comitês de investimento priorizem alocações consideradas de “baixo risco”, baseadas em análises de curto prazo. Esse comportamento pode gerar um paradoxo: para garantir que o fundo cumpra sua missão, seria necessário investir em ativos de longo prazo, que naturalmente apresentam maiores oscilações. A solução está em integrar os compromissos futuros – o chamado “passivo” – na análise de risco da carteira, utilizando o valor de mercado desses fluxos de caixa descontados como referência. Essa abordagem, amplamente adotada internacionalmente, permite que o fundo maximize suas chances de sucesso e reforce o papel estratégico do ALM na gestão de recursos de longo prazo.

A literatura internacional é também cristalina ao recomendar a formulação de uma meta de retorno real (acima da inflação) capaz de sustentar os gastos com a missão e os custos, preservando o principal em horizontes multigeracionais (SWENSEN, 2009; HARVARD MANAGEMENT COMPANY, 2023; YALE INVESTMENTS OFFICE, 2023). Essa meta, normalmente expressa como “inflação + spending + custos”, oferece a régua de coerência entre o que se promete à missão e o que se exige da carteira.

Embora coerente com a preferência por segurança e liquidez, concentração em renda fixa, por sua vez, sobretudo em ativos atrelados à inflação (NTN‑Bs) e ao CDI, limita o potencial de crescimento real e pode aumentar o risco de descasamento entre obrigações de gastos e retornos futuros, notadamente em ambientes de mudança estrutural de juros e inflação (YALE INVESTMENTS OFFICE, 2023; HARVARD MANAGEMENT COMPANY, 2023), o que reforça a necessidade de disciplina e realismo nas premissas.

A literatura corrobora que endowments resilientes tendem a combinar segurança de curto prazo com diversificação estrutural em classes de ativos e geografias (quando aplicável), inserindo ativos reais (imóveis) e alternativos (como fundos de Private Equity) sob regras estritas de governança e liquidez, e amparados por mecanismos de suavização de gastos, como médias móveis (SWENSEN, 2009; GOETZMANN; OSTER, 2004). Tal arquitetura reduz a pró‑ciclicidade e protege a missão ao longo de choques.

Evidências brasileiras indicam que a cultura de planejamento dos fundos patrimoniais ainda está em fase de consolidação. Segundo o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2024, realizado pelo  IDIS, 53% dos fundos pesquisados não possuem metas formais de rentabilidade. A ausência de metas tende a refletir estruturas de gestão incipientes, lacunas de conhecimento técnico em alocação e priorização de segurança e liquidez em detrimento de retorno, traços típicos de setores em fase inicial de institucionalização. Na prática, metas objetivas são a base para políticas de alocação, para o desenho de benchmarks e para a prestação de contas a conselhos, doadores e beneficiários (NACUBO, 2024; MAGINN et al., 2016).

Inferências sobre maturidade setorial e o papel dos dados

A maturidade de um fundo patrimonial está diretamente ligada à capacidade de transformar princípios em processos estruturados, auditáveis e orientados por dados.

No Brasil, gestoras independentes como a Wright Capital têm se destacado ao substituir práticas personalistas por governança técnica, com comitês de investimento qualificados e rotinas de monitoramento baseadas em evidências. O ciclo virtuoso começa com um diagnóstico honesto da governança e do portfólio, avança para a formulação de políticas claras (investimento, risco, ESG, conflitos de interesse e spending rate) e culmina em relatórios que traduzem rentabilidade, risco e liquidez em linguagem acessível para conselhos deliberativos, possibilitando a tomada de decisão disciplinada e evitando reações impulsivas a oscilações de mercado.

É esse modus operandi orientado por evidências que distingue endowments maduros e é reiteradamente documentado por referências internacionais (NACUBO, 2024; MAGINN et al., 2016; KOCHARD; RITTEREISER, 2008).

Desafios: metas, formalização e concentração

Os dados do Anuário trazem três alertas com implicações práticas:  ausência de metas atuariais explícitas, como mencionado anteriormente, baixa formalização de processos e alta concentração dos portfólios em renda fixa.

A baixa formalização de processos internos e o foco excessivo na operação comprometem o planejamento estratégico dos fundos patrimoniais, enfraquecendo o papel dos conselhos e dificultando a captação de doações relevantes (IDIS, 2024). Para superar esse cenário, é essencial adotar uma governança robusta, com conselhos deliberativos, comitês técnicos independentes, mandatos claros e políticas formais que definam limites e formas de monitoramento. A estrutura ideal inclui a separação entre fundo operacional (despesas correntes) e fundo patrimonial (preservação de longo prazo), além da definição do spending rate.

Conclusão

A profissionalização da gestão de endowments deixou de ser um ideal aspiracional e tornou-se uma exigência para a perenidade institucional. Os dados do IDIS revelam um campo em amadurecimento, ainda marcado pela ausência de metas claras, concentração excessiva em renda fixa e baixa formalização de processos. A resposta está na adoção disciplinada de governança estruturada, metas atuariais, uso intensivo de dados e políticas que transformem estratégia em rotina. A experiência internacional e os aprendizados práticos de gestores independentes mostram que instituições que seguem esse caminho aumentam sua capacidade de captação, reduzem riscos e cumprem sua missão com legitimidade. Em um cenário de recursos escassos e crescente escrutínio, profissionalizar não é opcional – é a condição econômica da missão.

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Referências (ABNT)

CFA INSTITUTE; MAGINN, John L.; TUTTLE, Donald L.; PINTO, Jerald E.; McLEAVEY, Dennis W. Managing Investment Portfolios: A Dynamic Process. 4. ed. Hoboken: Wiley; CFA Institute, 2016.

CVM – COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (consolidada em 2023). Dispõe sobre os fundos de investimento. Rio de Janeiro: CVM, 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm>. Acesso em: 20 out. 2025.

GOETZMANN, William N.; OSTER, Christopher R. Endowment Asset Management: Investment Strategies in Oxford and Cambridge Colleges. Oxford: Oxford University Press, 2004.

HARVARD MANAGEMENT COMPANY. Annual Report 2023. Cambridge, MA: Harvard University, 2023. Disponível em: <https://www.hmc.harvard.edu>. Acesso em: 20 out. 2025.

IDIS – INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INVESTIMENTO SOCIAL. Censo de Fundos Patrimoniais no Brasil: 2024. São Paulo: IDIS, 2024. Disponível em: <https://www.Idis.org.br>. Acesso em: 20 out. 2025.

KOCHARD, Lawrence E.; RITTEREISER, Cathleen M. Foundation and Endowment Investing: Philosophies, Strategies, and Returns of Top Investors. Hoboken: John Wiley & Sons, 2008.

NACUBO – NATIONAL ASSOCIATION OF COLLEGE AND UNIVERSITY BUSINESS OFFICERS; TIAA. NACUBO‑TIAA Study of Endowments (NCSE) 2023–2024. Washington, DC: NACUBO, 2024. Disponível em: <https://www.nacubo.org>. Acesso em: 20 out. 2025.

SWENSEN, David F. Pioneering Portfolio Management: Institutional Investment and Endowment Management. New York: Free Press, 2009.

YALE INVESTMENTS OFFICE. Endowment Update 2023. New Haven, CT: Yale University, 2023. Disponível em: <https://investments.yale.edu>. Acesso em: 20 out. 2025.

O SUS como pilar de esperança para o Norte e o Nordeste

Publicado originalmente no Nexo em 11 de outubro de 2025. Acesse clicando aqui

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Carla Reis, Chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do BNDES

 

Os 35 anos do Sistema Único de Saúde mostram sua força e seu caráter essencial, sobretudo para territórios do país com desafios agudos

No ano de 1990, o Brasil deu um passo histórico ao criar o SUS (Sistema Único de Saúde). Três décadas e meia depois, celebramos sua longevidade e força. O cuidado chega a todos os cantos do país e se faz ainda mais essencial no Norte e Nordeste, onde vivem cerca de 72 milhões de pessoas — nove em cada dez dependentes exclusivamente do SUS, segundo o IBGE (2020).

Nesse território, os desafios são agudos. A densidade médica, inferior à média nacional, revela a urgência: enquanto o Brasil conta com 3,08 médicos por mil habitantes, segundo o estudo Demografia médica Brasil 2025, o índice cai para 1,7 no Norte e 2,21 no Nordeste. Os indicadores de saúde também refletem essa desigualdade: a expectativa de vida é menor do que a média nacional — cerca de 75,7 anos no Norte e 75,9 no Nordeste, contra 76,4 anos no Brasil — e a mortalidade infantil permanece mais alta, com 15,9 óbitos por mil nascidos vivos no Norte e 13,8 no Nordeste, frente a 12,6 na média nacional, de acordo com dados do DATASUS. É nesse cenário de vulnerabilidade que o SUS se torna ainda mais essencial, pois fortalecer a atenção primária faz toda a diferença na vida de milhões de brasileiros.

O SUS é um marco de cidadania, um sistema público, gratuito e universal, reconhecido internacionalmente por sua estratégia de atenção primária, por resultados expressivos na redução da mortalidade materna e infantil, além do controle de doenças crônicas. O sistema garante o direito à saúde de forma igualitária, sem discriminação de classe, gênero, raça ou condição econômica, e reafirma diariamente seu papel como uma política pública de sucesso.

Inovar é necessário para um sistema como o SUS. É pensando justamente nessa inovação que o programa Juntos pela Saúde, iniciativa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) gerida pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), foi criado. Uma parceria entre poder público e investidores sociais privados, ou seja, empresas e fundações, investiu em iniciativas inovadoras executadas por organizações do terceiro setor. Até 2024, beneficiou indiretamente cerca de 4 milhões de pessoas no Norte e Nordeste, capacitou mais de 10 mil profissionais de saúde, mobilizou 1.345 unidades de saúde ou Caps (Centro de Atenção Psicossocial), entregou mais de 4.300 equipamentos tecnológicos e impactou 139 municípios. Até 2026, serão mais de R$ 100 milhões direcionados a projetos em mais de dois mil municípios das duas regiões.

Ao conectar recursos, conhecimento e tecnologia, iniciativas como o Juntos pela Saúde fortalecem a rede de saúde pública local, aceleram a resolutividade da atenção primária e contribuem para reduzir desigualdades históricas.

Os 35 anos do SUS são motivo de celebração e, também, de responsabilidade. Para sustentar e ampliar esses resultados, sobretudo nas regiões mais vulneráveis, é indispensável consolidar políticas que fortaleçam a base do sistema. E neste processo precisamos contar com o apoio de vários atores nessa jornada.

O caminho passa pela colaboração entre governo, sociedade civil e setor privado. Quando unimos forças, o impacto é ampliado, mais vidas são preservadas, trajetórias mudam e o direito à saúde se torna mais concreto. Que o SUS continue a nos inspirar a investir, inovar e acolher, com coragem e responsabilidade, a saúde como um bem comum, inalienável e de todos.

 

Testamento Solidário: um caminho estratégico para o fortalecimento dos fundos patrimoniais no Brasil

Publicado originalmente no Migalhas em 24 de setembro de 2025. Acesse clicando aqui

Por Andrea Hanai, Gerente de Projetos do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – IDIS, e Raquel Grazzioli, Advogada do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados

Nos últimos anos de vida, Maria de Camargo Dália, conhecida como D. May, decidiu transformar o patrimônio acumulado ao longo de sua trajetória em um legado social duradouro. Por meio de um testamento público, destinou sua herança, estimada em mais de R$ 700 milhões, a sete organizações da sociedade civil atuantes nas áreas de saúde, educação e assistência social.

O gesto de D. May evidencia o potencial do testamento solidário, ainda pouco difundido no Brasil, mas prática consolidada em países como os Estados Unidos. De acordo com o Legacy Giving Report 2024, da Charities Aid Foundation (CAF), mais da metade dos norte-americanos com alto poder aquisitivo (56%) declara intenção de destinar parte do patrimônio a causas sociais por meio de testamento — um dado que reforça o alcance e a relevância desse tipo de doação.

O envelhecimento populacional e a consequente transferência de riqueza para as próximas gerações criam um cenário oportuno para fortalecer a cultura de legado no país. Pela legislação brasileira, qualquer pessoa pode, por testamento, destinar livremente até 50% do próprio patrimônio para finalidades escolhidas, ficando o restante reservado a herdeiros necessários (filhos, pais ou cônjuge). Na ausência destes, a totalidade dos bens pode ser direcionada a organizações que atuem em causas de interesse público.

As doações testamentárias podem incluir recursos financeiros, imóveis, obras de arte, participações societárias e outros bens, devendo ser formalizadas preferencialmente na forma pública, para reduzir disputas e garantir a execução da vontade do testador. Quando direcionados a fundos patrimoniais (endowments), esses recursos podem gerar impacto perpétuo, financiando causas e instituições de forma sustentável. Grandes fundos internacionais — como os da Universidade Harvard, Fundação Nobel, Fundação Rockefeller e Wellcome Trust — foram constituídos, em parte, por legados testamentários.

Inspiradas nesse modelo, ao menos duas das organizações beneficiadas pelo legado de D. May — a ASA (Associação Santo Agostinho) e a Liga Solidária — optaram por destinar parte dos recursos para fortalecer seus fundos patrimoniais, que hoje superam R$ 100 milhões cada. No Brasil, segundo o Monitor de Fundos Patrimoniais do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), há 121 fundos desse tipo, totalizando mais de R$ 137 bilhões em patrimônio.

Apesar do potencial, o testamento solidário ainda enfrenta barreiras culturais. Falar sobre morte segue sendo um tabu, e muitos percebem a elaboração de um testamento como algo complexo ou emocionalmente difícil, o que leva à procrastinação do planejamento sucessório. Campanhas educativas desempenham papel central na desmistificação do tema. Organizações como Greenpeace, Médicos Sem Fronteiras e Comitê Internacional da Cruz Vermelha já realizam ações específicas para sensibilizar doadores a incluí-las como beneficiárias em testamentos, usando desde mensagens bem-humoradas sobre o tema até histórias inspiradoras para aproximar o assunto de valores pessoais.

Outro obstáculo relevante é a falta de incentivo por parte de advogados e profissionais que atuam no planejamento sucessório. Pesquisas indicam que, quando a possibilidade de doação não é apresentada, menos de 5% dos testamentos incluem causas sociais. Esse número mais que dobra quando há sugestão expressa e pode ultrapassar 15% quando acompanhada de exemplos de outros doadores. Isso reforça o papel estratégico desses profissionais na difusão da cultura de legado.

Para que o potencial se concretize, é necessário o engajamento coordenado de organizações, especialistas e campanhas de conscientização, de forma a inserir o testamento solidário como prática comum de filantropia no país.

Também é fundamental que as organizações estejam preparadas para receber esse tipo de doação. Boas práticas de governança, transparência, prestação de contas e gestão responsável são determinantes para gerar a confiança necessária nos doadores. Além disso, é recomendável que os fundos patrimoniais comuniquem, de forma clara, que aceitam legados e capacitem equipes para dialogar sobre o tema com sensibilidade e clareza.

A morte encerra um ciclo individual, mas não precisa interromper um compromisso com o futuro. O exemplo de D. May mostra que o testamento solidário pode garantir que causas relevantes continuem a receber apoio, fortalecendo estruturas como fundos patrimoniais e deixando um legado de impacto para as próximas gerações.

Investimento Social Privado também é para os pequenos

Artigo publicado originalmente na Revista Problemas Brasileiros

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS

Construir uma sociedade mais justa passa, necessariamente, pelo fortalecimento da responsabilidade social corporativa. Nesse contexto, o Investimento Social Privado (ISP) surge como uma ferramenta essencial para canalizar recursos para causas socioambientais e gerar impacto positivo. E embora ainda persista a ideia de que apenas grandes empresas têm estrutura para isso, o ISP também é possível — e necessário — para Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs).

Essa é uma das reflexões da quarta edição do relatório Perspectivas para a filantropia no Brasil, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). O estudo destaca o envolvimento crescente de MPMEs em ações de ISP, desmistificando a lógica de que filantropia corporativa é território exclusivo de grandes corporações.

Baixe o Perspectivas para a filantropia 2025:

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Há bons exemplos nesse cenário. A Métrica.Social, pequena empresa de tecnologia, aderiu ao movimento Compromisso 1% — iniciativa do IDIS e do Instituto MOL —, comprometendo-se a doar, em até dois anos, 1% de seus lucros para causas socioambientais. Já a Braúna, empresa de fruticultura do norte de Minas Gerais, estruturou a sua estratégia de ISP com o apoio do IDIS e estabeleceu a meta de investir até 25% de seus lucros no desenvolvimento da comunidade local.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as MPMEs respondem por mais de 55% dos empregos formais e cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Ainda assim, a atuação dessas empresas no ISP é pouco mapeada e incentivada. O Compromisso 1% surge como um instrumento potente para ampliar a participação desse segmento, convidando empresas de diferentes portes a destinarem 1% de seu lucro líquido anual para organizações da sociedade civil.

Além disso, mudanças no cenário regulatório — como a Resolução 193 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a legislação europeia Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) — devem estimular ainda mais o engajamento das MPMEs, especialmente as inseridas em cadeias produtivas globais.

Mais do que impacto social, o ISP é também estratégia de posicionamento de marca, fortalecimento de vínculos e geração de valor compartilhado. Independentemente do tamanho, toda empresa pode (e deve) fazer parte dessa transformação.

Diálogos MCD: aprendizados sobre a Doação Livre de Mackenzie Scott e novos caminhos para a filantropia brasileira

Artigo originalmente publicado no Movimento por uma Cultura de Doação, em 18/08/2025

Por Movimento por uma Cultura de Doação – MCD, a partir de encontro realizado em 15 de agosto de 2025, com Cynthia Betti (Plan International Brasil) e Guilherme Sylos (IDIS).


Retomamos o “Diálogos MCD” na sexta-feira, 15 de agosto, e foi inspirador!

Com Cynthia Betti (Plan International Brasil) e Guilherme Sylos (IDIS) como anfitriões, conversamos sobre as experiências de receber uma doação de MacKenzie Scott e refletimos sobre o que esse modelo pode ensinar à filantropia no Brasil.

Começamos com um momento de conexão em pequenos grupos, que abriu espaço para um debate rico sobre processos de doação baseados em confiança, usos estratégicos dos recursos e como ampliar esse modelo no Brasil.

Partimos da experiência das 2 organizações, que foi expandida para a aprendizagem coletiva do grupo que foi criado com 17 organizações que receberam doação da filantropa americana desde 2021 no Brasil. 

O processo: confiança no centro

Diferente do que estamos acostumados a experienciar – editais complexos  e exigências excessivas –  o processo de seleção foi uma “pesquisa silenciosa”: consultoras analisaram relatórios públicos, conversaram com as equipes e avaliaram governança, sustentabilidade e gestão, sem anunciar valores ou doador. 

A doação praticada pela MacKenzie Scott é o que chamamos de “One Time Gift”, e chega sem amarras. Isso não significa que não vem carregada de responsabilidade para “fazer jus ao privilégio” de ter sido uma organização selecionada, muito pelo contrário.

Como o dinheiro ganhou vida

Cada organização encontrou seu caminho, e os seguintes pontos foram identificados:

  • Fortalecimento institucional: capacitação, comunicação, inovação, captação de recursos,  novas contratações em posições chave, no caso da Plan.
  • Captação estratégica: matching e fundos patrimoniais para sustentabilidade de longo prazo, no caso do IDIS.
  • Programas e inovação: expansão e testes de novas iniciativas.
  • Fundos específicos: para mulheres, empreendedores, coletivos.
  • Participação: editais onde as próprias organizações participantes votam nos contemplados.

💡 Exemplo Plan International Brasil: criou um fundo de contingência, lançou uma chamada para meninas, coletivos e organizações pequenas. Em setembro, lançará, em parceria com o IACP, o projeto Bacuri que vai apoiar organizações de base comunitária no Maranhão e Piauí com formação, mentoria e recursos financeiros. 

💡 Exemplo IDIS: reforçou seu fundo patrimonial com matching, atraindo doadores brasileiros e garantindo a perenidade do investimento.

Divulgar ou não divulgar a doação recebida?

Algumas organizações preferiram não tornar pública a doação, por receio de perder apoiadores ou pelo contexto político. A experiência também mostrou que a transparência pode atuar como chancela e até atrair novos financiadores.

Aprendizados e provocações

  • Validação e credibilidade: passar pelo crivo de MacKenzie Scott foi percebido como reconhecimento de atuação

  • Impacto no ecossistema: o recurso não é só para crescer individualmente, mas para fortalecer redes e territórios.

A provocação que ficou: por que a filantropia brasileira não adota um modelo similar a este?

Estudos já mostram os benefícios das doações flexíveis, mas ainda há pouca discussão a respeito.

Os aprendizados do grupo das 17 organizações foram transformados em um relatório que foi compartilhado em diversas instâncias.

“O grande desafio é fazer esta informação chegar nas pessoas tomadoras de decisão, filantropas e filantropos, de forma a buscarmos uma reflexão do que precisamos fazer para mudar a forma que estamos conduzindo a filantropia aqui no Brasil. Um diálogo urgente e necessário.”

Próximos passos e desafios

  1. Amplificar a voz: usar aprendizados e dados para inspirar mais doadores.

  2. Inspirar pelo processo: mostrar que o valor não está só no dinheiro, mas na confiança e liberdade.

  3. Trabalho de desenvolvimento institucional: fortalecer organizações para que estejam prontas quando oportunidades assim surgirem.

  4. Sair da bolha: dialogar com filantropos e investidores que ainda não conhecem ou praticam esse modelo.

  5. Expandir o debate: traduzir e compartilhar relatórios, realizar eventos direcionados e criar casos inspiradores.

A comunicação como ponte (e barreira) para doações

Artigo publicado originalmente na Sociedade Viva

por Luisa Lima e Marina Negrão, respectivamente gerente e coordenadora de comunicação e conhecimento no IDIS

Doar é um gesto que nasce da confiança. Confiança na causa, na organização e, cada vez mais, na mensagem que chega até o doador. A Pesquisa Doação Brasil 2024, iniciativa do IDIS, realizada pela Ipsos, revela que, mais do que solidariedade espontânea ou capacidade financeira, a decisão de contribuir está ligada à credibilidade das instituições e à segurança de que o recurso doado será bem utilizado.

Os números demonstram que 81% dos brasileiros afirmam que a confiança é determinante para doar, mas apenas 30% acreditam que a maioria das ONGs seja confiável. Esse contraste não é exclusivo da pesquisa de 2024, acompanha o setor, entre pequenas melhoras e pioras, desde a primeira edição que foi realizada em 2015. Nesta mais recente edição, porém, algo curioso aconteceu. Entre os não doadores, pela primeira vez, a falta de confiança despontou como um dos principais motivos do porquê não doam, reduzindo o percentual de pessoas que respondem o clássico ‘não doo por falta de recursos financeiros’.

O que esse cenário nos revela é o nosso grande desafio como setor: conquistar legitimidade aos olhos da sociedade. Se de um lado há disposição em ajudar, de outro existe desconfiança sobre a aplicação dos recursos e sobre a efetividade do impacto.

É nesse ponto que a comunicação se mostra decisiva. Mais do que pedir doações, é importante demonstrarmos como os recursos são usados, quais resultados foram alcançados, quem foi beneficiado, qual o impacto que o trabalho das ONGs gera para causas e públicos menorizados e, o principal, fazer com que esses recados cheguem ao doador.

 

A FORÇA DAS REDES SOCIAIS E A MÍDIA COMO ALIADA

As redes sociais têm um papel importante na difusão de informações, mas o cerne está em como as organizações comunicam, pois é a percepção de seriedade e transparência que garantem que a sensibilização se converta em apoio efetivo e recorrente.

Nesse sentido, as organizações podem investir em comunicação, inclusive com estratégias específicas e diferentes para as redes que mais influenciam na decisão de doar que, segundo a pesquisa, são Instagram (85%) e Facebook (36%). É interessante também que a organização conheça o público com quem quer falar, pois isso pode também influenciar em onde e como comunicar. Entre pessoas de 18 a 29 anos, por exemplo, a influência do Instagram para a prática de doação sobre de 85% para 91%. Já entre aqueles com 50 anos ou mais, o Facebook dispara de 36 para 70 pontos percentuais.

Quando pensamos na imprensa, um dado inédito dessa edição demonstra que 49% das pessoas já deixaram de doar ao verem uma notícia negativa sobre o assunto na mídia. Por outro lado, a influência das campanhas em veículos tradicionais de mídia na decisão de doar saltou de 10% para 20%.

Nesse caso, há uma responsabilidade compartilhada. Se de um lado as organizações estão trabalhando duro para se comunicarem com mais transparência e clareza, é necessário que a imprensa dê maior visibilidade a histórias de impacto positivo e inclua a doação na pauta pública relevante, a tratando com responsabilidade e cuidado.

 

E QUAL O NOSSO PAPEL NESSE CONTEXTO?

Sendo a falta de confiança nas ONGs um problema estrutural, ele demanda soluções também estruturais. É necessário termos ações multisetoriais, coordenadas e pensadas a partir das parcerias entre vários atores da sociedade.

Organizações estruturantes do terceiro setor, como o próprio IDIS, que promovem a cultura de doação em seu dia a dia de atuação, têm um papel fundamental em ampliar o conhecimento sobre o trabalho exemplar realizado por ONGs e sua contribuição para a redução das desigualdades. A contribuição vem a partir de produção de dados, campanhas de engajamento, advocacy, ferramentas inovadoras e tantas outras frentes que fomentem a reflexão e debate sobre o tema. Em 2018, lançamos a plataforma Descubra sua Causa, hoje sob gestão do Instituto MOL, oferecendo caminhos fáceis e seguros para doação.

A responsabilidade, claro, também se estende a outros atores. O poder público pode valorizar o papel crucial das organizações sociais e aprimorar mecanismos de compliance; empresas podem engajar colaboradores e clientes com campanhas de conscientização e a indicação de ONGs pré-validadas, dentre tantas outras ações.

 

UMA DÉCADA DE ANÁLISES

A trajetória da Pesquisa Doação Brasil desde 2015 mostra como a comunicação vem ganhando espaço na cultura de doação. Na primeira edição, o foco principal foi mapear quem doa e quanto doa, dados que antes não existiam. Olhando para a edição de 2024, vemos alguns dados voltarem ao patamar de como estávamos há 10 anos atrás, outros evoluírem significativamente, entre boas e más notícias que a nova edição nos trouxe, é importante nos atentarmos em como o debate acerca da cultura de doação amadureceu de lá para cá.

Doar é um ato cidadão. É acreditar que aquela contribuição pode, de fato, transformar realidades. E para que esse acreditar seja perene, é preciso confiança. Uma confiança que começa na forma como as organizações se comunicam e se consolida quando os resultados falam por si.

Um retrato da alfabetização e da desigualdade no Brasil

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo, 22/08/2025

Estudo do Instituto Ayrton Senna e IDIS demonstrou que para cada R$1 investido em programas de alfabetização, são gerados R$18,56 em benefícios para a sociedade  

Por Daiane Zanon, Gerente Sênior de Dados, Avaliação e Monitoramento no Instituto Ayrton Senna

Gabriela Cáceres, Gerente de Avaliação e Monitoramento no Instituto Ayrton Senna

e Denise Carvalho, Gerente Sênior de Monitoramento e Avaliação no IDIS 

A educação é uma das ferramentas mais poderosas para reduzir desigualdades. Mas, no Brasil, esse caminho ainda está longe de ser uma realidade para todos. Um estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) revelou que entre as crianças pertencentes à metade mais pobre da população, apenas 10,8% conseguem alcançar o grupo dos 25% mais ricos na vida adulta. Essa baixa mobilidade social está diretamente ligada ao acesso desigual à educação, especialmente nos primeiros anos escolares. 

O resultado do Indicador Criança Alfabetizada, recentemente divulgado pelo Ministério da Educação, mostra que apenas 59% dos alunos estão alfabetizados ao final do 2º ano do Ensino Fundamental. Isso significa que quase metade das crianças brasileiras não desenvolve, no tempo adequado, as habilidades básicas de leitura e escrita. E quando a alfabetização falha no início da trajetória, os prejuízos se acumulam: o aluno passa a ter mais dificuldade para acompanhar os conteúdos, corre maior risco de repetência e abandono e se afasta das oportunidades que a escola deveria garantir. 

Entre os mais afetados estão os estudantes em atraso escolar – um grupo numeroso e frequentemente deixado para trás. Embora a taxa de distorção idade-série nos anos iniciais tenha caído pela metade na última década (de 14% para 7%), ela ainda é quase o dobro nas escolas públicas em comparação às privadas. Essa desigualdade também fica evidente na forma como cada criança é apoiada ao enfrentar dificuldades. Uma criança de família com maior renda, ao ter problemas na escola, costuma contar com aulas de reforço e apoio em casa. Já uma criança em situação de vulnerabilidade, muitas vezes segue adiante sem aprender, acumulando frustrações que comprometem toda a sua trajetória escolar e de vida. 

Um exemplo é o de Ronaldo Lima Santos, de Itabaiana (SE), egresso do programa Se Liga, desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a rede pública local. Aos nove anos, ele vendia frutas com o pai, tinha muita dificuldade para ler e escrever e já acumulava uma série de reprovações. Sentia-se inferior aos colegas e evitava ir à escola. Foi ao entrar no programa de recomposição de aprendizagem que sua trajetória começou a mudar: passou a ter aulas adaptadas às suas necessidades, recuperou a autoestima, aprendeu a ler e escrever e seguiu em frente. 

Em um depoimento gravado na época, Ronaldo dizia: “Eu me olhava no espelho e me achava um menino bruto, idiota. Agora me olho no espelho e vejo um menino inteligente, sabido.”

Hoje, já adulto, ele é empreendedor, tem autonomia financeira e movimenta a economia local. Sua história é um lembrete potente de como a alfabetização pode transformar não só a trajetória escolar, mas a forma como a criança se enxerga e sonha com o futuro. 

E os dados mostram o quanto esse tipo de intervenção vale a pena. Um estudo do IDIS, encomendado pelo Instituto Ayrton Senna, aponta que cada R$ 1 investido em programas de recomposição da aprendizagem para alunos em atraso escolar gera R$ 18,56 em benefícios para a sociedade. A Avaliação de Análise Custo-Benefício (ACB) compara os benefícios sociais, econômicos e ambientais gerados por uma iniciativa, com os recursos investidos para sua implementação. Essa comparação tem como base a análise de uma série de evidências para responder, principalmente, três perguntas: qual a transformação social, econômica ou ambiental provocada pelo investimento; qual o valor econômico (ou estimativa) das transformações geradas; e por quanto tempo as transformações serão percebidas. A partir desta análise, portanto, é possível perceber que os programas como o Se Liga e o Acelera Brasil, desenvolvidos em parceria com redes públicas de ensino, conseguem virar o jogo na educação, oferecendo apoio adequado e de qualidade. 

Para romper o ciclo da desigualdade, é preciso colocar as crianças que mais precisam no centro das políticas públicas. Garantir o direito à aprendizagem – inclusive para quem já está em atraso escolar – é um investimento que beneficia a todos. O Estado economiza com repetência e abandono, e os estudantes ganham mais chances de concluir os estudos, acessar boas oportunidades e contribuir para o desenvolvimento do país. 

Por outro lado, as perdas de uma educação falha são imensas. O estudo “Consequências da violação do direito à educação”, desenvolvido pelo Insper em 2021, estima que cada jovem que não conclui a educação básica representa um prejuízo de R$ 395 mil para a sociedade. Somando todos os jovens que devem evadir a escola, o custo pode passar de R$ 220 bilhões — o equivalente a 3,3% do PIB nacional e mais de quatro vezes o investimento necessário para garantir uma trajetória regular de escolarização. 

Mas, no fim das contas, o impacto de garantir a aprendizagem adequada vai muito além dos números. Ele está na história de cada criança que, ao aprender a ler e escrever, começa a acreditar em si mesma. Ronaldo é a prova disso. E sua trajetória nos lembra que milhões de outras crianças ainda esperam por essa mesma chance. 

Como a agenda de sustentabilidade pode ser alavancada por meio do Investimento Social Privado?

Empresas que investem socialmente, de forma estratégica, colhem resultados que vão muito além do impacto social: ganham em reputação, inovação e sustentabilidade.

Yasmim Araujo Lopes, Analista de Projetos no IDIS

A agenda ESG se caracteriza pela incorporação de critérios sociais, ambientais e de governança no negócio. Hoje, é reconhecida como uma estratégia na agenda das empresas, com papel central de mitigar riscos não financeiros e garantir negócios mais resilientes e sustentáveis a longo prazo, em equilíbrio com a sociedade.

Evidências já mostram o valor promissor dessa agenda. Em momentos críticos, como a pandemia de Covid-19, as carteiras de investimento ESG tiveram menor volatilidade, demonstrando que esses ativos oferecem maior resiliência e reforçam a sustentabilidade das empresas em momentos de crise. O Panorama da Sustentabilidade Corporativa 2025, elaborado pela Amcham em parceria com a Humanizadas, revelou que 76% das empresas já adotam práticas sustentáveis, embora 52% ainda estejam no estágio inicial e, para 72% delas, a sustentabilidade já faz parte da estratégia de negócios.

Apesar dos avanços, ainda existem barreiras para consolidar a agenda ESG. Entre os principais desafios estão comprovar os resultados financeiros da sustentabilidade e engajar a liderança, apontados por 58% e 54% das empresas, respectivamente.

Acontece que, a Agenda ESG articulada ao Investimento Social Privado pode fortalecer um conceito ainda mais amplo: a sustentabilidade.

Confira também ‘ESG, RSC e ISP: o que significa e como as siglas se relacionam’

 

Como alavancar a sustentabilidade corporativa no Brasil?

Diante de um cenário em que a maioria das empresas ainda está nos estágios iniciais da sustentabilidade e enfrenta desafios para demonstrar valor e engajar lideranças, é preciso definir caminhos que impulsionem boas práticas e gerem resultados para o negócio.

O Panorama de Sustentabilidade Corporativa analisou 15 práticas-chave, avaliando cada uma delas a partir de dois eixos: impacto (financeiro e social) e esforço de implementação. O estudo resultou em uma matriz de priorização que ajuda empresas a entenderem por onde começar e quais ações podem trazer retorno mais rápido.

Entre essas práticas, o apoio a projetos sociais e o voluntariado corporativo apareceram como quick wins. Isso significa que são iniciativas de fácil execução, com custos relativamente baixos e resultados perceptíveis em curto prazo.

 

O papel do Investimento Social Privado

Integrado à Responsabilidade Social Corporativa, o Investimento Social Privado (ISP) é a alocação voluntária e estratégica de recursos por parte das empresas para gerar um impacto socioambiental positivo, tendo como abordagem um olhar mais estratégico e orientado a resultados, baseado em dados e evidências, com foco na criação de valor de longo prazo para a sociedade e para o negócio.

Da mesma maneira que a Amcham e a Humanizadas apontaram o apoio a projetos sociais e ao voluntariado como práticas que alavancam a sustentabilidade corporativa, o estudo Investimento Social Privado: Estratégias que alavancam a Agenda ESG, do IDIS, identificou, a partir da análise do desempenho das empresas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), a correlação existente entre boas práticas de ISP e a sustentabilidade empresarial.

O levantamento analisou o triênio 2022-2024 das empresas que fazem parte do indicador e, durante o período avaliado, a prática de Investimento Social Privado manteve-se entre os dez tópicos com maior correlação com a nota do ISE B3, evidenciando que empresas com bom desempenho em ISP também se destacam em sustentabilidade. 

 

Captcha obrigatório

 

Fica evidente que realizar apoio e investimentos em projetos socioambientais promove a sustentabilidade corporativa. Entretanto, é necessário investir estrategicamente, engajando a liderança e considerando o próprio negócio como público do ISP.

Quando o Investimento Social Privado está alinhado à estratégia da empresa, ele promove o engajamento da liderança e garante a continuidade dos programas, evitando que as iniciativas se percam ao longo do tempo. Também fortalece o sentimento de pertencimento entre colaboradores, que passam a se envolver mais com as causas apoiadas, e amplia o reconhecimento da empresa por parte de comunidades, organizações sociais e até do poder público.

Além disso, o investimento social estratégico gera outros benefícios, como a melhora da reputação da empresa, o fortalecimento da relação com clientes, a abertura para novas parcerias e inovações em soluções sociais e ambientais e a ampliação da capacidade de influência em agendas políticas e institucionais.

 

O IDIS na agenda de sustentabilidade e ESG

Em 2023, foi oficializada a criação de uma célula ESG no time de consultoria do IDIS, oferecendo apoio técnico a empresas que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. 

Entre os serviços oferecidos estão: 

  • Diagnóstico, planejamento e definição de planos de ação para alinhar o investimento social à estratégia ESG e de sustentabilidade;
  • Desenho estratégico com base em Teoria da Mudança (TdM), arquitetura de atuação e metodologias complementares;
  • Pesquisas, estudos e benchmarking sob medida, adaptados ao contexto e às necessidades da organização;
  • Facilitação de workshops, treinamentos e programas de capacitação para engajamento e fortalecimento institucional;
  • Estruturação de planos de monitoramento e avaliação, com definição de indicadores e métricas para reporte integrado e consistente;
  • Mensuração e alinhamento do valor gerado pelo investimento social, destacando benefícios para a sociedade e para o negócio.

 

Conheça alguns dos nossos cases: Ação da cidadania, BTG Pactual, Ella Impacta, Instituto Alpargatas e Brametal e saiba como o IDIS pode apoiar sua empresa na conexão entre propósito e sustentabilidade corporativa.

Confira aqui outros conteúdos sobre Agenda ESG e ISP. 

REFERÊNCIAS

AMCHAM, Humanizadas. Panorama Sustentabilidade Corporativa, 2025. Disponível em: <https://mkt.amcham.com.br/materiais/panorama-sustentabilidade-2025.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2025.

B3, Sistema B. Negócios responsáveis: Um olhar para o futuro. Conexões de Valor, São Paulo, 2025. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OdorlwbCqVw>. Acesso em: 11 jun. 2025.

Comunita. Reflexões e Tendências do ISC: Caminhos para o engajamento da alta liderança empresarial no investimento social corporativo. Comunitas, 2025. Disponível em: <https://comunitas.org.br/publicacao/reflexoes-e-tendencias-do-isc-caminhos-para-o-engajamento-da-alta-lideranca-empresarial-no-investimento-social-corporativo/>. acesso em: 22 jul. 2025.

COUTINHO, Leandro de Matos. O Pacto Global da ONU e o desenvolvimento sustentável. In: R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 56, p. 501-518, 2021. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/22029/1/13-BNDES-Revista56-PactoGlobalONU.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2025.

FABIANI. Rethinking strategic corporate philanthropy: the donation chain approach. Tese de doutorado, FGV, 2024. Disponível em: <https://repositorio.fgv.br/items/7c8143ee-9098-44b7-a8f0-b519131e5854>. Acesso em: 01 jul. 2025.

IDIS. Investimento Social Privado: Estratégias que alavancam a Agenda ESG, 2024a. Disponível em: <https://www.idis.org.br/estudo-aponta-correlacao-entre-boas-praticas-de-investimento-social-privado-e-agenda-esg/>. Acesso em: 11 jun. 2025.

IDIS. O que é ESG e como ele se relaciona com o Investimento Social Privado?, 2024b. Disponível em: <https://www.idis.org.br/o-que-e-esg-e-como-ele-se-relaciona-com-o-investimento-social-privado/#:~:text=Antes%20de%20mais%20nada%2C%20%C3%A9,que%20circundam%20a%20atividade%20empresarial.%E2%80%9D>. Acesso em: 11 jun. 2025.

PAGOTTO, et al., Entre o público e o privado caminhos do alinhamento entre o investimento social privado e o negócio. São Paulo: GVces, 2016. Disponível em: <https://sinapse.gife.org.br/download/entre-o-publico-e-o-privado-caminhos-do-alinhamento-entre-o-investimento-social-privado-e-o-negocio>. Acesso em: 11 jun. 2025.

 

O monitoramento como caminho para diversidade e inclusão

Artigo originalmente publicado no Nexo, 02/08/2025

Por Ana Paula Otani, analista de monitoramento e avaliação do IDIS

Diversidade e inclusão são expressões que ecoam cada vez mais nos discursos institucionais de empresas privadas, governos e organizações da sociedade civil. Mas até que ponto esses princípios se traduzem, de fato, em práticas cotidianas? Transformar a agenda em experiências efetivas exige mais do que boas intenções: requer método, intenção e, sobretudo, monitoramento.

Mesmo quando não aparecem nomeadas como causas centrais ou eixos programáticos, diversidade e inclusão com frequência atravessam iniciativas de outras pautas, como educação, cultura, esporte ou meio ambiente, influenciando a definição de seus públicos, territórios e formas de atuação. No entanto, a simples declaração de compromisso com esses princípios não garante que práticas consideradas inclusivas não acabem, sem perceber, incorrendo em exclusão. Isso porque múltiplos fatores subjetivos, contextuais e estruturais moldam a forma como diferentes grupos vivenciam uma intervenção, sem muitas vezes serem percebidos.

É justamente nesse sentido que o monitoramento pode ser um instrumento importante para organizações que defendem a diversidade e inclusão como prática. Originalmente concebido para medir resultados e aprimorar políticas e programas, o monitoramento, assim como a avaliação de impacto, deixou de ser apenas uma ferramenta técnica de prestação de contas, podendo também atuar como instrumento de combate às desigualdades.

Monitorar é lançar luz sobre: quem está sendo excluído? Quem demonstra resistência ou insatisfação com determinadas iniciativas? E, sobretudo, por quê? De modo que rotas possam ser corrigidas a tempo.

Para isso, é fundamental que a intenção da diversidade e inclusão se manifeste desde o planejamento, na definição de objetivos claros, na escolha de públicos-alvo e no estabelecimento de indicadores de modo que um plano de monitoramento relevante e sensível às desigualdades seja elaborado.

Mais do que descrever o público de interesse, é fundamental que sua definição oriente estratégias de mobilização e comunicação, com a escolha clara dos marcadores de diversidade a serem priorizados para garantir a participação de perfis diversos. Esse cuidado permite formular perguntas que aprofundem o compromisso com a equidade. Em um programa de empregabilidade para mulheres, por exemplo, é importante ir além da taxa geral de inserção no mercado e investigar: qual a proporção de mulheres negras e brancas empregadas? Pessoas com deficiência têm acesso pleno às atividades? Moradoras de periferias enfrentam barreiras de transporte? Sem uma investigação, empecilhos que perpetuam desigualdades se mantêm inalterados, mesmo em iniciativas que buscam promover a inclusão.

Outro ponto fundamental é a existência de uma base de dados estruturada sobre os participantes de uma iniciativa, um grande desafio para muitas organizações. Dados dispersos, registros incompletos e sistemas que não se integram comprometem a capacidade de ter uma base de dados organizada e atualizada que permita não apenas acompanhar os participantes durante e após o projeto, mas avaliar as desigualdades na forma como diferentes grupos vivenciam a iniciativa. Com essas informações, as organizações conseguem tomar decisões mais embasadas e promover ajustes ao longo da implementação da iniciativa para promover, sempre que possível, uma vivência mais equitativa para diferentes perfis de participantes.

Além disso, quando se trata de diversidade, é necessário um cuidado adicional. Marcadores identitários como raça, gênero, dentre outros, devem sempre ser autodeclarados e jamais presumidos. Preservar a autonomia das pessoas sobre sua identidade é um compromisso para qualquer iniciativa. Respeitar como cada indivíduo se reconhece e se posiciona diante da sociedade não é apenas uma questão ética, mas parte central do processo de inclusão.

Diferentemente do que muitos pensam, o monitoramento não se resume somente a números. Ouvir as histórias, contextos e percepções dos beneficiários amplia a compreensão do impacto real de uma iniciativa. Conversas, entrevistas e grupos focais revelam nuances que os dados quantitativos não mostram, ajudando a identificar engajamentos e evitar que participantes sejam deixados de lado. Esse acompanhamento atento fortalece vínculos e, quando há abandono, permite investigar as causas e aprimorar as ações, tornando as iniciativas mais acolhedoras e eficazes.

Essa escuta deve alcançar também as equipes gestoras dos projetos e programas. Quando diversidade e inclusão deixam de ser temas isolados e passam a integrar metas institucionais claras, elas se tornam compromissos compartilhados em todas as esferas de uma organização. Isso exige diálogo e capacitação contínua para que a equipe possa refletir sobre suas próprias práticas e desafios, dando espaço para a construção de um ambiente proativo, onde todos estão dispostos a identificar e corrigir falhas internas que poderiam reproduzir exclusões.

Finalmente, tudo isso se reflete na avaliação de impacto, cuja demanda cresce, mas que, sem monitoramento contínuo e dados confiáveis, resulta em análises frágeis e enviesadas. Para garantir que os efeitos positivos alcancem a todos, é preciso enxergar o todo — o que exige método, trabalho e compromisso com o que não se vê à primeira vista.

Falar de diversidade e inclusão em projetos socioambientais sem investir em monitoramento é correr o risco de não enfrentar as desigualdades existentes ou até mesmo de reforçá-las. Monitorar vai além de contar participantes ou preencher planilhas, é um processo de aprendizado contínuo que possibilita ajustar e melhorar intervenções para alcançar seu potencial, assumindo responsabilidade pelos seus efeitos, sejam eles intencionais ou não.

Apesar de muitas vezes ser pouco visibilizado por ser uma atividade intermediária, o monitoramento precisa ser valorizado como prática estratégica, afinal, é o que conecta a intenção com os resultados de uma intervenção. Quando integrado à cultura organizacional, ajuda a tornar a inclusão uma prática efetiva, gerando mudanças reais na vida dos beneficiários e, consequentemente, na sociedade. Todos se beneficiam.

No fim das contas, é isso que nos permite ser mais honestos e ter coragem para refletir: nossas práticas são tão inclusivas quanto nossos discursos?

Transformando urgência em oportunidade: fortalecendo as doações emergenciais para um impacto de longo prazo

Por Patricia Mcllreavy, CEO do Center for Disaster Philanthropy (CDP)*
*Com sede nos Estados Unidos, mas com atuação internacional, o CDP tem apoiado os esforços de recuperação das enchentes no Rio Grande do Sul realizados pela Fundação Gerações, Retomada e AVSI Brasil

É crescente no Brasil a vulnerabilidade a desastres climáticos. Ocupando a 50ª posição entre 171 países no Índice Global de Risco Climático de 2025, a população brasileira tem enfrentado chuvas torrenciais seguidas de enchentes e deslizamentos de terra, ondas de calor severas, secas, além de incêndios florestais devastadores.

Felizmente, quando os desastres acontecem, os brasileiros respondem com generosidade, doando tempo, talentos e recursos. A Pesquisa Doação Brasil 2024 aponta que metade da população fez doações em resposta a emergências no ano passado, sendo que 60% dessas doações em dinheiro foram destinadas a locais fora do seu próprio estado. Isso demonstra não apenas solidariedade nacional, mas um instinto profundo de agir, mesmo quando a necessidade está distante de casa.

No entanto, diante dessa generosidade, surge uma pergunta: como podemos canalizar o poder das doações imediatas também para a prevenção e a recuperação de longo prazo?

No Center for Disaster Philanthropy, que lidero, reconhecemos que os três principais motivadores para doações em desastres — além da empatia — são a escala da crise, a cobertura da mídia e a proximidade. Também entendemos como os desastres e os riscos que os causam agravam vulnerabilidades pré-existentes e podem gerar maior destruição e uma recuperação mais prolongada.

As doações emergenciais imediatas, especialmente para desastres menores ou que recebem pouca atenção, muitas vezes refletem a carga emocional do momento. Essa generosidade instintiva é poderosa: as doações para alívio imediato são mobilizadas rapidamente, mas tendem a diminuir à medida que o foco da mídia muda ou os esforços de recuperação se prolongam.

No entanto, a recuperação não é uma linha do tempo nem uma fase — é uma abordagem. Ela exige mais do que reconstruir estruturas ou restaurar sistemas: requer o enfrentamento das causas profundas das vulnerabilidades, investimento em saúde mental e a capacitação das comunidades para liderarem suas próprias soluções. À medida que os desastres relacionados ao clima se tornam mais frequentes e intensos, a recuperação torna-se ainda mais complexa. O segredo para uma recuperação bem-sucedida está em uma preparação eficaz, financiamento flexível e contínuo, e um compromisso com a equidade que permita às comunidades não apenas retornar ao que eram, mas avançar rumo ao que podem ser.

Os dados da Pesquisa Doação Brasil iluminam perspectivas de avanço. Embora apenas 10% dos doadores emergenciais digam doar exclusivamente em contextos de desastre, 40% também doam em outros contextos. Isso representa uma oportunidade. Se mesmo uma parcela desses doadores, que já contribuem em momentos não emergenciais, for incentivada a investir na recuperação contínua e na preparação, o potencial de impacto sustentável é enorme.

A confiança, no entanto, é a barreira que precisamos enfrentar. Apenas 30% dos brasileiros acreditam que a maioria das ONGs é confiável, e quase metade parou de doar após se deparar com notícias negativas. Transparência, prestação de contas e narrativas envolventes são fundamentais, não apenas para captar recursos nas primeiras semanas, mas para conquistar a confiança do público nos meses e anos seguintes. Os doadores querem ajudar; mas também querem entender para onde vai seu dinheiro e qual diferença ele faz.

Os próprios doadores estão nos apontando o caminho: investir em uma sociedade civil local forte. Apoio flexível (incluindo despesas operacionais gerais) ajuda as ONGs a desenvolverem sistemas financeiros, práticas de prestação de contas e capacidades de comunicação necessários para receber recursos e relatar impactos programáticos. As organizações mais próximas das comunidades afetadas são também as mais capacitadas para oferecer soluções, mas precisam de recursos antes, durante e depois dos desastres. Ao encarar a recuperação como algo que vai muito além da emergência imediata, conseguimos ver as oportunidades que temos para investir em uma recuperação equitativa e de longo prazo.

Não podemos impedir todos os desastres, mas podemos construir sistemas que tornem nossa resposta mais equitativa e eficaz. Isso começa com o reconhecimento de que emergências não são apenas momentos de perda; são momentos de escolha. Vamos doar apenas uma vez, ou vamos doar de forma a construir algo duradouro?

A mídia a serviço da cultura de doação

*Por Vinicius de Oliveira Barrozo, analista sênior de valor social na Globo

É inegável que, historicamente, a mídia exerce impacto na relação da sociedade com as causas sociais. Quando o assunto é cultura de doação, os meios de comunicação, principalmente a TV aberta com seu massivo alcance de público, são capazes de gerar grandes mobilizações através do estímulo à solidariedade e à empatia, sentimentos que despertam a conscientização sobre a necessidade do outro. E ainda, o trabalho da mídia pode ser um potente combustível para que o desenvolvimento dessa cultura seja acelerado.

A Pesquisa Doação Brasil mostrou que a procura por informações se tornou uma das peças-chave na trajetória da doação: 83% dos entrevistados afirmam que gostam de estar bem-informados sobre as organizações antes de doar. Nesse sentido, a mídia, em geral, tem potencial de ser uma forte aliada da cultura de doação, já que dentre as redes que mais impactaram a decisão de doar no ano passado, campanhas, anúncios, programas na TV, rádio, revistas etc., figuram em terceiro lugar, após as redes pessoais do doador, com um aumento expressivo em relação à edição de 2022.

Considerando o valor de uma boa comunicação a serviço de brasileiros que precisam de ajuda, é fundamental a atenção na construção de narrativas positivas que superem estigmas sobre a doação. Isso porque, por outro lado, a pesquisa destacou que quase metade dos doadores brasileiros (49%) afirma que já deixou de fazer alguma doação ao ver notícias negativas na mídia sobre o assunto. É fundamental o cuidado para que o caminho da mensagem, mesmo que negativa, ainda seja capaz de contribuir para que o doador se sinta informado em tom de alerta, sem que isso enfraqueça o estímulo a futuras doações, mas reforçando o olhar atento para a boa reputação de uma organização como um dos seus principais motivadores. Na pesquisa de 2024, a confiança na instituição apoiada aparece como importante fator para doar (81%), o que confirma a relevância da cautela no comportamento do doador.

Entretanto, para não-doadores, a desconfiança cresce. Com aumento de mais de 15 pontos percentuais na comparação com a pesquisa anterior, a falta de transparência é o segundo motivo para não doar, após as condições financeiras. Vale ressaltar que, aqui, também é essencial refletir sobre como as organizações podem expressar mais  clareza de seus processos e informações através de seus canais de comunicação disponíveis. Para a mídia, isso resultaria em mais insumos na construção de narrativas inspiradoras, que podem até mesmo atrair não-doadores e ajudar a reverter o quadro de desconfiança para esse perfil.

Mas, construir confiança e clareza para mobilizar é desafiador. Segundo a Pesquisa, apenas 30% dos entrevistados acreditam que a maioria das ONGs é confiável e somente 33% acham que elas deixam claro o que fazem com o dinheiro. Credibilidade é uma palavra que precisa caminhar permanentemente com os esforços de comunicação. Em 2020, durante a pandemia do coronavírus, a Globo criou a plataforma ParaQuemDoar para unir quem quer doar a quem precisa receber. Era uma maneira de dar visibilidade ao trabalho das principais organizações sociais frente ao cenário. O apoio da área de Compliance da Globo e da Benfeitoria, foi também a forma encontrada para dar confiança ao público de que o dinheiro iria diretamente para organizações de referência e com boa reputação.

De lá pra cá, a Globo vem ampliando seu engajamento e o ano de 2024 foi particularmente de grande aprendizado. Se na pesquisa, dentre as causas que mais receberam doações, as situações emergenciais ocupam o segundo lugar, num crescimento de 17 pontos percentuais em relação ao ano de 2022, isso tende a se conectar, por exemplo, com a contribuição da ParaQuemDoar que, durante as enchentes no Rio Grande do Sul, convidou o brasileiro a doar através de uma plataforma segura e chancelada por uma marca de mídia já reconhecida como a Globo. Apenas em maio de 2024, 34 milhões de reais foram arrecadados para as vítimas no Sul.

É inquestionável que nas situações mais críticas o potencial do doador brasileiro se eleve. Mas, e quando a comoção nacional diminui e outros assuntos passam a ganhar visibilidade? De que a maneira também a confiança e clareza das informações pela mídia também pode contribuir para tornar a cultura de doação regular da mesma maneira quando exerce um forte impacto nas emergências? É hora de a mídia se perceber como aliada constante no desenvolvimento da cultura de doação, dando visibilidade ao trabalho de organizações sociais, gerando transformação e promovendo um país mais solidário.

Comunicação e confiança: os ativos invisíveis do engajamento

*Por Beatriz Waclawek, gerente de investimento social no Movimento Bem Maior

Apesar dos avanços do terceiro setor brasileiro, a cultura de doação ainda passa por instabilidades Em tempos de desinformação, sobrecarga de causas e alta rotatividade de apoio, a confiança passou a ser o eixo central da decisão de quem doa. O que determina essa confiança? E qual o papel da comunicação nesse processo?

Em 2024, no Movimento Bem Maior (MBM), observamos entregas estratégicas e robustas das organizações apoiadas pela nossa carteira. O Instituto Rodrigo Mendes, por exemplo, formou secretarias municipais de educação, contribuindo diretamente para a homologação de decretos e leis de inclusão de estudantes com deficiência. O Estímulo lançou o primeiro fundo de apoio a empreendedores afetados por desastres climáticos no Rio Grande do Sul, arrecadando cerca de R$722 milhões. A Ação da Cidadania sediou a reunião ministerial do G20, consolidando uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O Todos Pela Educação reuniu os prefeitos eleitos das maiores cidades do país para pactuar compromissos com a educação pública.

Tais exemplos confirmam o que o campo social já sabe – e o que nem sempre é visível fora dele: as OSCs brasileiras vêm gerando resultados de grande valor. As entregas são técnicas, os métodos amadureceram, os resultados estão mais nítidos e a articulação política evoluiu. O desafio, hoje, está menos na capacidade de execução e mais em como essa entrega é percebida por quem doa.

A Pesquisa de Doação Brasil 2024 do IDIS evidencia esse ponto. O número de brasileiros que doam caiu de 84% para 78% entre 2022 e 2024. Os dados mostram que as doações estão mais seletivas, com uma baixa confiança estrutural nas organizações, no qual 83% buscam informações antes de doar, e 49% já deixaram de doar após notícias negativas. O novo perfil de doador é mais exigente e criterioso, concentrado nas classes médias e altas, e menos fiel na constância no apoio (49% dos doadores mantêm o apoio à mesma organização vs 69% em 2015). A pesquisa demonstra que confiança se tornou um critério central.

Por outro lado, a doação institucional, aquela que considera quem doou dinheiro para organizações sociais, campanhas e iniciativas aumentou de 36% para 43% e bateu recorde de volume: R$24,3 bilhões, o maior montante já estimado pela série histórica. O tíquete médio aumentou, especialmente entre pessoas com mais renda e escolaridade. Em meio a isso, observamos um Brasil marcado por desastres climáticos sem precedentes, envelhecimento populacional, instabilidade política e hiperconexão digital. Tais cenários afetam o imaginário coletivo e, por consequência, a cultura de doação. Em relação às pesquisas de 2020 e 2022, os dados de 2024 se aproximam de 2015, indicando certa retração, maior exigência de transparência e demanda por vínculos de confiança.

Diante das entregas de qualidade e de relevância do setor, exemplificadas no início pelas organizações da carteira do MBM, notamos um descompasso entre a percepção da sociedade sobre o campo social e o impacto positivo gerado no país. Se a entrega está acontecendo e o resultado é real, por que não reverbera na opinião pública?

Nesse quesito, a comunicação e transparência deixam de ser ferramentas satélites e passam a ser ativos centrais para a sustentabilidade do setor. Qual o caminho, então? Talvez seja começar pelo fortalecimento institucional, união de vozes e por uma comunicação mais estratégica.

Recentemente, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) publicou um artigo sobre o papel do jornalismo local na construção de uma sociedade bem-informada e democrática, garantindo acesso a informações confiáveis. Talvez estejamos diante de uma oportunidade de revisitar a estratégia coletiva de narrativas do terceiro setor para nos unirmos e refletirmos porque tais estratégias não refletem em comunicações assertivas para a sociedade. Como gerar mais reconhecimento social? Precisamos, quem sabe, de uma coalizão de comunicação que represente o setor?

Quem trabalha no campo sabe o valor que ele gera. Mas se a sociedade não reconhece esse valor, então temos uma lacuna, e uma oportunidade.

A cultura de doação é sensível ao contexto, mas moldada pela confiança. E confiança se constrói com presença e escuta ativa. Transparência não é planilha: é relação. Engajamento não é só recorrência financeira, é quando quem doa sente que faz parte de algo maior. Eis minha interrogação final: o que, unidos, podemos fazer de maior?

Dez anos da Pesquisa Doação Brasil e a descoberta da cultura de doação brasileira

*Por Andréa Wolffenbüttel, consultora técnica da Pesquisa Doação Brasil

Quando cheguei ao IDIS, há dez anos, recebi uma missão desafiadora: realizar uma pesquisa que revelasse quantos brasileiros doavam e quanto doavam. Dito assim, parece simples. Mas ninguém havia feito isso antes — e as dúvidas eram muitas.

Havia quem defendesse que o foco deveria estar em quem não doa, para entender como conquistar esse público. Outros achavam mais importante compreender o doador, para estabelecer um diálogo mais eficaz e fidelizar as doações. Além disso, havia questões conceituais importantes: deveríamos considerar apenas doações em dinheiro? Ou também incluir doações de bens e trabalho voluntário?

Essas eram apenas algumas das perguntas que nos rondavam em um cenário sobre o qual pouco se sabia. O que hoje parece evidente — que os brasileiros são solidários, que a maioria faz doações, que há certo desconforto em falar sobre o ato de doar e uma desconfiança presente na relação entre doadores e organizações —, na época era desconhecido. A impressão predominante era de que a cultura de doação no Brasil ainda era incipiente.

Quando recebemos os resultados da primeira edição da Pesquisa Doação Brasil, ficamos surpresos: 77% dos brasileiros haviam feito algum tipo de doação em 2015. Mais da metade (52%) havia doado dinheiro e 43% contribuído com organizações sociais, campanhas ou grupos organizados. A reação da equipe foi de incredulidade. Pedimos ao Instituto Gallup, responsável pela coleta e análise dos dados na época, que reprocessasse os resultados. Achávamos que havia algum erro. Mas não havia.

Temíamos que os dados fossem questionados — como, de fato, foram. Ainda assim, o tempo se encarregou de dar perspectiva. A segunda edição da pesquisa, que analisou o comportamento dos doadores em 2020, um dos anos mais dramáticos da nossa história recente, veio confirmar tendências. Depois, veio a terceira. E agora, dez anos depois, lançamos a quarta edição da Pesquisa Doação Brasil, com resultados muito próximos aos da primeira.

O que se confirma é que a Pesquisa Doação Brasil foi um verdadeiro divisor de águas. Não apenas revelou a cultura de doação no país, como também contribuiu para fortalecê-la, ao lançar luz sobre comportamentos, motivações e barreiras que antes viviam no escuro.

Cultura de doação, recorrência e confiança: o que revelam os dados da Pesquisa Doação Brasil 2024?

*Por Fernando Nogueira, Diretor Executivo da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), e Vivian Fasca, Membro do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação (MCD) e Diretora de Marketing e Fundraising da Plan International Brasil

É sempre momento de celebrar quando chega uma nova edição da Pesquisa Doação Brasil. Em especial, por vários motivos. Para começo de conversa, há muitas boas notícias, como o aumento do valor doado pelos brasileiros, a melhoria de vários indicadores, a expressão da solidariedade brasileira em tempos de emergências. Além disso, é fundamental termos cada vez mais dados de qualidade sobre o setor social. Finalmente, muitos vivas à pesquisa por sua regularidade e constância. Facilita análises de tendências de bases históricas, além de sinalizar um amadurecimento institucional do IDIS, dos investidores que acreditam nesta ideia e do ecossistema de filantropia brasileira.

Este artigo é fruto de uma leitura dos dados da pesquisa pela lente da Cultura de Doação. Se queremos um Brasil cada vez mais doador, é fundamental termos iniciativas como esta que tragam dados e nos ajudem a ver tendências, avanços e desafios.

A partir do olhar da cultura de doação, escolhemos focar em dois aspectos: a recorrência das doações e a questão da confiança. Sabemos que são fatores fundamentais para um Brasil mais doador. Se a doação for vista, cada vez mais, como prática cotidiana, será natural que a frequência das doações aumente. E confiança é um consenso na literatura acadêmica: é fator decisivo na motivação das doações. Os dados revelados pela pesquisa mostram razões para otimismo, mas também alertas que precisam de atenção para quem trabalha no setor social.

 

Doações recorrentes: de novo esse assunto?

Doações recorrentes de indivíduos, especialmente com frequência mensal, são essenciais para que o volume de recursos financeiros arrecadados seja suficiente para contribuir para a sustentabilidade financeira de organizações da sociedade civil. Por outro lado, um volume maior de brasileiras e brasileiros doando todos os meses dinheiro para causas socioambientais, demonstra que a cultura de doação está mais madura e permeia hábitos e valores das pessoas.

Portanto, o achado da Pesquisa Doação Brasil 2024 sobre a redução do volume de pessoas dispostas a doar mensalmente para a mesma organização, caindo de 44% em 2022 para 39% em 2024, é motivo de reflexão. Essa queda vem acompanhada de outro dado importante: a prática de doar para as mesmas organizações, ano após ano, está em declínio, com apenas 49% afirmando manter esse padrão, contra 55% em 2020 e 69% em 2015.

Entre os fatores para explicar a queda na fidelização às instituições, a Pesquisa identificou que os doadores brasileiros estão mais cautelosos e criteriosos, buscando decisões mais embasadas para escolher as organizações que merecem receber suas doações, muitas vezes cancelando suas doações por falta de confiança, transparência ou clareza por parte dessas mesmas instituições. Se por um lado, isso pode ser compreendido como maior maturidade do doador institucional brasileiro, aquele que doa dinheiro, também revela o quanto o distanciamento e desconhecimento em relação, especialmente às organizações da sociedade civil, desperta um grau alto de desconfiança.

Isso é um indicador de quanto ainda é preciso avançar na promoção da cultura de doação, fortalecendo e aproximando as organizações da sociedade civil que atuam no país da população brasileira em geral, reforçando o ato de doar como parte do exercício de cidadania, ao mesmo tempo em que as próprias organizações precisam reforçar, em seus canais de comunicação, informações claras e transparentes sobre sua atuação e impacto, e sobre como utilizam os recursos financeiros que recebem. Apesar da queda das doações institucionais mensais, observou-se na Pesquisa que doações feitas com intervalos maiores, por exemplo, de 6 em 6 meses aumentaram. Este dado somado ao crescimento das doações emergenciais, que representaram 74% das motivações para doar em 2024, num ano recheado de emergências, como a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, indica que pode estar havendo competição na carteira dos doadores brasileiros entre o comprometimento contínuo com uma causa/uma organização e as várias emergências que acontecem ao longo do ano. Como estamos em tempos de intensificação da crise climática, que provavelmente tornará as emergências do clima mais frequentes, este pode não ser um dado pontual de 2024.

Será necessário acompanhar este comportamento nos próximos anos, para compreender as preferências dos doadores institucionais brasileiros em relação às doações recorrentes de dinheiro. Em alguns países, os doadores institucionais dão preferência a doações pontuais repetidas vezes ao longo do ano, o que podemos chamar de doações ocasionais, mas evitam se comprometer com a doação todos os meses. E em alguns casos, o valor doado anualmente atinge valores altos, mesmo sem a frequência mensal. Isso exige também uma abordagem diferente por parte das organizações, realizando campanhas contínuas com o pedido de doação.

 

Confiança: desconfiamos que isso é importante…

Apesar da maioria dos brasileiros reconhecer a importância das ONGs e sentir-se bem ao doar, ainda há muito espaço para aumento na cultura e na prática da doação. Esta nova edição da Pesquisa Doação Brasil reforça o quanto a confiança é um dos fatores-chave na consolidação desta cultura. Quem confia mais, tem mais tendência a doar. Mas o outro lado também é verdadeiro: quem confia menos, doa menos.

A confiança como motivadora da doação aparece de muitas formas. Pode se revelar nos critérios e cuidados para fazer a doação: as razões mais citadas para fazer uma doação se relacionam a conhecer bem a causa e a organização beneficiada.

Pode aparecer também como os motivos que mais influenciaram em uma decisão de doação. Não surpreende que igrejas, grupos comunitários, família, amigos ou vizinhos sejam citados como os grupos de maior influência. Não por acaso, são os grupos nos quais tendemos a depositar nossa maior confiança.

 

A desconfiança como razão para não doar também tem muitas facetas

Só 30% acreditam que a maior parte das ONGs é confiável. Similar à edição anterior, mas muito abaixo dos 41% da edição de 2020 – e também muito abaixo do que gostaríamos. Quanto maior a renda do potencial doador, maior a desconfiança em relação às ONGs e ao uso dos recursos.

33% afirmam que as ONGs deixam claro o que fazem com os recursos que recebem. Quando perguntado de forma mais específica, se o respondente confiaria no uso do seu dinheiro doado, a desconfiança aumenta mais ainda, pulando para 46%. Esse número vem subindo de forma lenta e consistente desde a primeira edição.

A Pesquisa também destaca um subgrupo: homens adultos (entre 30 e 50 anos) são os que mais desconfiam das ONGs, enquanto mulheres, jovens e idosos tendem a ter uma visão mais favorável. Esse dado parece estar alinhado ao de outras pesquisas feitas no Brasil e no mundo sobre a polarização política e a descrença na sociedade civil entre pessoas com esse perfil, e merece atenção especial em futuros estudos.

Finalmente, a pesquisa aprofunda o olhar para não-doadores. Em 2024, a falta de confiança e transparência chegou à liderança para este grupo, como razão para não doar (citada por 38% dos respondentes), praticamente empatada com a falta de condições financeiras (37%). A tendência é preocupante: a desconfiança como motivo de não doação passou de 12% das citações em 2020 para os atuais 38%!

Mas nem tudo parece perdido. Perguntados se algo os faria voltar a doar, 69% se mostraram dispostos, o maior número nas últimas três edições. Entre as principais condições para voltar a ser doador, 3 das 4 respostas mais citadas envolve algum aspecto ligado à confiança (saber como o dinheiro será usado, conhecer uma organização em que confie, transparência / prestação de contas).

 

Reflexões finais

Os resultados da Pesquisa Doação 2024 chegam num contexto desafiador para a promoção da cultura de doação no País e para o aperfeiçoamento das práticas de captação de recursos pelas organizações da sociedade civil.

Estamos diante de um cenário com mudanças significativas na filantropia internacional com redução de recursos e maior competição junto aos financiadores institucionais, ainda sem observar crescimento significativo do investimento social privado brasileiro e de doações corporativas, para além do aporte em projetos incentivados, que recebem recursos via leis de incentivo fiscal.

Nesse contexto, o copo parece meio vazio com o dado geral da Pesquisa Doação de 2024, indicando queda na proporção de brasileiros que doaram em 2024: 78%, ante 84% em 2022, patamar similar ao de 2015.

Por outro lado, para compensar este contexto desafiador, a Pesquisa Doação 2024 apresenta o copo meio cheio com dados animadores, como o crescimento do percentual de doadores institucionais brasileiros, os que doam dinheiro para causas. 43% da população brasileira manifestou ter doado dinheiro em 2024, o maior percentual registrado desde 2015.

O crescimento também do valor médio doado para R$ 1.180, ante R$ 833 em 2022 é também boa notícia, registrando uma mediana de R$ 480 por doador, em 2024, ante R$ 300 em 2022. Esses dados nos mostram que, apesar de termos uma estrada pela frente para tornar a doação entre brasileiras e brasileiros parte fundamental da nossa cultura, estamos evoluindo e temos um potencial imenso a ser explorado em várias dimensões nos próximos anos.

Juntos pelo Rio Grande do Sul: a força da solidariedade em situações emergenciais

*Por Murilo Nogueira, diretor administrativo & financeiro da Fundação Bradesco

A solidariedade continua sendo um valor profundamente enraizado na sociedade brasileira. Segundo a Pesquisa Doação Brasil, desenvolvida pelo IDIS, 82% da população acredita que situações emergenciais justificam a doação de recursos, e 50% dos brasileiros afirmam ter doado com esse objetivo em 2024. O ano foi marcado por dez eventos climáticos extremos, sendo três considerados sem precedentes, como as chuvas no Rio Grande do Sul, a maior tragédia climática da história do país, e as severas secas na Amazônia e no Pantanal.

Com mais de 68 anos de atuação, a Fundação Bradesco é o maior projeto de investimento social privado do Brasil, promovendo educação gratuita e de qualidade para quem mais precisa. Mantém uma rede de 40 escolas próprias, presentes em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, atendendo a mais de 42 mil alunos, por ano, na Educação Básica regular. Histórias reais e milhares de vidas impactadas: é assim que a Fundação reafirma, todos os dias, sua convicção de que só a educação transforma.

Com base nesse compromisso institucional, a Fundação Bradesco estruturou sua atuação emergencial no Rio Grande do Sul, a partir de três pilares: articulação, escuta e cuidado. Presente no estado com três unidades escolares em Bagé, Gravataí e Rosário do Sul, a Fundação mobilizou seus públicos de influência para atuar com
rapidez e efetividade.

A campanha “Juntos pelo Rio Grande do Sul” mobilizou colaboradores da sede da Fundação, das escolas Osasco I e II e da Organização Bradesco em uma ampla rede solidária. Como resultado, foram arrecadadas cinco toneladas de donativos, entre roupas, produtos de higiene e mantimentos, enviados diretamente às regiões atingidas. A Escola Fundação Bradesco de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, assumiu papel central na operação, tornando-se o ponto de recebimento e distribuição das doações provenientes de diversas localidades do País, inclusive por meio de aviões particulares.

A estrutura da unidade foi adaptada para armazenar e organizar os donativos, garantindo agilidade na entrega às comunidades mais afetadas. Esse movimento foi viabilizado pelo engajamento dos colaboradores locais e pela atuação coordenada de toda a rede. A resposta incluiu ainda um aporte financeiro de R$ 1 milhão ao governo gaúcho, contribuindo para as ações emergenciais no território. Internamente, os colaboradores das unidades locais receberam medidas de apoio, como antecipação do 13º salário, suporte psicológico e acompanhamento social, ações que garantiram acolhimento em um momento de extrema vulnerabilidade.

Nas salas de aula, a empatia também esteve presente. Mais de 1.500 cartas escritas por estudantes de todo o Brasil foram enviadas às famílias afetadas, levando palavras de conforto e esperança — um gesto simbólico que reforça o papel educativo da solidariedade.

A cultura de doação no Brasil é cíclica e tende a reagir às crises: caiu durante a pandemia, retomou em 2022 e voltou-se fortemente às emergências climáticas em 2024. A Pesquisa Doação Brasil também aponta que o atual cenário de baixa confiança e incerteza econômica tem levado a população a adotar posturas mais críticas e seletivas em relação às doações. Em contraste, a Fundação Bradesco mantém, há mais de sete décadas, um legado de compromisso contínuo com a transformação social, sustentado por uma gestão responsável e pela solidez de um modelo institucional que alia visão de longo prazo, sustentabilidade financeira e impacto real. Com investimentos anuais na ordem de R$ 1,5 bilhão e mais de R$ 10 bilhões aplicados na última década, a Fundação reafirma que a confiança se constrói com consistência, transparência e entrega real de valor à sociedade.

Diante desse cenário, a atuação coordenada, transparente e sensível da Fundação Bradesco reafirma a importância da integridade institucional e da confiança como base para mobilizações efetivas. A experiência no Rio Grande do Sul trouxe aprendizados valiosos — da logística solidária à escuta ativa — e reforçou o papel estratégico das instituições educacionais em tempos de crise.

Agora e no futuro, a Fundação continuará atuando com propósito em causas sociais estruturantes e em situações emergenciais, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, resiliente e empática.

Cooperar é somar: Quando a solidariedade vira estratégia de transformação

*Por Romeo Balzan, superintendente de cooperativismo na Fundação Sicredi

Em 2024, o Brasil foi sacudido por uma sucessão de desastres climáticos que deixaram cicatrizes profundas no território e no coração do País. As enchentes no Rio Grande do Sul não foram apenas uma tragédia — foram um grito de alerta. Um chamado urgente para entrarmos em ação. E foi exatamente isso que o Sicredi fez. No epicentro da maior crise climática da história gaúcha, escolhemos estar onde sempre estivemos: ao lado das pessoas. Transformamos presença em ação, e ação em esperança. Mostramos que cooperar não é apenas um valor — é uma estratégia de transformação. Em um país onde metade da população respondeu com doações em 2024, e onde cresce a expectativa de que empresas sejam parte da solução, o Sicredi escolheu liderar pelo exemplo. Escolheu agir. Escolheu cooperar.

 

Solidariedade que se organiza, cooperação que se multiplica

A campanha “1 + 1: Cooperar é somar” foi mais do que uma iniciativa de arrecadação. Foi um convite à empatia ativa e à ação coletiva. Cada real doado por associados, colaboradores e comunidade foi dobrado, gerando um efeito multiplicador de solidariedade. O resultado foi uma mobilização histórica que movimentou R$ 25,4 milhões em doações, com contribuições da comunidade, da Fundação Sicredi e das cooperativas.

Mas a cooperação não parou por aí. Outro R$ 1,3 milhão foi doado por parceiros nacionais e internacionais, um valor também intermediado pela Fundação Sicredi, ampliando o alcance das ações emergenciais.

E, em uma terceira frente de apoio, as Centrais e Cooperativas do Sicredi destinaram mais de R$ 17,1 milhões diretamente às comunidades, com foco especial em  colaboradores e escolas participantes dos programas de educação. Além disso, por meio dos Fundos Institucionais do Sicredi, foram direcionados mais de R$ 48,7
milhões ao apoio das regiões atingidas.

No total, os esforços do Sicredi somaram mais de R$ 92 milhões em apoio direto às comunidades e cooperativas afetadas. Cada centavo, um gesto de cuidado. Cada entrega, uma ponte entre o trauma e a reconstrução. É a cooperação fazendo a diferença real na vida das pessoas.

 

Quando a reputação se constrói com ação

A Pesquisa Doação Brasil 2024 revelou um dado poderoso: 70% dos doadores emergenciais valorizam e se lembram das empresas que doaram. E mais: 48% acreditam que é responsabilidade das empresas agir em emergências, enquanto 46% acham que elas ainda fazem pouco.

O Sicredi escolheu fazer mais. Mobilizou sua rede, seus fundos, seus parceiros e sua comunidade. Transformou capilaridade em logística humanitária. E, acima de tudo, mostrou que reputação não se constrói com marketing — se constrói com coerência.

 

Confiança se conquista com presença

Em um país onde apenas 31% da população confia que as ONGs deixam claro o que fazem com os recursos, a transparência virou um ativo estratégico. A Fundação Sicredi assumiu a gestão dos recursos com rigor, rastreabilidade e foco nas reais necessidades locais. Cada ação foi pensada para gerar impacto com responsabilidade. Cada entrega, uma reafirmação de confiança.

 

O cooperativismo como infraestrutura social de confiança

A crise de 2024 não apenas testou estruturas — ela revelou vocações. A do Sicredi sempre foi clara: ser um agente de transformação social. A experiência reforçou a importância de protocolos de resposta, mas também de algo mais profundo: uma cultura de solidariedade institucionalizada.

A solidariedade é um valor do cooperativismo, fazendo parte do DNA das cooperativas, sendo ela um ingrediente essencial da atuação local do Sicredi.

A Pesquisa Doação Brasil também mostrou que 45% dos brasileiros atribuem grande responsabilidade às empresas na solução de problemas sociais e ambientais — número que cresce entre os mais escolarizados e com maior renda. Isso nos desafia a ir além da filantropia pontual. A construir estratégias de impacto social com visão de longo prazo.

 

E o futuro? Ele começa agora.

O futuro que queremos não se constrói apenas com planos — ele começa com escolhas. E diante das enchentes no Rio Grande do Sul, o Sicredi em nível nacional se uniu em apoio aos associados e comunidades atingidas. Mais do que uma resposta emergencial, foi reafirmar um posicionamento claro sobre o tipo de sociedade que queremos construir. Uma sociedade próspera, onde a cooperação seja o instrumento de conexão entre pessoas, empresas, poder público e demais entes sociais presentes nas localidades.

Em meio ao caos, fomos ao encontro de quem precisava. Agimos com empatia, estratégia e coragem. Cada gesto e recurso mobilizado, foi uma afirmação de que é possível fazer diferente. Reafirmamos, com ações concretas, nosso compromisso com um Brasil mais justo, resiliente e sustentável — onde empresas não apenas doam, mas se envolvem, se responsabilizam e se transformam junto com as comunidades. Porque aqui no Sicredi não é só dinheiro, é ter com quem contar.

Riqueza e propósito: o papel da filantropia nas famílias empresárias

Texto publicado originalmente no Valor Econômico em 17/07/2025

 

COMO A TRAJETÓRIA DOS FUNDADORES INFLUENCIA A CULTURA DE DOAÇÃO E OS CAMINHOS POSSÍVEIS PARA UM IMPACTO SOCIAL DURADOURO

Por Renato Bernhoeft – Fundador e Presidente do Conselho de Sócios da höft – bernhoeft & teixeira – transição de gerações, fundada em 1975 para apoiar sociedades empresariais e famílias empresárias a perpetuar seu conjunto de valores e seu patrimônio.

Há décadas me dedico a estudar a história e origem da empresa familiar no Brasil. Hoje trago uma reflexão sobre aspectos importantes e dignos de serem considerados na perspectiva do seu envolvimento com a ação filantrópica.

Um olhar para o século XX mostra que boa parte dos nossos empreendedores são imigrantes ou filhos de imigrantes, especialmente oriundos da Europa e alguns países asiáticos, como exemplo o Japão. Foram pessoas que tratavam de fugir de guerras e países com uma economia em profunda crise. Ou seja, enfrentando dificuldades e desafios marcantes em suas vidas.

Chegavam ao Brasil com poucos recursos financeiros, mas com alguma habilidade e forte disposição para empreender. Isso quando não eram usados para substituir a mão de obra escrava, – especialmente em áreas distantes dos grandes centros, – que havia conseguido sua liberdade.

Já no século XXI começaram a surgir empreendedores brasileiros, que tentavam fugir do interior do país, pela falta de oportunidades de trabalho. Boa parte se concentrou nos estados de São Paulo, Rio, Minas Gerais e alguns estados do sul do país. Um registro importante desta fase, incluindo a atual, é o crescimento de empreendedoras mulheres. Especialmente com as conquistas femininas na sua liberdade, tanto na família como no mercado de uma maneira geral. Uma parte destes empreendedores, imigrantes e migrantes, hoje constituem a elite econômica no Brasil.

Ao participar do projeto Caminhos para uma atuação mais ampla e estratégica da filantropia familiar no Brasil, a convite do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, me dei conta de como esse histórico influencia na visão de mundo dessas famílias e está conectado a suas práticas de doação.

O levantamento que integra a publicação, realizado junto a filantropos atuantes e especialistas no tema, somado a minha experiência, me levou a identificar algumas diferenças na abordagem em relação à filantropia.

Há aqueles que declaram abertamente de que a riqueza construída se destina aos seus herdeiros, para que não passem pelas dificuldades que cada um enfrentou. Focam sua sucessão apenas no aspecto patrimonial, cuja tendência é de fortes disputas entre os membros da geração seguinte. Segundo minha experiência, estes processos podem resultar em forte competição entre as futuras gerações, a ponto de destruírem totalmente o patrimônio herdado.

Outros manifestam uma visão mais ampla e consideram que o importante do que construiu, é seu legado. Para alguns, essa dimensão está restrita a oferecer uma educação de ponta a seus descendentes e à transmissão de valores. Mas há aqueles que entendem que devem distribuir os resultados de suas conquistas tanto com os seus herdeiros quanto com o país, a comunidade e aqueles que permanecem numa situação de inferioridade na economia do país.

Um dos desafios para que esta posição dos fundadores possa se prolongar às próximas gerações é de que o patrimônio sofre uma pulverização acionária, o que também tem sido acompanhado por conflitos entre os interesses dos herdeiros das gerações seguintes. Desta forma, é importante que os fundadores, e patriarcas (sejam do sexo feminino ou masculino) criem políticas e estruturas de governança onde os ganhos patrimoniais sejam também destinados a entidades filantrópicas e, paralelamente, aos seus descendentes.

Conforme revela o levantamento do IDIS, existem famílias que criaram fundações próprias de maneira que suas práticas filantrópicas sejam realizadas de forma perene e com governança bem definida. Há aquelas, inclusive, que optam pela criação de fundos patrimoniais, mecanismo que garante que o recurso destinado seguirá gerando benefícios socioambientais.

Considerando que no Brasil o estímulo oficial para apoio às entidades filantrópicas ainda é insuficiente, se torna importante também que alguns filantropos coloquem a serviço do setor seu poder de influência e redes de relacionamentos, contribuindo para um ambiente regulatório mais favorável.

Existe um amplo potencial não só para envol­ver novas famílias e indivíduos em atividades filantrópicas, mas também para ampliar o volume e o impacto de quem já doa. O trabalho inédito desenvolvido pelo IDIS e do qual tive a oportunidade de participar, apresenta um diagnóstico de onde estamos a apresenta um mapa estratégico claro para mudarmos esse panorama.

Fica aqui o convite para que, a cada dia, novas famílias se disponham a ter uma participação ativa no universo da filantropia e para que todos que se envolvem na gestão de seus patrimônios, as aconselhem nesta direção, especialmente se considerarmos que vivemos em um país extremamente injusto e socialmente desequilibrado.

 

Inteligência artificial pode alavancar mudanças socioambientais positivas

Tecnologia tem o potencial de trazer mais eficiência ao terceiro setor, mas seu uso exige senso crítico e atenção à diversidade

Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, 13/06/2025

Por Paula Fabiani, CEO do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) e destaque no Prêmio Empreendedor Social 2020

Os desafios sociais e ambientais que enfrentamos exigem respostas à altura de sua complexidade. Diante de crises interligadas —mudanças climáticas, desigualdades sociais, insegurança alimentar e acesso precário à saúde e educação— a busca por soluções precisa ir além dos caminhos tradicionais.

IA (inteligência artificial) desponta como uma aliada estratégica, capaz de potencializar ações, ampliar o impacto e acelerar transformações sociais urgentes.

Dado Ruvic/REUTERS

Na última semana, tive a oportunidade de participar do Google.org Impact Summit, em Londres. O evento reuniu lideranças do setor social, filantrópico e da tecnologia para discutir como a IA pode contribuir com causas de interesse público.

Entre os casos apresentados, vimos exemplos concretos de como a tecnologia vem sendo usada para prever desastres naturais, apoiar estudantes, acompanhar gestantes e monitorar a coleta de lixo. Cada uma dessas aplicações mostrou que o potencial da IA vai muito além do setor privado, mas pode promover o bem comum.

Em um dos seus movimentos desse uso sustentável, o Google.org está aportando US$ 30 milhões para organizações que promovem e utilizam IA. No entanto, esse potencial ainda é pouco aproveitado por organizações sociais e filantrópicas.

O uso dessa tecnologia pode representar ganhos significativos de eficiência: desde o aprimoramento de processos internos até o monitoramento de resultados e o fortalecimento da tomada de decisões. Também há oportunidades para reduzir a burocracia entre doadores e organizações, melhorar a comunicação e ampliar a transparência.

Mas para isso, é necessário investimento —não apenas financeiro, mas em capacitação, infraestrutura e mudança cultural. Boa parte do terceiro setor ainda carece de recursos financeiros, técnicos e humanos para incorporar a IA de forma estratégica.

Como então aproximar essas organizações do universo tecnológico, que é disruptivo, acelerado, orientado a dados e pautado por uma lógica de escala? Essa foi uma das reflexões centrais do evento: é preciso criar pontes entre mundos que falam línguas diferentes, mas que, juntos, podem produzir soluções inovadoras.

No IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), esse desafio virou prioridade. Em nosso planejamento estratégico, colocamos a ampliação do uso da tecnologia como um dos pilares para os próximos anos.

Uma das iniciativas em andamento é a construção de uma parceria com a Simbi, startup brasileira de impacto social, para desenvolver uma plataforma automatizada de gestão de portfólio de projetos.

A ferramenta permitirá o acompanhamento em tempo real de indicadores, execuções orçamentárias e alinhamento com os objetivos filantrópicos e corporativos das organizações apoiadoras. É uma aposta na inteligência dos dados a serviço do impacto.

Ao mesmo tempo, é preciso ter consciência dos riscos e limitações da IA. Tecnologias podem reproduzir —e até intensificar— desigualdades, especialmente quando operam com base em dados enviesados. Além disso, o uso massivo de energia para treinar e operar modelos de IA levanta alertas sobre seu impacto ambiental. Há também preocupações éticas, morais e sociais que não podem ser ignoradas.

Por isso, o capital humano continua sendo insubstituível: é preciso senso crítico, sensibilidade e diversidade para orientar o uso da IA em direção a resultados positivos e equitativos.

As possibilidades de convergência entre tecnologia e impacto social são promissoras. Organizações e profissionais precisam se adaptar a essa nova realidade que está transformando o mundo em que vivemos.

Crise em Harvard mostra como fundos patrimoniais blindam universidades

Andrea Hanai, gerente de projetos do IDIS e especialista em fundos patrimoniais

O recente embate entre a Universidade de Harvard e o governo dos Estados Unidos, que culminou no congelamento de US$ 2,2 bilhões em financiamento federal anunciado por Donald Trump, lançou luz sobre a importância estratégica dos fundos patrimoniais, os chamados endowments. Diante de pressões políticas, Harvard pôde manter sua autonomia e posição de destaque global graças ao maior fundo patrimonial universitário do mundo, com um patrimônio de US$ 53 bilhões (R$ 288 bilhões). O episódio expõe, de maneira eloquente, como os endowments são instrumentos poderosos de proteção institucional e autonomia universitária – um aprendizado especialmente valioso para países como o Brasil.

No contexto brasileiro, os fundos patrimoniais ainda engatinham, mas mostram sinais de avanço. Desde a promulgação da Lei nº 13.800/2019, que regulamenta a constituição e gestão de fundos patrimoniais filantrópicos, o número de iniciativas ligadas a universidades saltou de oito para 39. Segundo o Monitor de Fundos Patrimoniais, lançada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, o país soma hoje 122 endowments ativos, com um patrimônio total de R$ 157,3 bilhões. Deste montante, R$ 156,5 milhões estão vinculados a instituições de ensino superior – uma fatia ainda pequena, que representa cerca de 1% do total.

Embora modestos em comparação aos padrões internacionais, esses números indicam uma transformação em curso. Universidades públicas como USP, Unicamp, ITA e Unesp já estruturaram seus próprios fundos, voltados ao apoio de programas de pesquisa, ciência e tecnologia, extensão universitária e políticas de permanência estudantil. Esses recursos, administrados com governança e transparência, são uma resposta concreta aos frequentes cortes orçamentários que afetam o ensino superior brasileiro.

A realidade americana ilustra o potencial transformador dos endowments. De acordo com o mais recente relatório do Conselho para o Avanço e Apoio ao Ensino Superior (CASE), instituições de ensino superior nos EUA arrecadaram US$ 61,5 bilhões em contribuições voluntárias em 2024, um aumento de 3% em relação ao ano anterior, ajustado pela inflação. Quase metade das doações foi destinada a bolsas de estudo e assistência financeira a estudantes – refletindo o papel central que os fundos patrimoniais desempenham na democratização do acesso à educação.

Por aqui, a construção dessa cultura é o grande desafio. Ainda há desconhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos fundos patrimoniais, resistência à doação por parte do setor privado e poucos incentivos fiscais. Avançar exige vontade política, articulação entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, e, sobretudo, o fortalecimento da cultura de doação.

A boa notícia é que os primeiros resultados começam a aparecer. Segundo o IDIS, o número de fundos patrimoniais mais do que dobrou desde 2021 e 72% dos ativos totais estão alocados em instrumentos financeiros de baixo risco, o que demonstra prudência e amadurecimento na gestão. Em 2023, os 74 fundos patrimoniais participantes do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais, relataram a destinação de R$ 3,2 bilhões para organizações socias e causas de interesse público.

A experiência de Harvard demonstra que autonomia acadêmica e liberdade institucional custam caro – e devem ser protegidas. Fundos patrimoniais são mais do que instrumentos financeiros: são garantias de resiliência para organizações que trabalham por causas públicas, como o ensino, a ciência e a inclusão. Se o Brasil quiser ter universidades mais fortes, menos vulneráveis a ciclos políticos e mais alinhadas ao futuro, precisa colocar os endowments no centro de sua estratégia de financiamento do ensino superior. A oportunidade está posta. Cabe agora consolidar o terreno fértil que começa a despontar.

Você já ouviu falar em Institutos e Fundações Comunitárias?

O conceito de Fundação Comunitária ou Community Foundations surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente em Cleveland/Ohio, como uma solução para a dificuldade que os bancos encontravam em satisfazer o desejo de seus clientes de doar parte de próprios patrimônios em testamentos para endereçar demandas sociais da cidade. À época, não existiam estruturas jurídicas nem modelos consolidados que permitissem doações flexíveis voltadas a demandas locais de maneira organizada e permanente. A fundação comunitária foi uma inovação justamente por oferecer essa governança comunitária e flexibilidade.

Desde então, as Fundações Comunitárias se espalharam pelo país e se tornaram populares no resto da América do Norte, Europa e, nas últimas décadas, nos outros continentes. De acordo com o Community Foundation Atlas, em 2014, cem anos após o surgimento da primeira fundação comunitária, existiam mais de 1.800 dessas organizações no mundo, que movimentam anualmente mais de USD 5 bilhões (ou 25 bilhões de reais).

EXPLORANDO O CONCEITO

Mas o que são Fundações e Institutos Comunitários (FICs)? Certamente você conhece ou já ouviu falar de organizações da sociedade civil (OSCs) que atuam em prol de causas como saúde, combate à fome, educação, meio ambiente, entre outras. Diferente das OSCs tradicionais, as FICs atuam em um território geográfico definido — seja um bairro, distrito, cidade ou região — e trabalham para solucionar os problemas prioritários daquela localidade. A causa central das FICs é o próprio território em que atuam. Por isso, sua atuação é multitemática, abrangendo uma diversidade de temas e questões relevantes para a comunidade local.

Há um ditado na área da filantropia comunitária que diz “conheça uma fundação comunitária e você terá conhecido apenas uma”. Não há duas fundações comunitárias iguais em nenhum lugar do mundo, apesar das características, valores e princípios serem os mesmos ou muito similares.

As FICs se diferem das organizações tradicionais também em outros princípios como:

  • Organizações locais
  • Representadas por membros da comunidade
  • Organizações juridicamente estabelecidas e perenes
  • Multitemáticas
  • Financiadas por fontes de recursos diversas
  • Visão de longo prazo
  • Majoritariamente grantmakers
  • Assessoram a jornada filantrópica do doador
  • Provedoras de apoio institucional e técnico às organizações e iniciativas sociais locais.

 

As FICs são protagonistas da interlocução entre organizações sociais e doadores, sociedade civil e poder público, promovendo transparência e engajamento. Esse modelo de organização social fomenta o protagonismo local e empodera a comunidade reduzindo desigualdades, promovendo o desenvolvimento local sustentável e agindo como interlocutora dos diversos stakeholders (parte interessadas). Veja o funcionamento:

VALORES DAS FICS

As FICs contribuem para a defesa de interesses públicos e da melhoria na qualidade de vida da sociedade como um todo, não à toa possuem valores imprescindíveis para sua atuação:

  • Protagonismo Comunitário: valorização dos ativos locais e engajamento cívico local como as principais forças condutoras do processo de desenvolvimento de comunidades, no qual cidadãos são investidores e responsáveis pela transformação positiva da própria realidade, garantindo a legitimidade das ações promovidas, a defesa dos direitos e interesses comunitários, e a perpetuidade do movimento de melhoria da qualidade de vida local.
  • Defesa dos valores democráticos: como iniciativas coletivas, é imprescindível para o sucesso das FICs que elas defendam e promovam valores democráticos referentes ao direito à vida digna, à justiça social, à instituição de processos participativos, à garantia da liberdade de expressão e ao respeito à diversidade e defesa dos direitos humanos.
  • Transparência: a construção de relações de confiança a partir de comunicação transparente entre atores sociais, da abertura organizacional para o compartilhamento de informações e da divulgação de dados referentes às atividades, processos, tomadas de decisão e à gestão de recursos executadas pela FIC ao longo do tempo.
  • Práticas Sustentáveis: é fundamental o comprometimento das FICs com o uso consciente e sustentável dos recursos naturais do território.
  • Atuação em rede: crença na força das ações colaborativas como meio para se alcançar o desenvolvimento de longo prazo das comunidades sendo, desta forma, amplamente valorizada a articulação e o cultivo de parcerias com representantes dos setores público, privado e social.

INSTITUTOS E FUNDAÇÕES COMUNITÁRIAS NO BRASIL

No Brasil, juridicamente, as FICs podem ser formalizadas como associações — muitas vezes denominadas institutos — ou como fundações. Por isso, utilizamos localmente ambos os termos como sinônimos e nos referimos a elas como Fundações ou Institutos Comunitários, ou, simplesmente, FICs.

Reconhecendo a relevância dessas organizações para o desenvolvimento social inclusivo — com protagonismo da própria comunidade local — o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), em parceria com a Charles Stewart Mott Foundation, criou o programa Transformando Territórios. A iniciativa fomenta a criação, o fortalecimento e o desenvolvimento de Fundações e Institutos Comunitários no Brasil. Lançado em 2020, o programa atua em conjunto com diversos parceiros e apoiadores, oferecendo suporte técnico, institucional e financeiro às FICs, tanto de forma individual quanto ao coletivo, além de incentivar o engajamento de doadores e da sociedade civil.

Em 2025, 15 organizações de 10 estados brasileiros fazem parte do Programa. Desde o início do projeto, 18 organizações já foram apoiadas, das quais três previamente já se identificavam com o conceito de Fundação Comunitária. Ao participar do Programa, cada organização define sua trilha de desenvolvimento, com metas, objetivos e esforços alinhados com seus territórios, conhecimento e história. Com amplos diálogos, é definida uma estratégia de apoio para cada uma delas, respeitando os saberes, demandas e potenciais locais.


A partir da experiência de quatro anos na condução do programa Transformando Territórios, o IDIS lançou em 2024 um guia a partir de exemplos de quem já transforma territórios. Os conteúdos abordam desde os aspectos legais e estruturais de uma fundação ou instituto comunitário até as melhores práticas para envolver a comunidade local. Baixe agora!


SOBRE O TRANSFORMANDO TERRITÓRIOS

O Programa Transformando Territórios é uma iniciativa do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – com a Charles Stewart Mott Foundation para fomentar a criação e fortalecimento de Institutos e Fundações Comunitárias no Brasil, com o engajamento de doadores e sociedade civil, compartilhamento de conhecimento e apoio técnico.

Saiba mais sobre o programa e os participantes em www.transformandoterritorios.org.br

A filantropia como chave para resposta às tragédias anunciadas

Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal, em 12/03/2025

Por Karine Ruy (Fundação Gerações) e Paula Jancso Fabiani (IDIS)

As águas de janeiro voltam a inundar os noticiários e, infelizmente, as cidades e casas de centenas de milhares de brasileiros. Em 2021, as enchentes atingiram o Sul da Bahia; no ano passado, Porto Alegre; e, 2025 começa com o litoral paulista e tantas outras regiões enfrentando a mesma realidade.

De um lado, há a abundância de água; do outro, a escassez. Mesmo a Amazônia, conhecida por sua exuberância hídrica, enfrentou secas severas, uma metáfora cruel que ilustra a falta de recursos financeiros destinados a emergências como essas. Em um cenário em que esses eventos climáticos extremos tornam-se cada vez mais recorrentes e potentes, evidenciando a vulnerabilidade de nossas comunidades, 750 mil brasileiros já foram obrigados a se deslocar por desastres naturais, seja por inundações, secas, deslizamentos etc. Em números totais, a quantidade de pessoas em deslocamentos por esse motivo no mundo já superava aquela causada por guerras, repressão e violência em 2023, segundo a Organização Internacional de Migrações (OIM).

É nesse contexto em que a cultura de doação se revela imprescindível. Fortalecer a filantropia é essencial para potencializar ações que apoiam diretamente os afetados pelas mudanças climáticas. As doações e o trabalho de OSCs (Organizações da Sociedade Civil) são, frequentemente, as primeiras respostas em momentos de crise.

A experiência recente no Rio Grande do Sul é um exemplo disso. Diversas OSCs mobilizaram-se rapidamente para arrecadar recursos e ajudar as famílias atingidas pelas enchentes. Vimos um pico de doações e uma mobilização histórica. Mesmo com sedes inundadas, as organizações coordenaram voluntários, distribuíram, com eficiência, doações, e arrecadaram recursos financeiros para mitigar danos.

Registro feito durante visita da Fundação Gerações ao Instituto Camélia, após as enchentes que atingiram Porto Alegre e região [Foto: Marcos Pereira Feição]

No entanto, essas ações também expõem desafios. Algumas organizações, por exemplo, não dispunham de voluntários suficientes para gerir o grande volume de doações, enquanto outras observaram uma queda acentuada no fluxo de recursos financeiros à medida que a tragédia saía dos holofotes da mídia. Por isso, o conhecimento do território e a capilaridade das organizações locais são essenciais para que os recursos cheguem, de forma eficiente, a quem mais precisa.

O modelo de atuação com foco territorial surge como uma solução sistêmica e perene para articular doadores e organizações locais. No Rio Grande do Sul, o Fundo Porto de Todos, criado pela Fundação Gerações, apoiou OSCs locais para que estas pudessem retomar suas atividades após as enchentes. Iniciativas semelhantes já foram realizadas em outras regiões, como o Fundo de Chuvas, em Florianópolis, criado pelo ICOM (Instituto Comunitário Grande Florianópolis), e o Fundo Brumadinho, gerido pela Associação Nossa Cidade, que demonstraram a eficácia desse tipo de estratégia.

Em nosso contexto climático, tragédias como essas, infelizmente, têm a tendência de se repetirem de forma cada vez mais intensa. Estar preparado para a próxima crise antes mesmo da atual se encerrar é fundamental. Diagnósticos territoriais e a capacidade de mobilizar recursos e ativos diversos de forma estruturada das FICs (Fundações Comunitárias e Institutos) locais são ferramentas indispensáveis para enfrentar emergências. Lideranças locais, com conhecimento territorial, desempenham, portanto, um papel crucial na distribuição eficiente de recursos.

A filantropia estratégica pode ser a chave para responder com agilidade e impacto às tragédias. Se deseja contribuir, doe para organizações locais, como Fundações e Institutos Comunitários. Sabemos que desastres  continuarão acontecendo. A diferença que podemos fazer é como reagimos a eles. Apoiar quem já está no território, com experiência e compromisso com a comunidade, é o melhor caminho para minimizar os efeitos devastadores das mudanças climáticas.

Nota técnica | Governança em organizações da sociedade civil: framework para alocação estratégica de talentos

O amadurecimento de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) é um processo gradual e, muitas vezes, não linear. Uma governança bem estruturada é fundamental para organizações que buscam planejar o longo prazo e, no entanto, é comum que muitas dessas organizações não consigam dedicar a atenção necessária a aspectos essenciais de governança.

Um desses aspectos frequentemente negligenciados é o processo de alocação de dirigentes e conselheiros voluntários nas instâncias de alta gestão, uma tarefa que envolve desafios e complexidades.

Nesta Nota Técnica, elaborada por Felipe Insunza Groba, gerente de projetos, e Juliana Santos Oliveira, analista de projetos do IDIS, propomos um framework para apoiar o processo de alocação de talentos nas diversas esferas de alta gestão das organizações.


Baixe agora e acesso o documento na íntegra!

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Compliance no Investimento Social Privado: ética e transparência em foco

Por Luiza Helena Cordeiro, analista de projetos do IDIS

A ética e a transparência têm se tornado temas centrais nas discussões sobre governança, tanto no mundo corporativo quanto no terceiro setor. Em ambos os contextos, garantir a legalidade, legitimidade e segurança das informações é uma prioridade. No caso do investimento social privado (ISP), essa preocupação se torna ainda mais relevante, especialmente em relação ao repasse de recursos.

Certificar-se das conformidades legais e mitigar irregularidades ou riscos associados às doações são passos indispensáveis para promover ações de financiamento de projetos e organizações mais eficazes e seguras.

Independentemente da estratégia de ISP adotada, seja por meio de modalidades de grantmaking ou financiamento direto, a verificação de legalidade e riscos é uma etapa fundamental. Nesse cenário, a análise de compliance é imprescindível para garantir segurança e transparência. Além de reunir estratégias para prevenir problemas, ela fomenta um ambiente de confiança, solidariedade e justiça, permitindo que o investimento social privado cause transformações reais e positivas. 

Mas, afinal, como implementar uma análise de compliance eficiente? 

Alinhamento entre processo e estratégias

O ponto de partida para um compliance bem-sucedido é a estruturação de um processo alinhado com as estratégias de ISP do investidor. Este programa deve alinhar-se à missão, valores e estratégias da organização, criando um modelo ético e transparente e, que ao mesmo tempo, reflita no seu ‘DNA organizacional’.

Como primeiros passos, a elaboração de códigos de conduta e ética é fundamental para construção de documentos e para estabelecer princípios claros que guiem o comportamento interno e externo da organização. Para refinar esses códigos de conduta, é necessário incorporar metodologias para identificação de riscos, utilizando ferramentas específicas para mapear ameaças potenciais, tanto internas quanto externas.

Outro aspecto é a vigilância em relação às mudanças na legislação. O acompanhamento regulatório permite que as organizações estejam sempre alinhadas às normas aplicáveis. Ferramentas de monitoramento legislativo e a revisão constante de políticas internas ajudam a garantir o cumprimento dos  padrões regulatórios. 

 

Adaptação às realidades locais

No ISP, é importante considerar as especificidades das organizações beneficiadas. Um exemplo disso é o Instituto Chamex, que, com o apoio técnico do IDIS, promove o Edital Educação com Cidadania. Durante o processo de seleção, é realizada uma análise de compliance das organizações inscritas, levando em conta as limitações financeiras e estruturais enfrentadas por Organizações da Sociedade Civil (OSCs) menores. 

A prática é bem-vinda, já que um programa de compliance excessivamente rígido pode inviabilizar parcerias promissoras, prejudicando tanto o doador quanto o receptor. Por isso, é importante também adotar uma abordagem flexível, pautada nos princípios da confiança e no respeito às particularidades locais.

Essa perspectiva é reforçada pela trusted-based philanthropy, que defende a construção de relações baseadas na confiança mútua, em vez de regras excessivamente burocráticas. Como destaca o The Ethics & Compliance Initiative:
“A integridade no ambiente de trabalho não se trata de um conjunto de regras aplicáveis apenas a situações específicas, mas de algo que deve estar presente no cotidiano das operações.”

 

Engajamento e monitoramento contínuo

A implementação de um programa de compliance eficiente exige o envolvimento ativo dos colaboradores e lideranças. Treinamentos periódicos e conscientização da equipe são indispensáveis para consolidar uma cultura de transparência e integridade. 

Além disso, é essencial estabelecer mecanismos de monitoramento contínuo, como relatórios de atividades e prestação de contas, auditorias e feedbacks regulares. A organização deve adotar sistemas seguros para armazenamento e processamento de informações, garantindo a conformidade com legislações como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Políticas robustas de proteção de dados são necessárias para evitar violações, proteger informações sensíveis e mitigar riscos relacionados à privacidade. Os instrumentos garantem a conformidade das ações, como também fortalecem a confiança entre investidores e organizações beneficiadas. 

A análise de compliance, quando bem estruturada, é uma ferramenta estratégica para identificar e solucionar riscos, fortalecer parcerias e combater práticas de corrupção. Ao combinar ética, transparência e adaptação às realidades locais, o compliance contribui para a construção de um investimento social mais seguro e impactante.

O IDIS oferece apoio técnico a parceiros que desejam fomentar uma cultura organizacional baseada na confiança, monitoramento ativo e engajamento contínuo. Entendemos que é o caminho para alcançar mudanças sociais reais e sustentáveis, promovendo um ciclo virtuoso de desenvolvimento pautado na justiça e na solidariedade.

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Filantropia deve ser ousada para gerar impacto social duradouro

Esse artigo foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 06/12/2024

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS

O setor de filantropia no Brasil está passando por um momento de transformação, impulsionado pela crescente demanda por soluções sociais inovadoras e pela necessidade de nova postura diante dos desafios estruturais e conjunturais do país.

O cenário econômico e social, agravado por policrises cada vez mais imprevisíveis, porém constantes, escancara desigualdades agudas, enquanto acelera mudanças nas expectativas sociais e no comportamento de investidores.

Desde que a filantropia atravessou o oceano e ganhou roupagens abrasileiradas, seu foco deixou de ser definido por uma única pessoa e passou a ser determinado pelas prioridades nos territórios.

O setor é desafiado a repensar suas práticas, a partir do que realmente vem sendo demandado pela população. Não há mais espaço para uma filantropia sem pluralidade de vozes.

Inovação é um dos pilares dessa transformação. A atual filantropia exige cada vez mais ousadia, transparência e engajamento estratégico para desenvolver metodologias, parcerias e ecossistemas que possibilitem soluções perenes.

Exemplos disso são modelos como fundos filantrópicos e filantropia comunitária, que buscam superar o imediatismo e adotar estratégias de médio e longo prazo para um impacto social positivo mais sustentável e replicável.

Porém o setor ainda enfrenta muitos nós. Um dos maiores obstáculos é a resistência à mudança dentro do próprio ecossistema. Coragem para inovar envolve, principalmente, enfrentamento de resistências culturais e estruturais, tanto dentro das organizações filantrópicas quanto na sociedade.

Outro desafio importante é governança. Há uma crescente demanda por maior transparência e responsabilidade por parte das instituições filantrópicas.

Doadores, organizações e público em geral esperam ver resultados tangíveis e medidos, o que pressiona organizações a adotarem práticas mais robustas de gestão e prestação de contas, com avaliações sobre o retorno dos valores doados.

Além de tudo isso, o cenário político brasileiro impõe barreiras. A falta de políticas públicas claras e de incentivos fiscais eficientes para doações limita o alcance de muitas iniciativas filantrópicas.

Em contrapartida, a filantropia tem potencial de influenciar essas políticas e promover mudanças, atuando em sintonia com o setor público e as necessidades das comunidades atendidas.

No futuro (não tão distante), espera-se que o papel do investidor social no Brasil evolua de uma postura puramente financeira para uma posição de liderança estratégica.

É essencial que o investidor do futuro compreenda que deve atuar como facilitador de rede, articulador de parcerias intersetoriais e defensor de causas que promovam inclusão, equidade e sustentabilidade. Ele também deve ter a coragem de financiar projetos ousados e apoiar ideias transformadoras.

O futuro da filantropia no Brasil depende da capacidade do setor de se adaptar e inovar em um ambiente em rápida mudança. Para tanto, será necessário vencer resistências, adotar novas abordagens e, acima de tudo, manter um foco claro na missão de reduzir desigualdades e promover o bem-estar coletivo.

Assim poderemos devolver, principalmente aos jovens, a capacidade de sonhar um outro país.

Sucessão em organizações sociais: agir antes que seja tarde

Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal, em 23/11/2024

Por Felipe Insunza Groba, Juliana Santos Oliveira e Paula Jancso Fabiani

A sucessão é um desafio inerente à vida e permeia todas as esferas da sociedade, seja nas empresas familiares, onde disputas por heranças podem gerar brigas quase fraticidas como na aclamada série Succession; na política, onde a transição de lideranças é usualmente marcada por períodos de instabilidades; ou até mesmo no seio de doutrinas religiosas, como a divergência entre xiitas e sunitas, fruto de uma disputa sucessória ocorrida após a morte do profeta Maomé.

A humanidade está repleta de exemplos de como sucessões podem ser pontos de inflexão na história, moldando o destino de nações e desencadeando grandes transformações sociais e, no Brasil, não é diferente. Após quase cinquenta anos de reinado de Dom Pedro II, a monarquia, sem uma sucessão bem estruturada, ruiu em poucos anos, demonstrando como a falta de planejamento pode fragilizar instituições consolidadas.

Quando vamos para o mundo empresarial, o recente falecimento de Silvio Santos, uma das personalidades mais conhecidas da televisão brasileira e fundador do Grupo Silvio Santos, coloca em dúvida a continuidade da empresa como a conhecemos hoje. Ao longo de décadas, Silvio construiu um império midiático e empresarial centrado em sua persona, deixando um desafio para suas sucessoras em lidar com a sua ausência.

No setor social, o padrão também se repete. Lideranças visionárias e notáveis, dotadas de paixão e visão, são a alma de muitas organizações da sociedade civil. Essas pessoas dedicam suas vidas a causas e ao bem comum, cativam pessoas para contribuírem com sua organização, e zelam pelo funcionamento delas como se fossem seus filhos. No entanto, essa mesma paixão que estrutura e impulsiona as organizações pode se tornar um obstáculo no momento da sucessão, resultando na chamada síndrome do fundador. Esse fenômeno, caracterizado pela dificuldade do fundador de uma organização em delegar responsabilidades ou preparar novas lideranças, pode enraizar uma dependência excessiva em sua figura central. Isso afeta a cultura organizacional, tornando a transição da liderança ainda mais desafiador. A síndrome também compromete diretamente os processos decisórios, muitas vezes engessando a capacidade de inovação da instituição.

Enfrentar ou mitigar os efeitos da síndrome do fundador requer clareza de propósito e planejamento, com ações que garantam a partilha da tomada de decisão de forma progressiva conforme a organização amadurece. Uma das principais abordagens é o fortalecimento da governança da organização por meio da criação de conselhos deliberativos, que integrem membros independentes com poder real de decisão. Isto porque a inclusão de pessoas com perfis diversos e sem vínculos afetivos com as lideranças atuais permite a oxigenação de ideias e a diluição da influência excessiva de líderes longevos ou até dos fundadores, garantindo que a governança seja mais equilibrada e representativa.

Este processo não costuma ser simples, uma vez que a distribuição de poder não se limita a questões técnicas e precisa considerar as emoções e vaidades inerentes à natureza humana. Compartilhar responsabilidades gradativamente e delegar tarefas antes da efetiva sucessão é uma forma de preparar uma nova geração de líderes e construir a confiança nas suas capacidades, minimizando conflitos e resistências. Muitas organizações optam pela criação de comitês de sucessão, dedicados a propor um plano de ação, mapear talentos e monitorar os processos sucessórios, garantindo que sejam bem conduzidos.

A transição da liderança da organização, no entanto, deve estar inserida em um plano de sucessão e contingência abrangente. A saída dos fundadores é apenas uma das possíveis mudanças que podem desafiar a continuidade de uma organização, e um bom plano de sucessão também deve contemplar a substituição de outros líderes-chave e colaboradores ao longo do tempo. Identificar os cargos críticos dentro da organização e desenvolver planos de sucessão individualizados para essas posições também é essencial. O IDIS passou por um processo de sucessão onde o fundador trabalhou junto à nova liderança e ao Conselho Deliberativo para garantir uma transição positiva para a organização, preservando sua cultura, valores e conhecimento acumulado. E atualmente buscamos trabalhar o processo de sucessão em diretorias e gerências estratégicas para a organização.

Para diminuir o estigma e o medo de conversas sobre sucessão em uma organização, é importante que o tema esteja sempre em pauta, de modo respeitoso e transparente, junto aos membros da governança e colaboradores. No que diz respeito à comunicação externa, é boa prática informar sucessões relevantes aos diferentes stakeholders, de parceiros e doadores aos atendidos pela organização. Isso assegura que as partes envolvidas estejam preparadas e alinhadas com o processo de transição, mitigando o sentimento de ruptura que pode ser gerado pelas mudanças.

A sustentabilidade financeira é outro fator crucial para garantir a fluidez dos processos de sucessão. Fundos patrimoniais, ou endowments, representam uma solução estratégica para garantir a perenidade de organizações da sociedade civil. Esses fundos, ao serem geridos de forma responsável, podem propiciar recursos suficientes para remunerar futuras lideranças, especialmente em cargos ocupados por voluntários a serem sucedidos. Além de assegurar recursos no longo prazo, a criação de fundos patrimoniais transmite segurança aos colaboradores quanto ao futuro da organização mesmo após alterações na liderança.

Embora o processo de sucessão seja repleto de incertezas, ao acolher novas vozes e saberes as organizações têm a oportunidade de revisar sua missão, atividades e práticas, alinhando-as com as novas demandas sociais e fortalecendo sua relevância. A sucessão, portanto, não deveria ser encarada apenas como um desafio, mas como uma janela de oportunidade para o fomento à inovação, uma chance de aprender com o passado mirando o futuro. A falta de planejamento sucessório pode comprometer a continuidade dos projetos sociais e prejudicar milhares de pessoas que se beneficiam ou até dependem dessas organizações. Para os líderes a serem sucedidos, é fundamental o envolvimento direto com a sucessão. Abordar o tema de forma proativa e antes que seja tarde demais é a única forma de perpetuar as mudanças nas vidas daqueles que são atendidos.

Acesse também a nota técnica ‘Governança em organizações da sociedade civil: framework para alocação estratégica de talentos’!

Por que grupos minorizados precisam participar da governança na filantropia?

Artigo publicado originalmente na Exame em 20/11/2024

* Por Viviane Elias Moreira e Andrea Hanai

Viviane Elias Moreira: "É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores." (Leandro Fonseca/Exame)

Viviane Elias Moreira: “É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.” (Leandro Fonseca/Exame)

Estima-se que tomamos aproximadamente 35 mil decisões diariamente, variando das simples às complexas. Embora sempre presente no nosso cotidiano, a tomada de decisão nem sempre é trivial. Nossa escolhas podem ser decisivas para nossas próprias vidas, ou afetar o futuro de nações, de organizações ou a vida de milhares, até milhões de outras pessoas.

Quando entramos na seara das instituições, chegamos a este assunto tão importante, mas ainda subestimado: a Governança. O conceito envolve sistemas, princípios, regras, estruturas e processos que levam pessoas a tomarem decisões mais adequadas, assertivas, sustentáveis, equilibradas, inclusivas e norteadas pela transparência.

Hoje, vamos falar especificamente da governança para o investimento socioambiental. Refletir sobre como são feitas as escolhas sobre a destinação de recursos para este ou aquele projeto ou organização. A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina, ou o privilégio, por vezes nos impõe.

No âmbito da filantropia, é preciso que o setor reconheça a importância da diversidade e inclusão em seus processos, objetivos e propósitos, passando a enxergá-la não apenas como uma responsabilidade moral, mas como um recurso estratégico para uma verdadeira transformação social. Muitas iniciativas filantrópicas já consideram a diversidade como critério para o direcionamento de recursos, bem como muitas organizações da sociedade civil já adotam critérios afirmativos em seus processos de contratação.

Contudo, a inclusão de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, para isso, a participação deste público nos processos decisórios da governança é fundamental, trazendo consigo a riqueza de decisões estratégicas que levam em conta uma pluralidade de perspectivas, conferindo legitimidade às ações.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica nas decisões em torno da filantropia, há uma redistribuição de oportunidades e de recursos, que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia, indo muito além de doações financeiras para causas sociais, envolvendo um conjunto de ações mais amplo e estruturado que visa o impacto positivo sistêmico e sustentável.

Quando a filantropia assume a diversidade como um valor essencial para a sua realização, o potencial de impacto é ainda maior, e isso reverbera de outras maneiras, seja promovendo mais justiça social, estimulando o desenvolvimento econômico ou impulsionando inovação e competitividade. No Brasil, onde as desigualdades sociais estão profundamente enraizadas em questões de raça, gênero e localização geográfica, fomentar essas práticas têm um exponencial poder de transformação.

Atingir a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador em espaços operacionais. E o cenário se torna ainda mais crítico em órgãos deliberativos da governança. Seguindo o ritmo atual, serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, por exemplo, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023, que ouviu 137 organizações da sociedade civil, em sua maioria ligadas à filantropia familiar e empresarial. No recorte de raça, apesar dos avanços, o percentual de pessoas brancas nos conselhos ainda é de 92%. Negros são 7%, amarelos/orientais, 1% , e há apenas 1 pessoa indígena mapeada neste espaço.

É claro que mudanças na governança de organizações já estabelecidas podem requerer tempo, o que poderia justificar o ritmo lento com o qual grupos minorizados vêm sendo incluídos em instâncias deliberativas. Porém, preocupa o fato de novas organizações da sociedade civil e novos processos decisórios em organizações estabelecidas estarem sendo criados sem que se leve em conta a diversidade e inclusão.

Um estudo recente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que traz dados de 74 fundos patrimoniais (endowments) no Brasil, revela que temos a presença de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos, Curadores ou de Administração, e em somente 11% dos Comitês de Investimento. Uma presença numericamente muito baixa, que em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Cenário um pouco melhor é o que considera a questão de gênero. As mulheres estão presentes na maior parte dos Conselhos e Comitês, mas ainda assim não chegam a ocupar metade das cadeiras destes órgãos. Por fim, outro aspecto interessante é o fato de que 78% dos fundos patrimoniais (58, entre os 74 da amostra) foram criados a partir de 2010.

A filantropia é umas das maneiras mais eficientes de impulsionar mudanças sistêmicas que não apenas são capazes de reduzir a desigualdade social mas, também, de construir uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos.

Se queremos preservar a legitimidade e relevância de nossa filantropia e de nossa sociedade civil organizada, precisamos olhar com mais seriedade, a diversidade e inclusão não somente nas ações e projetos realizados, mas também no processo decisório em torno de nossa estratégia e atuação.

É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.

* Viviane Elias Moreira é conselheira fiscal no Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), e Andrea Hanai é gerente de projetos no IDIS

Acesse também a nota técnica ‘Governança em organizações da sociedade civil: framework para alocação estratégica de talentos’!

Melhores práticas para se medir o sucesso de um fundo patrimonial

*Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Anos atrás, conversando com o diretor de investimentos de um grande endowment norte-americano, ele me disse que todo investidor deveria, antes de investir, se perguntar por que seu capital é especial. A resposta para essa pergunta o ajudaria a alocar o patrimônio da melhor maneira possível, aproveitando ao máximo do potencial de retorno ajustado por risco. Ato contínuo, perguntei o que o capital que ele geria tinha de mais especial. E a resposta, sem hesitar, foi que o patrimônio de um endowment pode ser investido para a eternidade – portanto, com um horizonte de prazo longuíssimo, diferente de todos os outros investidores do mercado.

Aos olhos dos investidores “comuns”, ativos de horizonte alongado são mais arriscados: têm mais volatilidade (como ativos de renda variável), ou se expõem a períodos grandes de iliquidez e a riscos idiossincráticos (caso dos investimentos alternativos, como Ativos Reais, Private Equity ou Venture Capital). A perspectiva de longo prazo inverte essa realidade, e o que é risco para a maioria se torna oportunidade para os endowments: a renda variável tem historicamente entregado prêmios relevantes em horizontes longos, enquanto investimentos alternativos carregam consigo prêmio pela iliquidez, além da oportunidade de se capturar “alfa” (retornos acima dos índices de mercado).

Contudo, um capital especial pede igualmente um acompanhamento especial. Esse artigo se dedica a compartilhar com o leitor quais têm sido as melhores práticas para o acompanhamento de desempenho de fundos patrimoniais ao redor do mundo. São dois os grandes desafios enfrentados para medir a performance de endowments: alinhar as métricas ao horizonte mais longo dos investimentos; e saber exatamente o que se deseja medir com cada métrica.

A solução para o primeiro dilema passa, invariavelmente, pelo alongamento do horizonte de análise. Afinal, não faz sentido investir em ativos que maturam em mais de 5 ou 10 anos (sejam eles simples títulos de renda fixa com vencimentos mais longos, passando por ações e alcançando ativos reais como florestas ou infraestrutura), e querer avaliar o sucesso dessas alocações no mês a mês.

Nessa toada, quanto maior a alocação do fundo patrimonial em ativos com horizonte dilatado de realização de ganhos, mais longa deverá ser a janela de apuração de performance. Tomando como exemplo os endowments universitários norte-americanos, eles habitualmente avaliam o sucesso de portfólios em janelas móveis de 10 anos. Tal horizonte talvez possa parecer ousado para carteiras brasileiras, comumente menos alocadas em ações e investimentos alternativos. Ainda assim, não parece razoável se acompanhar o resultado de um fundo patrimonial em janelas muito curtas, inferiores a 5 anos, por exemplo. Do contrário, a apuração de performance de curto prazo inevitavelmente leva a uma subutilização de riscos toleráveis por um endowment – deixando na mesa, portanto, o que de fato remunera o seu capital especial.

Passemos então às métricas de performance contra as quais um fundo patrimonial deveria se medir. A primeira delas, talvez a mais relevante de todas, ajuda-nos a quantificar se o objetivo primordial de um endowment está sendo alcançado: a proteção do poder de compra do patrimônio somada à capacidade de geração de renda. Trata-se da medida do ganho real da carteira ao longo do tempo, ou seja, qual a rentabilidade acima da inflação. Ao mesmo tempo, é natural que fundos patrimoniais possuam metas de longo prazo na forma “inflação+X%” – segundo este Anuário, a meta mais comum no universo brasileiro é a de IPCA+5%a.a. É fundamental, por conseguinte, que as organizações avaliem periodicamente o cumprimento ou não de tal alvo.

Uma segunda medida relevante para a avaliação de desempenho de um endowment é a comparação do retorno ao de uma referência do mercado investível. Afinal, os gestores de um fundo patrimonial com meta de retorno de “IPCA+5%” podem até ficar satisfeitos caso tenham ganhos de longo prazo 6% ao ano acima da inflação, todavia essa performance terá menos brilho caso o mercado financeiro, de maneira passiva, tenha rendido mais do que isso. Nessa direção, é comum que fundos norte-americanos se comparem ao que chamam de portfolios de referência “naives” (ou ingênuos, em português), compostos por uma combinação de um índice de renda fixa e outro de renda variável.

A lógica por trás dessa métrica é a de aferir se o fundo patrimonial foi capaz de superar uma combinação simples, passiva e barata de ativos tradicionais de mercado. A carteira “ingênua” mais usada no mercado internacional é composta por 60% de um índice de ações e 40% de um índice de renda fixa. Os endowments do hemisfério norte, por sua vez, costumam se comparar a portfólios com alocação em renda variável entre 70% e 80%, haja vista que as exposições estruturais a ativos compatíveis com renda variável são superiores às dos investidores médios (algo alinhado com o horizonte de longo prazo).

Ao portarmos a mesma lógica para o Brasil, certamente teremos portfólios de referência com menos renda variável, sob efeito dos nossos juros reais estruturalmente mais altos. Ainda assim, observando as alocações reportadas nesta publicação, poderíamos inferir que um portfólio 20% renda variável / 80% renda fixa seja uma boa referência para a grande média dos respondentes. Entretanto, fundos maiores (acima de R$ 500 milhões) já demonstram maior orientação a ativos de longo prazo, sendo mais comparáveis a um mix com algo entre 40% e 50% de Renda Variável.

Aqui vale fazer uma ressalva quanto aos chamados “benchmarks” agregados, ou de política de investimentos. Alguns endowments costumam se comparar a um portfolio investido unicamente em índices de mercado, seguindo exatamente as alocações por classe de ativo determinadas nas próprias políticas de investimentos. Essa é uma medida válida caso se queira avaliar a capacidade das classes investidas gerarem retornos acima do mercado (portanto, o já mencionado “alfa”). No entanto, ela é menos abrangente do que a comparação com portfólios “naives” que, além do alfa, também apura a qualidade da decisão de se investir em classes de ativos além de Renda Fixa e Renda Variável, bem como o uso de mais ou menos risco do que o portfólio “ingênuo”.

Por fim, uma terceira medida é amplamente empregada por fundos patrimoniais no exterior: a comparação com a performance de investidores semelhantes. Dessa forma, a organização busca identificar se o próprio endowment tem desempenhado em linha ou melhor do que outras carteiras com perfil de risco e objetivo similares. Nesse aspecto, esta publicação do anuário também tem papel fundamental para os fundos patrimoniais brasileiros, ao ser a primeira (e até este momento a única) publicação a coletar e reportar, de maneira agregada e estratificada, os resultados dos endowments nacionais e de múltiplas causas.

Em suma, as métricas aqui apresentadas são capazes de endereçar as três perguntas fundamentais para avaliação de desempenho de fundos patrimoniais:

1. O fundo foi capaz de atingir o seu objetivo primordial, de proteger o patrimônio ao longo do tempo e gerar ganhos reais destináveis a sua causa? Medida de retorno real (“inflação+X%”);

2. O fundo foi capaz de superar o retorno médio de referências de mercado? Comparação com o portfólio “naive” (mix passivo de Renda Fixa + Renda Variável);

3. O fundo foi capaz de render em linha ou acima do retorno médio de seus pares? Comparação com retorno de outros endowments similares;

A resposta afirmativa a essas três perguntas, medidas num horizonte de tempo razoavelmente longo, caracteriza o sucesso consistente de um fundo patrimonial.

Prefácio Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023

*Por Senador Flávio Arns 

A grandiosidade de nosso país se expressa de diferentes formas. Somos gigantes pela nossa dimensão continental, pela nossa biodiversidade e pela nossa rica diversidade cultural. Ao mesmo tempo, temos enormes desafios sociais que exigem ações cada vez mais estruturadas para que alcancemos o grande objetivo de sermos um país próspero e justo para todos.

Falar de justiça social é falar de garantia de oportunidades para que todos se desenvolvam. Isso significa assegurar a cada brasileiro ou brasileira o acesso à cidadania plena, em toda sua caminhada pela vida. Garantir dignidade por meio da educação, saúde, assistência, trabalho, moradia, alimentação, cultura e demais direitos fundamentais que estão perpetuados em nossa Constituição.

O papel do poder público, em todas as suas instâncias, é fundamental para que avancemos em políticas públicas que promovam a valorização do ser humano. Porém, a participação da sociedade neste processo tem se mostrado igualmente essencial. Não por acaso, as ações promovidas pelo chamado Terceiro Setor têm provocado uma verdadeira revolução e contribuído para a transformação de realidades Brasil afora.

O Terceiro Setor é composto por diferentes tipos de organizações da sociedade civil, sem finalidade lucrativa, que exercem atividades de interesse social. Sua abrangência é muito significativa, assim como sua contribuição para a economia. De acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil (Mapa das OSC), o Brasil possui mais de 879 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCs) registradas. O impacto dessas organizações na economia também é volumoso. Dados divulgados em 2023 pelo estudo “A importância do Terceiro Setor para o PIB no Brasil e em suas Regiões”, de iniciativa do Movimento por uma Cultura de Doação, mostram que o Terceiro Setor movimenta 4,27% do PIB, 3,39% do valor de produção e 5,88% das ocupações no país.

Tão grandioso quanto seu tamanho é, também, o seu potencial de crescimento, seja por meio da ampliação de parcerias entre essas entidades e o poder público ou pelo aumento das doações por parte de pessoas físicas ou jurídicas. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), se todas as empresas que declaram por lucro real usassem o limite máximo do imposto nas leis de incentivo, seriam captados, aproximadamente, R$ 6 bilhões por ano, quase o dobro do montante destinado pelas pessoas jurídicas em 2019, que foi de R$ 3,2 bilhões. Em relação às pessoas físicas, o potencial arrecadatório é de R$ 3 bilhões anuais. Porém, o valor captado via doações do Imposto de Renda em 2019 foi de apenas R$ 206 milhões, muito aquém do que seria possível.

Garantir condições para que este segmento prospere é fundamental. Neste contexto, os fundos patrimoniais filantrópicos se tornam extremamente relevantes ao promoverem a sustentabilidade financeira de um número cada vez mais crescente de organizações sociais em nosso país. Ao longo dos anos, fundos têm gerado grande impacto social ao financiarem iniciativas importantes nas áreas de educação, ciência, inovação, assistência social, saúde e tantos outros setores beneficiados.

Dados recentemente divulgados pelo Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil, de iniciativa do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, apontam para a existência de 115 fundos ativos, cujo patrimônio total informado é de mais de R$ 157 bilhões. Um setor que vem se fortalecendo cada vez mais, principalmente após a aprovação da Lei 13.800/2019, que incentivou a criação e organização de novos fundos patrimoniais no Brasil.

Ao mesmo tempo em que a legislação abriu espaço para a instituição dos fundos no Brasil, no decorrer dos anos, mostrou a necessidade de aprimoramentos, principalmente no que se refere ao tratamento tributário aplicado às Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais (OGFP).

No Congresso Nacional, o tema tem sido objeto de debate, primeiramente, por meio do Projeto de Lei 158/2017, de autoria da Deputada Bruna Dias Furlan, e, atualmente, em razão do Projeto de Lei 2.440/2023, de minha autoria, que tramita no Senado Federal. Essa proposição estabelece, dentre outros pontos, que as OGFPs sejam tributadas com base na causa de interesse público a que se destinam. Ou seja, se forem causas imunes ou isentas de tributação, as organizações também devem usufruir da imunidade ou isenção.

A proposta em debate também estende a isenção de Imposto de Renda incidente sobre aplicações financeiras para as OGFPs que se dediquem a causas de interesse público, mesmo que não sejam abrangidas por imunidade constitucional, além de ampliar as hipóteses de utilização de incentivos fiscais por pessoas físicas e jurídicas que pretendam apoiar e fomentar as atividades desenvolvidas por tais fundos.

A partir dessas alterações na lei, a proposta busca estimular a cultura de doação e, consequentemente, fortalecer as iniciativas financiadas pelos fundos patrimoniais, resultando em benefício direto às pessoas atendidas pelas organizações sociais.

Diante deste contexto, destaco como fundamental a iniciativa do IDIS e da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais de realizarem o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023, traçando um retrato deste setor em nosso país.

As informações levantadas são de grande relevância para fundamentar os debates e o aprofundamento de conhecimentos sobre o tema. Além disso, podem contribuir para consolidar ainda mais o entendimento de que os fundos patrimoniais são essenciais para o desenvolvimento social de nosso país, na medida em que promovem projetos e causas que transformam a vida de brasileiros e brasileiras.

Não resta dúvida de que a participação da sociedade, neste caso, por meio dos fundos patrimoniais, é extremamente necessária e deve sempre ocorrer de forma ativa e sem entraves burocráticos. O fortalecimento do Terceiro Setor, não apenas por meio da legislação, mas, principalmente, pelo reconhecimento por parte do poder público, é o caminho para que possamos assegurar benefícios sociais e econômicos para todos.

O impacto na governança a partir da doação de um legado: Entenda como a criação do fundo patrimonial pode impulsionar mudanças estratégicas em organizações da sociedade civil como a ASA

*Por Melissa Pimentel, Superintendente Executiva da ASA – Associação Santo Agostinho

A governança de organizações da sociedade civil pode ser impactada pela criação de um fundo patrimonial que a beneficiará. Um exemplo prático disso é o da ASA – Associação Santo Agostinho. Neste caso, a instituição acelerou o próprio processo estratégico de atualizações do modelo de governança e gestão para criar esse fundo nos moldes da Lei 13.800/2019, após ser nomeada legatária de uma doação relevante. Com mais de 80 anos de atuação, a ASA oferece serviços gratuitos de educação e assistência social, financiados por meio de convênios com a Prefeitura e captação de recursos livres e para projetos.

A Presidente do Conselho de Administração na época (e atual Vice-Presidente), Maria Estela (Teli) Penteado Cardoso, compartilha essa experiência:

“Ao sermos surpreendidos com esta doação, percebemos que a história da ASA, uma organização tradicional com mais de oito décadas de atuação na cidade de São Paulo, seria diferente. Precisávamos fortalecer a governança e criar mecanismos para proteger nosso patrimônio e perpetuar nossa missão”. 

Doações substanciais como essa deixam um legado que vai além do tempo e servem de exemplo para que outros gestos semelhantes aconteçam, beneficiando o Terceiro Setor como um todo. “Nossa gratidão à generosidade dessa doadora será eterna uma vez que, além de demostrar o reconhecimento da contribuição da ASA para sociedade, mostra confiança na nossa capacidade de gerir o patrimônio, trazendo excelência e ampliando nossos programas que visam acolher e transformar vidas”, acrescenta Teli Cardoso.

A partir desse momento, o Conselho de Administração da ASA implementou uma série de medidas para fortalecer sua governança, como a revisão de seu estatuto social, a renovação e diversificação do Conselho de Administração, a criação de comitês de controle e grupos de trabalho, além do aprimoramento das práticas de transparência. Todos elementos essenciais para a gestão otimizada de um fundo patrimonial, que aumentam a confiança na sua habilidade de gerir recursos de forma eficaz e a sua capacidade de atrair novos parceiros.

Ademais, com a criação desse modelo de fundo, o fluxo constante de recursos permite investimentos em desenvolvimento institucional, planejamento estratégico, contratação de profissionais qualificados e aquisição de ferramentas tecnológicas – áreas fundamentais para qualquer organização social e que não são contempladas por captações tradicionais. Pois, muitas vezes doadores ou parceiros, costumam preferir financiar ações pontuais relacionadas ao impacto social imediato.

Pensando assim, a ASA prepara-se para estabelecer um ciclo virtuoso de sustentabilidade e crescimento. Ao demonstrar solidez e transparência na gestão dos fundos patrimoniais, a ASA se posiciona como uma organização confiável e capaz de administrar os recursos destinados a ela de maneira responsável, o que fortalece a confiança de doadores, cria novas oportunidades de parcerias e aumenta o potencial de captação de recursos tradicionais.

 

Desafios e Oportunidades

A experiência da ASA mostra que a criação de um fundo patrimonial tem o potencial de impulsionar a sustentabilidade prolongada de uma organização da sociedade civil. E desde 2019, a partir de doação recebida, a organização tem trilhado um caminho de desafios e oportunidades na constituição e fortalecimento de seu fundo.

Os rendimentos contínuos, a partir do capital preservado no fundo patrimonial, garantem previsibilidade e estabilidade nos fluxos de recursos. Isso reduz a dependência de doações esporádicas ou captações pontuais, permitindo que a organização faça um planejamento estratégico de longo prazo.

A criação do fundo também fortalece a governança da instituição, exigindo a adoção de boas práticas, como a formação de comitês especializados e auditorias independentes. Esses mecanismos aumentam a transparência e a confiança de doadores e parceiros. Luis Alvaro Moreira Ferreira Filho, atual Presidente do Conselho da ASA, afirma:

“com a constituição do Comitê de Investimentos e com a criação do Regulamento do Fundo progredimos significativamente nesse aspecto, incorporando especialistas em gestão de ativos financeiros para assessorar o Conselho de Administração da ASA nas decisões estratégicas, essenciais para a sustentabilidade do Fundo”.

A alta liderança deve estar preparada para tomar decisões estratégicas, reforçando a importância de comitês de investimento que minimizem os riscos financeiros e maximizem os resultados. Nesse sentido, a criação de um regulamento para o fundo patrimonial é essencial para garantir a transparência, a correta destinação dos recursos e a segurança jurídica da sua gestão. Além disso, é crucial que o regulamento esteja alinhado com a governança da organização e com o foco na perenidade do fundo, assegurando que o capital seja preservado e os rendimentos sejam utilizados de forma responsável.

Porém, um dos maiores desafios para a criação dos fundos está ligado à arrecadação de recursos específicos para esse fim. A captação de recursos para a formação de um fundo patrimonial enfrenta obstáculos, especialmente pela falta de incentivos fiscais atrativos para estimular doações de grande porte e pela cultura de doação do Brasil, que se concentra em projetos de curto prazo. Essa realidade reforça a necessidade de uma mudança cultural, em que doadores, parceiros e a própria sociedade passem a valorizar investimentos de longo prazo que garantam a sustentabilidade das organizações e ampliem seu impacto social, como os fundos patrimoniais.

Com uma governança sólida e uma estratégia de captação voltada para o longo prazo, os fundos patrimoniais têm o potencial de garantir a perpetuidade das organizações sem fins lucrativos e ampliar seu impacto social. Embora existam desafios, a trajetória da ASA serve como um exemplo claro de como a criação de um fundo patrimonial pode ser uma solução transformadora para o Terceiro Setor.

Gestão Sustentável de Fundos Patrimoniais: A Fundação Bradesco como referência no Brasil, transformando pela educação

*Por Murilo Nogueira, Diretor Administrativo & Financeiro da Fundação Bradesco

A Fundação Bradesco se destaca como o maior projeto de investimento social privado do Brasil, promovendo impacto através da educação gratuita e de qualidade. Abrangendo todo o ciclo da Educação Básica Regular — do Ensino Infantil ao Ensino Médio —, a Fundação oferece oportunidades educacionais todos os anos para mais de 42 mil crianças, jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade, com o objetivo claro de transformar vidas e desenvolver o potencial dos alunos por meio da educação.

Com uma rede de 40 escolas próprias espalhadas por todo o território nacional, a Fundação Bradesco é um exemplo de como o investimento social estratégico pode transformar vidas e contribuir para a redução das desigualdades no Brasil. Esse compromisso com a educação de excelência e o desenvolvimento social é sustentado por seu robusto fundo patrimonial, que garante a continuidade de suas atividades e a perenidade de seu impacto na sociedade. A perpetuidade deste projeto depende da colaboração de diversos envolvidos, com mais de 3.600 colaboradores integrando essa iniciativa atualmente, onde cada um desempenha um papel essencial.

Desde sua fundação em 1956, a Fundação Bradesco tem desempenhado um papel fundamental na educação e inclusão social no Brasil. Parte desse impacto se deve ao sólido fundo patrimonial da instituição, o maior do país, cuja gestão cuidadosa tem garantido a sustentabilidade de seu projeto educacional. Criado por Amador Aguiar, fundador do Bradesco, o fundo foi o primeiro do Brasil e tem se adaptado ao longo dos anos para enfrentar um cenário econômico em constante mudança.

De acordo com o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, a Fundação Bradesco foi uma das primeiras organizações no país ao estabelecer um fundo patrimonial. Diferente dos Estados Unidos, onde as fortunas da industrialização impulsionaram os fundos patrimoniais, no Brasil foi Amador Aguiar quem criou um dos primeiros fundos do gênero. Em 1956, ele destinou 100 mil cruzeiros como dotação inicial e, ao longo dos anos, transferiu grande parte de suas ações para a instituição. Esse movimento estabeleceu não apenas um dos fundos patrimoniais mais antigos do Brasil, mas também o mais robusto, com R$ 85 bilhões em ativos, posicionando a Fundação Bradesco entre as maiores do mundo, comparável a instituições como a Fundação Bill e Melinda Gates.

Desde o início, a gestão do fundo patrimonial da Fundação Bradesco foi orientada por uma política de preservação do capital, garantindo que os recursos estivessem sempre disponíveis para as necessidades da instituição. Ao longo dos anos, à medida que o cenário econômico evoluía, a gestão se modernizou, adotando novas estratégias de investimento e diversificação de ativos. Com uma gestão administrativa forte e uso consciente desses recursos a Fundação Bradesco garante a perpetuidade do projeto, possibilitando investimentos conscientes.

A Fundação Bradesco recebe dos resultados das empresas do grupo Bradesco, utilizando recursos financeiros provenientes de dividendos e JCPs, o que exige uma gestão ainda mais prudente de seu fundo patrimonial. Em 2024, estão previstos investimentos da ordem de R$ 1,4 bilhão, um aumento de 56,42% em relação aos R$ 895 milhões investidos em 2023. Além disso, a Fundação mantém uma reserva de capital capaz de sustentar o ciclo completo de formação de seus alunos — um período de treze anos de educação básica regular. Essa estratégia assegura que a missão educacional continue sem interrupções e garante a perpetuidade.

O compromisso com a sustentabilidade financeira de longo prazo permite que a Fundação Bradesco continue promovendo a transformação social por meio da educação, garantindo o futuro de milhares de jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Ao longo dos anos, o fundo patrimonial da Fundação Bradesco tem possibilitado a continuidade de projetos transformadores, capacitando alunos e impactando positivamente a sociedade. Histórias de ex-alunos que retornam à Fundação Bradesco para compartilhar suas trajetórias e experiências de vida com as novas gerações demonstram como o impacto educacional da instituição se perpetua ao longo do tempo. Esses ex-alunos, com trajetórias de sucesso em diversas áreas profissionais, voltam às escolas da Fundação palestrantes, inspirando os atuais estudantes a acreditarem em seu potencial e a seguirem um caminho de transformação. Esse ciclo fortalece o vínculo entre a Fundação e sua comunidade, reforçando o compromisso de oferecer não apenas uma educação de qualidade, mas também oportunidades de mudança de vida.

O fundo patrimonial que sustenta essa missão, então, vai além de ser apenas um mecanismo financeiro; ele atua como um verdadeiro catalisador de transformação social. Ao garantir recursos para a continuidade do projeto educacional da Fundação, o fundo possibilita que o impacto gerado na vida de cada estudante se espalhe pela sociedade como um todo: uma transformação que impacta. A longevidade do fundo permite que a educação oferecida atinja mais do que as salas de aula, capacitando os jovens a contribuírem com suas comunidades e a perpetuarem o legado de inclusão e desenvolvimento promovido pela Fundação Bradesco.

Com seu tamanho e capilaridade, a Fundação Bradesco mantém sua posição como o maior fundo patrimonial do Brasil e carrega a responsabilidade de garantir sua relevância e sustentabilidade para as próximas décadas. A visão de Amador Aguiar, de criar uma instituição que promove a inclusão social por meio da educação, segue firme, posicionando a Fundação como uma referência no Brasil e no mundo, transformando vidas por meio da educação.

A diversidade na governança de fundos patrimoniais

* Por Viviane Elias Moreira, C-level e conselheira fiscal do IDIS

A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina ligada ao tema nos criou, gerando obviedades que estamos negligenciando e que não podemos mais ignorar suas consequências, se quisermos um país mais igualitário: diversidade e inclusão precisam ser mais bem gerenciadas em nossas ações de filantropia, principalmente quando pensamos na governança de organizações desse setor.

Nos últimos anos, as ações filantrópicas vêm ganhando força como ferramenta fundamental na luta para reduzir as desigualdades sociais no Brasil. O ano de 2024 nos trouxe um momento de entendimento real de quem adota as ações de filantropia com a verdadeira intencionalidade versus quem adotou estas ações como uma forma de “estar na moda”, ou como tecnicamente conhecemos, os famosos “washings”.  De todos os possíveis “washings” adotados e normalizados, nenhum foi tão danoso para nossa sociedade e para a real intencionalidade da filantropia do que o diversitywashing.

Diversitywashing é um termo que se refere à prática de empresas ou organizações que adotam uma aparência superficial de compromisso com a diversidade, inclusão e equidade sem realmente implementá-las de forma significativa ou eficaz. No Brasil, o termo diversitywashing foi patenteado por Liliane Rocha, fundadora da empresa Gestão Kairós, que é uma referência no campo de sustentabilidade e Diversidade & Inclusão (D&I). Ela destaca a importância de combatê-lo, assegurando que as ações de diversidade sejam profundas e transformadoras, e não apenas uma estratégia de marketing ou uma fachada.

Fábio Barbosa, uma das principais lideranças inspiradoras no setor de sustentabilidade e responsabilidade social, propõe uma teoria extremamente relevante, onde existem 3 princípios (ou 3 Cs) essenciais para a eficácia do desenvolvimento sustentável: as pessoas só fazem o que fazem por convicção, por conveniência ou por constrangimento. Minha contribuição a esta teoria é que não importa o tipo do C que a sua ação de filantropia adote, se ela adotar diversitywashing como direcionador, ela será mais uma ação de marketing que terá como resultado uma correção superficial, postergando e potencializando os impactos de desigualdade social para as gerações futuras.

A filantropia precisa entender o papel da diversidade e inclusão em seus processos, metas e intencionalidade, não apenas como uma atividade de imperativo moral, mas como ferramenta estratégica de transformação social. Quando falamos de diversidade, estamos nos referindo à presença de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho. A inclusão, por sua vez, vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, por isso, a presença deste público em órgãos de governança é essencial para que as decisões estratégicas norteadoras de uma determinada organização leve em conta uma pluralidade de perspectivas.

Sabemos que, alcançar a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador para algumas equipes operacionais, em órgãos superiores de governança é algo ainda mais crítico. Serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023. No tema de raça, apesar de haver aumentos, o percentual de pessoas brancas nos conselhos é de 92%, 7% negros, 1% amarelos/orientais e apenas 1 pessoa indígena. E, quando fazemos ainda outro recorte, como no caso da governança de fundos patrimoniais apresentados cujo dado inédito é apresentado neste Anuário, notamos que, no caso de gênero, as mulheres já conquistaram representação na maior parte dos Conselhos e Comitês, porém ainda não em igual número dentro dessas instâncias. Já na questão racial, há presença de apenas de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos/Curadores/de Administração e 11% dos Comitês de Investimento. Apesar disso, a presença numericamente é muito baixa e em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica dentro das ações de filantropia, ainda mais em instâncias decisórias, há uma redistribuição de oportunidades e recursos que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia pelo mundo, que vai muito além de doações financeiras para causas sociais, mais para um conjunto de ações mais amplas e estruturadas que visam o impacto sustentável.

Quando a diversidade é considerada pelas ações de filantropia como um valor inegociável, o potencial de impacto é exponencial, com a promoção da justiça social, fomento ao desenvolvimento econômico, impulsionando a inovação e competitividade, elementos essenciais para o crescimento sustentável do país. No Brasil, onde as disparidades sociais estão fortemente ligadas à raça, gênero e localização geográfica, a promoção dessas práticas pode ser transformadora.

Por isso que, no caso de fundos patrimoniais, existe uma janela de oportunidade. Observamos novos endowments sendo criados no Brasil nos últimos anos. Não só podemos, como devemos levar em consideração a diversidade na criação da governança dessas novas organizações, assim podemos trazer à mesa de decisões uma representatividade para um ideal de sociedade igualitária que tanto buscamos. Uma governança plural e tomadora de ações para uma filantropia estratégica para tornar o Brasil menos desigual.

Ainda há um longo caminho a percorrer para alcançá-lo. Acredito que a filantropia é umas das formas mais eficientes para acelerarmos mudanças sistêmicas que não apenas reduzem a desigualdade social, mas também constroem uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos. Por uma filantropia que trate a diversidade com mais convicção e menos constrangimento.

O papel do gestor de investimento

*Por Ilan Ryfer, Sócio da 1618 Investimentos

A essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído.

Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.)

 

Existe uma metáfora contada através da história do “Reparo do Navio”. Já escutei várias versões ligeiramente diferentes, mas sempre nas mesmas linhas.

Um navio que valia centenas de milhões de dólares quebrou, e cada dia parado no porto representava um prejuízo de centenas de milhares de dólares. O comandante do navio, ansioso em colocá-lo para navegar, chama um técnico naval e pede um orçamento. O técnico orça o conserto em US$1.000, o que é prontamente aprovado. Entretanto, após um dia inteiro tentando, sem sucesso, consertar o navio, o técnico desiste.

O comandante, então, chama um engenheiro naval, que orça o conserto em US$10.000, também é prontamente aprovado. O engenheiro passa dois dias analisando a situação até desistir.

Desesperado, o comandante finalmente chama um especialista em consertos de navios que havia sido muito recomendado, mas que todos diziam ser carésimo. Ao chegar, o especialista orça o conserto em US$1.000.000 (isso mesmo, um milhão!). O comandante reclama do preço, mas o especialista não recua. Sem saber mais o que fazer, o comandante aprova.

O especialista então inspeciona algumas válvulas e após 15 minutos, retira de sua mala de ferramentas um pequeno martelo e dá uma só pancada seca em uma das válvulas. Como num passe de mágica, o navio volta a funcionar. Surpreso, o comandante reclama ao especialista, que estava cobrando US$1.000.000 por apenas 15 minutos de trabalho e pede um detalhamento do orçamento. Sem hesitar, o especialista escreve numa folha de papel:

Orçamento Detalhado:

  • Martelada – US$1,00
  • Saber onde dar a martelada – US$999.999

 

Nada melhor para ilustrar o conceito de “saber onde dar a martelada” do que o trabalho brilhante de David Swensen, gestor por mais de 35 anos do famoso fundo patrimonial da Universidade de Yale. Ele e Dean Takahashi mudaram a forma de se pensar em gestão de investimentos de longo prazo, aplicando a teoria moderna de portfólio e criando o Modelo Yale de gestão.

Os resultados podem ser observados nos gráficos abaixo:

 

Ao longo dos mais de 35 anos à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen alterou radicalmente o formato da carteira de investimentos, abandonando o tradicional modelo 60/40 (60% em ações domésticas e 40% em renda fixa), em favor de um portfólio muito mais diversificado, incluindo Hedge Funds, fundos de Private Equity e Venture Capital, além de investimentos imobiliários.

 

O resultado dessa alteração foi significativo em termos de retornos financeiros. Durante o período que esteve à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen bateu a média dos demais fundos em quase 3,5% ao ano. Pode não parecer muito, mas se aplicássemos US$1.000 no gestor médio, após esse período teríamos US$34.000. Nas mãos de Swensen, teríamos impressionantes US$102.000! Esse é o resultado de juros compostos na mão de um gestor de investimentos que “sabe onde dar a martelada”.

Trabalho no mercado financeiro há mais de 30 anos e, ao longo da minha carreira fui mudando – ou melhor, evoluindo – minha forma de encarar minha profissão, a de gestor de investimentos.

A princípio, e de forma simplista, podemos dizer que a responsabilidade primária de um gestor de investimentos é maximizar retornos financeiros. Aqui começa o primeiro equívoco a respeito do papel do gestor.

Quando falamos de retornos, temos sempre de lembrar do outro lado da moeda, que é o risco. Esse é quase um dogma nos mercados financeiros – maiores retornos estão sempre atrelados a maiores riscos potenciais. Pensar somente em retornos e esquecer da adequação do risco ao perfil do cliente pode levar a erros grosseiros de alocação.

Entendi… Então vamos tentar aprimorar nosso entendimento. O papel do gestor de investimentos seria gerar retorno positivo acima da média, ou pelo menos melhor que um leigo, depois de ajustado ao risco? Essa já é uma definição melhor, mas, ao longo do tempo, aprendi que o papel de um gestor de investimentos é muito mais amplo que o de simplesmente olhar para o portfólio de um cliente, seja esse cliente pessoa física ou jurídica, ou mesmo um grande investidor institucional.

Dizem que o gestor de investimentos, mais que um médico, lida com a parte mais sensível do ser humano: o bolso. Para fazer isso corretamente, não basta que o gestor entenda de economia, finanças, mercados e política. Tem de entender um pouco (ou muito) de psicologia humana. Isso é fundamental para entender as reais necessidades de cada cliente, num processo que chamo de “momento divã”, permitindo assim adequar corretamente a alocação da carteira aos anseios, medos e restrições de cada um.

Nos ensina a já não tão recente disciplina das finanças comportamentais que somos seres parcialmente racionais, o que quer dizer que somos parcialmente irracionais. Sofremos de vieses que frequentemente nos desviam do caminho mais adequado, principalmente nos momentos de crise. É nessa hora que o gestor de investimentos desempenha um papel fundamental: resguardar a racionalidade e manter a estratégia traçada.

Concluindo, um gestor de investimentos tem um papel relativamente simples. Deve atuar como terapeuta, cientista político, estrategista, economista, futurólogo e bode expiatório quando tudo dá errado. Mais do que isso tudo, o gestor de investimentos tem de “saber onde dar a martelada”, pois, depois de 30 ou mais anos, é o que faz a diferença.

Fundo de Fomento à Filantropia: pedra fundamental do legado do IDIS para o Brasil

O IDIS foi fundado em 1999, com a missão de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto, trabalhando junto a indivíduos, famílias, empresas, fundações e institutos corporativos e familiares, assim como organizações da sociedade civil em ações que transformam realidades e contribuem para a redução das desigualdades socioambientais no país. Nossa causa, portanto, é a promoção da filantropia e da cultura de doação. Ou, como gostamos de falar, a ‘causa das causas’, já que pode contribuir para a promoção da Educação, Saúde, Geração de Renda, entre inúmeras outras.

Temos convicção de que fundos patrimoniais são instrumentos poderosos para a sustentabilidade de causas e organizações. Depois de mais de uma década de dedicação ao tema, promovendo ações de conhecimento, apoiando a criação de endowments e agindo para o aprimoramento do ambiente regulatório, por fim, criamos o Fundo de Fomento à Filantropia, a pedra fundamental de nosso legado para o Brasil.

E por que agora? Apesar de ser um sonho antigo, foi no momento da comemoração de nossos 25 anos que vimos uma oportunidade para a captação de recursos. Por uma confluência do destino, foi também em 2024 que recebemos a confirmação da doação equivalente a R$7,5 milhões da filantropa americana MacKenzie Scott. A decisão sobre o destino do recurso foi natural: oferecer como match à doação de brasileiros. Neste momento, nossa sustentabilidade financeira também estava bem equacionada, com um caixa e fundo de reserva bastante robustos para enfrentar flutuações no curto e médio prazos, condição essencial para darmos esse passo.

Para a criação do Fundo de Fomento à Filantropia, pela primeira vez, pudemos aplicar para o IDIS os conhecimentos e experiências que por tantos anos levamos para fora. Foi oficialmente lançado em agosto de 2024 e, portanto, não tem dados ainda suficientes para integrar esse Anuário. Por outro lado, não gostaríamos de deixar passar a oportunidade de compartilhar esses primeiros passos. Quais foram as decisões tomadas, os dilemas enfrentados, os desafios que temos. A cada ano vemos crescer o número de endowments no Brasil e por isso esperamos que este relato contribua de alguma forma para aqueles que estão também iniciando suas jornadas. Para traçar esse raio-x, escolhemos usar o próprio questionário como base.

Boa leitura!

PARTE 1 – IDENTIFICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO GESTORA

IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
Sede São Paulo (SP)
Ano da criação 1999
Categoria da Organização Gestora Associação/instituto ou fundação independente, cujo estatuto social não especifica seu enquadramento na Lei 13.800/19.
Principal motivo de não estar enquadrado na Lei Falta de segurança jurídica sobre o direito à isenção ou imunidade de impostos, em especial Imposto de Renda sobre aplicação financeira, ITCMD e isenção de COFINS sobre receita financeira.
A Organização Gestora goza de algum benefício fiscal (ou seja, é imune ou isenta de impostos)? Sim, ITCMD, Imposto de Renda sobre aplicações financeiras por conta do certificado de OSCIP aliado a Certificado de Entidade Promotora de Direitos Humanos.

Para a estruturação do Fundo de Fomento à Filantropia, escolhemos usar a estrutura existente do próprio IDIS e fazer a gestão internamente, criando políticas e mudanças estatutárias que garantem segurança para a administração do patrimônio e alocação dos recursos de forma isolada e independente.

Não optamos pela criação de uma Organização Gestora de Fundo Patrimonial (OGPF) num primeiro momento devido à impossibilidade de gozar do mesmo tratamento tributário que o IDIS atualmente possui. Mas a ideia é instituir uma OGPF assim que esta lacuna na lei for endereçada pelos esforços no advocacy.

 

PARTE 2 – IDENTIFICAÇÃO DO FUNDO PATRIMONIAL

Fundo de Fomento à Filantropia
Sede São Paulo (SP)
Ano da criação 2024
Organização que gere o fundo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
O fundo foi criado para beneficiar? A própria Organização Gestora, que também é a Instituição Apoiada.
Qual(ais) é(são) a(s) área(s) de atuação da Organização Gestora/Instituição Apoiada Fomento à filantropia e cultura de doação
Os recursos provenientes do Fundo Patrimonial: Respondem por menos de 10% das fontes de recursos da Instituição Apoiada, que é a própria Organização Gestora.
O Fundo Patrimonial foi criado A partir de um grande aporte inicial/legado e capta novas doações, principalmente para aumentar seu patrimônio acumulado.
Site do fundo https://www.idis.org.br/fundo-de-fomento-a-filantropia/

Entre as ações desenvolvidas pelo IDIS estão a geração de conhecimento e o desenvolvimento e implementação de projetos de impacto, que fortalecem o ecossistema, inspiram a ação, estimulam o diálogo, influenciam políticas públicas e produzem impactos diretos em questões consideradas prioritárias para a promoção da filantropia estratégica no país. Por essa razão, o fundo patrimonial foi criado para beneficiar a própria Organização Gestora, que também é a instituição apoiada.

Somos o único fundo patrimonial no Brasil que tem como causa a filantropia e cultura de doação e, para gerar impactos, optamos por aplicar os recursos nas seguintes linhas:

  • Fortalecimento da filantropia e da cultura de doação: realização de pesquisas, campanhas e outras ações;
  • Promoção de advocacy por um ambiente regulatório mais favorável ao Terceiro Setor;
  • Elaboração e organização de publicações e eventos, como o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais;
  • Articulação de atores e parcerias para o desenvolvimento do setor, como os endowments criados e Coalizão pelos Fundos Filantrópicos; e
  • Aceleração de iniciativas estruturantes para multiplicar o Investimento Social Privado (ISP) e seu impacto.

O Fundo de Fomento à Filantropia foi criado a partir de um grande aporte inicial/legado e capta novas doações, principalmente para aumentar seu patrimônio acumulado.

Em dois meses, o patrimônio somava R$ 9,3 milhões – metade proveniente da doação de filantropos brasileiros e metade dos recursos provenientes da MacKenzie Scott. Para a atração de novos doadores, há ainda o matching garantido de R$ 3,1 milhões. A meta estabelecida foi atingir um patrimônio de R$ 15 milhões em dois anos, ou seja, até agosto de 2026.

Para garantir esta dotação inicial expressiva, a estratégia envolveu a mobilização de grandes doadores, com o estabelecimento de cotas sugeridas para doação. Além de realizar diversas reuniões com filantropos brasileiros, um jantar foi oferecido com o apoio de dois filantropos que fizeram doações para o fundo para ajudar na sensibilização de outros doadores.

Apesar de fundos patrimoniais se justificarem a partir de grandes somas, como promotores da cultura de doação, entendemos também o potencial das pequenas doações. Elas se perpetuam no tempo e contribuem para a geração de impacto. Por isso, escolhemos também aceitar doações de qualquer valor e dar luz em nosso site também a estes doadores que acreditam em nossa missão e contribuem de acordo com as respectivas possibilidades.

O fundo não é e não será representativo em relação ao tamanho e à atuação do IDIS. A perspectiva é que os recursos provenientes do Fundo Patrimonial respondam por menos de 10% de nossas fontes de recursos.

PARTE 3 – FLUXO DE CAIXA

Patrimônio atual R$ 9.300.000
Regra de resgate Permite resgatar somente o ganho real (rendimentos líquidos de inflação) do patrimônio do fundo.

Como nossa operação acaba de começar, as informações referentes aos resultados ainda não estão disponíveis. Ainda assim, é possível explicar algumas escolhas que foram feitas.

A regra de resgate escolhida permite resgatar somente o ganho real (rendimentos líquidos de inflação) do patrimônio do fundo porque é o parâmetro estabelecido na Lei 13.800/19.

Pretende-se, portanto, estar sempre acima da linha d’água, ou seja, o patrimônio do Fundo Patrimonial em 31/12 sempre será maior que a soma dos aportes, dotações e doações recebidos, corrigidos pela inflação desde a data em que ocorreram.

 

PARTE 4 – ALOCAÇÃO E RENDIMENTOS

Recursos
Alocação dos investimentos do fundo patrimonial 100% em Caixa e equivalentes de caixa (contas-correntes, ativos/títulos/fundos líquidos indexados a CDI ou Selic*)
Grau de liquidez 100% em até 30 dias*
Tem política de investimentos? Política de investimentos está sendo construída.
Adota meta de rentabilidade? Adotará a partir da definição da política de investimentos que está sendo construída.
Adota princípios ou diretrizes de investimento responsável? Está sendo considerado na política de investimentos que está sendo construída.

*Até aprovação de política de investimentos

Ainda está sendo elaborada uma Política de Investimentos para o endowment, alinhada a boas práticas de mercado. Dessa forma, hoje a alocação de rendimentos é feita, totalmente, em renda fixa e fundos de renda fixa (ativos/títulos/fundos de renda fixa não líquidos e/ou não indexados a CDI ou Selic). A política de investimentos ainda está sendo elaborada e definirá meta de rentabilidade, diretrizes de investimento alinhadas a investimento responsável etc.

 

PARTE 5 – GESTÃO E GOVERNANÇA

Instâncias de governança da Organização Gestora diretamente relacionadas à gestão do Fundo Patrimonial Assembleia Geral, Conselho Deliberativo, Comitê de Investimentos, Conselho Fiscal
  Nº de integrantes Nº de membros independentes* Nº integrantes mulheres Nº de membros negros, pardos e/ou indígenas  Duração dos mandatos (anos)
Assembleia Geral (somente no caso Associação) 9 9 4 1 N/A
Conselho Curador/ Conselho Deliberativo/ Conselho de Administração  9 9  4 1  3
Comitê de Investimentos 3  3  1 0 3
Conselho Fiscal  3  3 1 1 3
Modelo de gestão de investimento No momento, até política de investimentos ser aprovada, a gestão está sendo feita de forma exclusivamente interna.
Possui Auditoria externa? Sim.

A estrutura de governança do Fundo de Fomento à Filantropia inclui um Comitê de Investimentos, integrado por Luiz Sorge, sócio da XP Advisory e atual presidente do Conselho do IDIS, Marcel Fukayama, cofundador do Sistema B Brasil e Din4mo e também conselheiro do IDIS, e Cristiane Parisi, sócia da Wright Capital, além de um Comitê Consultivo, a ser formado por doadores diamante e platina. Ambos estão subordinados ao Conselho Deliberativo do IDIS, que também supervisiona o Fundo de Fomento à Filantropia.

A gestão de investimentos financeiros hoje é feita internamente, pelos profissionais da área administrativo-financeira do IDIS, dado que a política de investimentos ainda está sendo elaborada.

Tudo será submetido ao mesmo processo de auditoria regular já praticado pelo IDIS.

 

PARTE 6 – PERSPECTIVAS

Quais suas expectativas em relação ao volume de recursos captados para o Fundo Patrimonial no próximo ano? Aumento do volume de recursos captados para a ampliação do patrimônio acumulado.
Quais suas expectativas em relação ao volume de recursos direcionados pelo Fundo Patrimonial para a(s) Instituição(ões) Apoiada(s) e/ou para a(s) Organização(ões) Executora(s) no próximo ano? Ampliação do volume de recursos direcionados.
Quais suas expectativas em relação à rentabilidade bruta (antes da dedução de impostos) consolidada do portfólio (%) do Fundo Patrimonial em 2024? Manutenção da rentabilidade bruta.
Principal desafio enfrentado atualmente? Captação de recursos.

Estamos no início de nossa jornada e a expectativa é investir na captação de recursos e chegar ao patrimônio de R$ 25 milhões em 5 anos, volume que investido com segurança contribuirá para o desenvolvimento de projetos de fomento à filantropia estratégica no país no longo prazo.

Ao mesmo tempo que é uma perspectiva, a captação de recursos é também um desafio. Trabalhamos com uma causa pouco óbvia e certamente menos mobilizadora que Educação ou Saúde, que oferecem aos doadores indicadores de impacto muito claros e atraem mais recursos. A mobilização é lenta e depende também, evidentemente, de tornar mais conhecido o mecanismo e seus benefícios. Para esta narrativa, ao menos, não nos faltam argumentos e evidências!

Acreditamos que ao estabelecer um fundo patrimonial para apoiar a promoção da filantropia estratégica estamos construindo um legado para o IDIS e para nosso setor. É um sonho antigo que ganha vida e nos traz muito orgulho!

Por um SUS tecnológico para salvar a vida de mulheres

*Por João Abreu, diretor executivo da ImpulsoGov, e Luiza Saraiva, gerente da iniciativa Juntos pela Saúde

Há menos de 200 anos, o raio X mostrou o nosso interior sem a necessidade de um bisturi. Na década de 80, a ressonância magnética permitiu visualizar os tecidos moles humanos, também sem cortes. Neste século, o genoma humano foi sequenciado e, ainda mais surpreendentemente, este ano conseguimos identificar microRNAs, uma descoberta digna de um Nobel de Medicina. A tecnologia na saúde avança a passos largos. Apesar disso, pode demorar décadas até que esses avanços sejam democratizados para toda a população, seja gratuitamente por meio de sistemas públicos de saúde, como o SUS, ou com custos reduzidos em convênios de saúde.

No caso das mulheres, um simples exame, disponível gratuitamente no SUS, pode salvar a vida de milhares. Mas isso ainda não é uma realidade para todas.

O exame Papanicolau, também conhecido como citologia cervical, foi desenvolvido em 1928, mas sua aplicação como ferramenta de rastreamento de câncer do colo do útero – o terceiro tipo mais comum entre mulheres no Brasil – começou apenas na década de 1940. E ainda é preciso avançar. Mesmo no século XXI, ainda há desafios em alguns países em desenvolvimento, como o Brasil.

Considerado revolucionário, estima-se que o Papanicolau já tenha salvado a vida de milhões de mulheres no mundo. Ainda assim, o câncer do colo do útero é a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Regionalmente, o câncer do colo do útero é o segundo mais incidente nas regiões Norte (20,48/100 mil) e Nordeste (17,59/100 mil), segundo dados do INCA (2022), as maiores taxas entre as regiões brasileiras.

Mas a tecnologia está mudando essa realidade. O Impulso Previne, solução digital e gratuita, aliada ao SUS, está colaborando com a ampliação ao acesso a esse exame essencial para mulheres. Ele consiste em uma ferramenta que traduz dados públicos em listas nominais com o status das mulheres em relação, dentre diversas informações, à coleta de exame citopatológico (Papanicolau), acompanhadas por filtros que facilitam o monitoramento das trajetórias de prevenção do câncer pelas equipes de saúde.

Observamos um aumento de quase 43% na coleta do exame de prevenção do câncer de colo de útero, em comparação com os primeiros quadrimestres de 2023 e 2024, nos 19 municípios do Norte e Nordeste do Brasil onde a solução foi aplicada. É a prova de que precisamos de um SUS capilarizado para atender a todos nos quatro cantos do Brasil, mas também precisamos de um SUS tecnológico.

 

UBS de Jandaíra (BA), abr. 2024. Foto: ImpulsoGov.

Este projeto faz parte do programa ‘Juntos pela Saúde’, iniciativa do BNDES com gestão do IDIS, com foco no fortalecimento do SUS no Norte e Nordeste do país. O desenvolvimento da ferramenta de monitoramento da realização de exames citopatológicos faz parte do projeto Impulso Previne, solução criada e executada pela ImpulsoGov, e que para replicação teve apoio do Instituto Dynamo com o match do BNDES. Com o apoio de investimento público, por meio do BNDES, e filantrópico, entre eles da Umane, essa tecnologia será ampliada para 240 nos próximos anos, podendo salvar inúmeras vidas. Afinal, quando detectado no estágio inicial, as chances de cura desse tipo de câncer podem chegar a quase 100%.

Sim, campanhas como o Outubro Rosa são eficientes, mas precisamos estar atentos diariamente à saúde pública. Necessitamos da tecnologia para escalar o impacto do acesso ao SUS e poder fornecer uma vida saudável a milhões de mulheres brasileiras. Ainda há muito a ser descoberto na ciência, mas essas revoluções médicas precisam ser democratizadas a todas e a todos. Só assim será possível avançarmos ampliando o acesso e reduzindo as desigualdades, ainda abissais, na área da saúde no Brasil.

A transformação que 1% pode causar

*Por Paula Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

O investimento social privado –  ato de destinação voluntária e estratégica de recursos em benefício da sociedade  – é fundamental para a resolução das profundas lacunas no desenvolvimento socioambiental do país. Embora o Estado desempenhe um importante papel, não tem jeito: há diversos desafios na hora de prover o necessário para o bem viver de todas e todos, seja pelas dimensões continentais ou pela enormidade das problemáticas do país que precisam de solução. E é aí que o investimento social privado pode e precisa agir: contribuindo com a redução das desigualdades e a mitigação dos danos ambientais. Somente com a colaboração entre o tripé governo, empresas e sociedade seremos capazes de endereçar soluções efetivas e perenes.

Quando tratamos de investimento social privado, estamos falando de R$4,8 bilhões em doações corporativas, ou seja, realizadas por empresas, de acordo com o Censo GIFE 2023. Valor significativo, mas ainda aquém do registrado em 2020, durante o auge da pandemia, quando as doações do setor privado ultrapassaram a marca de R$5,3 bilhões. O histórico dos números reforça que há capacidade do setor privado de investir mais – e melhor.

A partir dessa visão e inspirados pelo movimento estadunidense Pledge 1%, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e o Instituto MOL lançaram no Brasil o Compromisso 1%.

Evento de lançamento do Compromisso 1% que aconteceu em São Paulo na sede da PwC Brasil.

O movimento tem o propósito de congregar empresas que já doam pelo menos 1% do seu lucro líquido anual, bem como aquelas que se comprometam a alcançar o patamar de doações em até dois anos. Cyrela, fama re.capital, Gaia Impacto, MOL Impacto, Pantys, PwC, RD Saúde e TozziniFreire Advogados são as primeiras signatárias do compromisso, que já conta com outras empresas em processo de adesão.

Destinado a empresas de todos os portes e segmentos, o Compromisso 1% tem como objetivo impulsionar o envolvimento das  empresas com o presente e futuro da sociedade, para que invistam em projetos e organizações que precisam de recursos para seguirem sua caminhada. São doações para organizações estruturantes que transformam a realidade das comunidades nas quais estão inseridos, seja por meio da educação, cultura, esporte, saúde ou de ações ambientais e de geração de renda.

Com o investimento social privado, as empresas só têm a ganhar. Além das vantagens financeiras, com mais facilidade de captar recursos no mercado, as empresas também melhoram sua reputação, com maior engajamento dos colaboradores e um relacionamento mais sólido com fornecedores e clientes. É um ecossistema que impacta positivamente todas as partes interessadas.

Criar possibilidades para o avanço do investimento social privado e estimular o hábito de doação no país é, sem dúvidas, um caminho para o fortalecimento da sociedade civil organizada como uma agente de transformações socioambientais positivas. Essa jornada só pode ser trilhada ao lado de pessoas e negócios que acreditam na potência mobilizadora e sustentável da filantropia estratégica e se comprometem com a geração de impacto positivo. Basta começar se comprometendo com 1%.

Afinal, é do agora a responsabilidade de reparar os erros do passado e construir o futuro para aqueles que virão.

 

25 anos de comprometimento com o fortalecimento da cultura de doação no Brasil!

Por Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.

Ao longo de seus 25 anos de história, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social tem desempenhado um importante papel no fortalecimento da cultura de doação no Brasil.

Quando cheguei aqui, há cinco anos, me chamou atenção poder me envolver com o tema. Era algo que eu valorizava e praticava, mas sem saber que doação poderia ser, também, uma causa e uma cultura. E como cultura, o retrato da doação não é estático, ela tem diferentes nuances, é impactada pelo meio e pode ser desenvolvida quando há intencionalidade.

E o que isso tem a ver com a missão do IDIS de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto? Tudo. Em países onde a cultura de doação é mais desenvolvida, onde isso é um valor da sociedade e uma prática solidária cotidiana, as pessoas também tendem a demandar comportamentos similares de empresas e famílias de alta renda, gerando um ciclo virtuoso. E quando as organizações da sociedade civil têm mais recursos, podem alcançar ainda mais transformações positivas.

Para escrever este artigo, mergulhei na história do IDIS e na minha, e trago aqui algumas das contribuições para o fortalecimento da cultura de doação nos últimos 25 anos, entendo que essa cronologia nos ajuda a também entender a evolução do tema no Brasil.

Desde sua fundação, em 1999, o IDIS tem acumulado experiência com o apoio a diferentes investidores sociais, sejam eles indivíduos, famílias ou empresas. Em 2000, criou o Programa DOAR, voltado a estimular o olhar dos investidores às comunidades de seu entorno. Um dos produtos, lançado em 2008, foi a pesquisa Perfil do Investidor Social Local, realizada nos municípios paulistanos de Guarulhos, Limeira, Santa Bárbara d’Oeste e São José dos Campos. Naquela época, conforme apontado na publicação, havia pouco conhecimento sistematizado sobre doações individuais. A proposta foi então ir além da mera apresentação e análise dos dados obtidos, e provocar reflexões sobre o perfil dos doadores individuais e sua importância para a sustentabilidade das organizações da sociedade civil (OSCs), já que elas são as principais receptoras das doações.

Enquanto conduzia o Programa Doar, o IDIS avançava em outras frentes. Em 2005, formalizou uma parceria com a Charities Aid Foundation (CAF), organização britânica também comprometida com o avanço da filantropia estratégica e que, em 2024, celebra nada menos que seu centenário. A CAF, que aos poucos criou uma rede com presença em todos os continentes, também sentia falta de conhecimentos mais objetivos sobre cultura de doação. Assim, em 2010, lançou o World Giving Index (WGI), o ranking global da solidariedade. Desde então, anualmente, apresenta dados a partir de três dimensões – doação a organizações sociais, voluntariado e ajuda a desconhecidos. A última edição teve a participação de 142 países e, novamente, o IDIS contribuiu com a análise e disseminação. O Brasil, que já ocupou a 18ª posição no ranking, em 2024 apareceu em 86º lugar; com liderança da Indonésia, Quênia e Singapura.

O WGI traz alguns dados sobre a cultura de doação, mas era preciso um olhar mais profundo. Além de saber se houve algum tipo de doação, era preciso explorar quem é esse doador, quais suas motivações, quais as causas beneficiadas, qual sua visão de mundo. Igualmente importante, era conhecer melhor o não doador e as barreiras existentes para a mudança de atitude. Foi com esse intuito que o IDIS criou a Pesquisa Doação Brasil. A primeira edição, com dados de 2015, apresentou o primeiro retrato do comportamento do doador individual no País, a partir de um questionário formulado com a participação de diversos atores do campo. Desde então, temos investido na construção de uma série histórica, sempre com capítulos especiais que permitem análises ainda mais detalhadas. Em 2020, o destaque foi o impacto da pandemia. Em 2022, foi o comportamento da geração Z, e a próxima edição, que refletirá o ano de 2024, buscará identificar a influência das doações emergenciais sobre a cultura de doação. Os dados são usados não somente pelas organizações sociais que dependem da doação de indivíduos, mas também por governos, para embasar políticas públicas, por acadêmicos, que usam os números para pesquisas científicas, e pelo campo, para quem o acompanhamento sistemático contribui para mensurar o fortalecimento da cultura de doação.

Evento de lançamento da Pesquisa Doação Brasil 2015

Os achados da Pesquisa Doação Brasil também são insumos para outras ações do próprio IDIS. A primeira edição evidenciou que a maioria dos brasileiros acham que não devemos falar sobre as doações que realizamos. E quando não falamos sobre doações, o assunto simplesmente parece não existir. Por outro lado, havia uma disposição para falar sobre causas. E assim nasceu o Descubra sua Causa, uma plataforma que, a partir de um teste simples e divertido, apresenta oportunidades de doação alinhadas às causas mais importantes para os usuários. Lançada em 2018, já envolveu mais de 360 mil pessoas. Foi por volta desta época que eu cheguei ao IDIS. Para levar a iniciativa ainda mais longe, mais recentemente, a gestão passou aos cuidados do Instituto MOL, que tem justamente o fortalecimento da cultura de doação no Brasil como causa.

Em 2020, foi a hora de colocar tudo o que aprendemos em prática. O primeiro caso de covid-19 foi confirmado no Brasil no mês de março e em apenas três semanas, criamos o Fundo Emergencial para a Saúde – Coronavírus Brasil. Além de estruturar o mecanismo, era preciso levantar doações. Com a campanha Abrace a Saúde, captamos R$ 40,4 milhões junto a 11 mil doadores. Ao todo, foram beneficiados 59 hospitais filantrópicos, 1 organização social e um instituto de pesquisa que estavam na linha de frente da pandemia, contribuindo para o fortalecimento do sistema público de saúde.

Outras iniciativas que estimulam a cultura de doação são o Transformando Territórios, programa que fomenta o desenvolvimento de institutos e fundações comunitárias com foco territorial e que que mobilizam doadores das regiões onde atuam, e o Compromisso 1%, movimento realizado também em parceria com o Instituto MOL para fortalecer a cultura de doação corporativa.

Se por um lado houve o investimento em programas e projetos, igualmente importante, foi o apoio direto por meio de consultorias e o esforço de dar luz e somar a outras iniciativas do campo filantrópico. O tema é recorrente em debates e eventos promovidos pelo IDIS, como o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, para o qual recorrentemente convidamos especialistas. Acompanhamos a criação do Movimento por uma Cultura de Doação e a chegada do Dia de Doar no Brasil, ao lado de inúmeras outras pessoas e organizações. Apoiamos ações de advocacy para a promoção de um ambiente regulatório mais propício à cultura de doação e estamos à disposição para contribuir a muitas outras ações.

Assim, juntos, criamos narrativas positivas e capazes de ‘furar a bolha’. Doadores podem doar mais e com mais intencionalidade. Não doadores, podem perceber que contribuir para as causas que são importantes para si é mais fácil do que parece. Engajar a imprensa, dessa forma, é um elemento-chave. Ao mesmo tempo que os municiamos de dados e reflexões, também formamos uma geração de jornalistas mais atentos e sensíveis a essa pauta.

O IDIS foi uma grande escola para mim, além de ter me aberto portas para esta potente rede que é o Movimento por uma Cultura de Doação, e a todos que fazem parte. A cada dia, adentro mais neste mundo. Provavelmente, com mais saberes, mas também com mais perguntas que tinha há cinco anos. O que levo de certeza é que fortalecer a cultura de doação é uma tarefa necessária e que não depende de uma única pessoa ou organização. Essa é uma missão coletiva, com ações confluentes. E por isso, não posso deixar de agradecer a todos que participaram de algum dos projetos aqui citados, e que se dedicam a esta causa de alguma forma. É juntos que fortaleceremos a cultura de doação no Brasil!

Estratégias de Grantmaking: qual a mais adequada para minha organização?

Por Aline Herrera e Luiza Helena Cordeiro, ambas da área de Gestão da Doação do IDIS

O grantmaking é uma prática filantrópica que vem ganhando força entre os investidores sociais brasileiros. A alternativa garante uma maior descentralização de recursos, em termos sociais, geográficos e de causas, embora também permita o desenho de recortes específicos que respondam à estratégia e aos temas prioritários do investidor. As estratégias de grantmaking consistem em distribuir um montante de recursos (principalmente financeiros, mas também técnicos e políticos) entre uma ou mais organizações, em vez de utilizá-los para projetos próprios. A ideia é confiar na expertise e legitimidade da ponta, ou seja, das organizações destinatárias para alcançar o impacto desejado. 

O ponto de partida para essa modalidade é entender a causa e/ou o território a ser contemplado, a partir de uma análise estratégica que considere os interesses e as possibilidades do doador, bem como as demandas locais. Além disso, o grantmaking é um instrumento que estimula o fortalecimento da sociedade civil organizada e pode até mesmo ser uma ferramenta de aprimoramento para as organizações participantes.

Há diversos caminhos para o financiamento de iniciativas e organizações pela modalidade de grantmaking. Neste texto abordaremos três alternativas mais usuais e conhecidas pelos investidores sociais. 

Edital

O Edital é um instrumento de seleção de ampla concorrência, que estabelece publicamente um conjunto de regras, critérios e condições para as organizações proponentes. Essa modalidade possibilita ao investidor um processo seletivo mais aberto e com ampla participação, que geralmente está associado com um esforço de divulgação

A seleção dos projetos é regulamentada por um conjunto de documentos, incluindo o termo de doação, o formulário de inscrição, e outros instrumentos que possam ser requeridos pelo doador, como modelos de cronograma de projeto, orçamento e quadro estratégico, além do regulamento. O regulamento é o documento central, que contém seções relacionadas à informações gerais do processo de seleção, como público alvo, período de inscrições e de divulgação dos resultados do edital, verba destinada e número de contemplados, além de outras informações como detalhamento das etapas e regras de participação e avaliação. Isso amplia as possibilidades de inscrição de organizações.

É desejável que, de largada, um edital já conte com uma matriz de critérios bem delimitada, ou seja, que seja capaz de filtrar e avaliar os projetos de maneira objetiva possibilitando análises mais assertivas e alinhamento prático com os objetivos do edital. Uma boa matriz de critérios também é integrada com o formulário de inscrição, refletindo automaticamente os pontos estabelecidos.

A principal característica diferenciadora do Edital em relação a outras modalidades é o caráter mais isonômico e transparente do processo. Isso estimula um método de concorrência em que as proponentes se inscrevem e são avaliadas de maneira imparcial. No geral, essa modalidade é indicada para cenários em que a causa (ou as causas) apoiadas tenham um grande leque de organizações atuantes e aptas, seja pela atuação na temática ou pela capacidade institucional para executar o tipo de projeto desejado. Também é recomendada para situações em que os recursos provêm de fontes públicas, como governos ou crowdfunding (iniciativas de financiamento coletivo) – casos em que caráter democrático e a transparência devem ser ainda maiores. 

É importante em um edital que os critérios de seleção e de eliminação estejam claramente definidos no regulamento, garantindo a máxima lisura do processo e preservando a integridade do doador e da organização apoiada. Para proteger o doador e garantir a potencialização do recurso, as organizações inscritas também precisam passar por um processo de compliance, que consiste na verificação de regularidade documental, institucional e midiática para mitigar riscos da doação e garantir sua legitimidade perante o poder público e a sociedade civil. Outra prática recomendável é a realização de entrevistas com as organizações finalistas para esclarecimento de dúvidas e estreitamento das relações entre doador/organizador e as organizações beneficiadas, conferindo maior materialidade para os projetos a serem apoiados.

De todas as modalidades, o Edital é o que dá maior ênfase ao processo de seleção. Sua estrutura documental é orientada para essa fase, estabelecendo diretrizes e instrumentos de avaliação para escolha das organizações e iniciativas inscritas e garantindo que, ao final do processo, os resultados sejam públicos.

Alguns exemplos de editais bem sucedidos são o Edital Educação com Cidadania, que está em sua quarta edição, do Instituto Chamex; e o Edital da Água, do Instituto Mosaic, ambos realizados com o apoio técnico do IDIS. Apesar de terem diferentes escopos e objetivos, ambas seleções prezam pelas mesmas etapas acima descritas, garantindo um processo aberto e transparente.

 

Carta Convite

Outra prática utilizada para o financiamento por grantmaking é a carta convite. Esta ferramenta é indicada principalmente em situações em que há uma demanda por projetos com alta especificidade, quando o doador já possui um conhecimento prévio das organizações e iniciativas que se enquadram na temática desejada, ou quando há um número reduzido de organizações aptas a atingir os objetivos do doador. Quando o doador já tem um rol de organizações em mente, mas possui recursos limitados e dúvidas sobre qual apoiar, a carta convite também pode servir como uma ferramenta de concorrência para auxiliar na decisão

Na carta convite, o doador assume uma postura ativa no mapeamento de organizações. Assim como no Edital, os proponentes passam por um processo de compliance prévio, garantindo que todas as organizações previamente mapeadas estejam aptas para o aporte.

Uma vez convidada, a organização deve submeter um projeto que atenda os moldes, condições e objetivos estabelecidos na Carta Convite, que atua de forma correspondente a um regulamento. A principal diferença dessa modalidade em relação ao edital é o caráter prospectivo do doador, que seleciona um número limitado de projetos ou iniciativas para escolha. Não à toa, essa prática também é comum para grandes grantmakers que são recorrentemente acionados com propostas em um volume maior do que conseguem processar, optando por prospectar ativamente organizações que se destacam.

 

Seleção Direta

A terceira ferramenta é a modalidade de seleção direta. Diferentemente das anteriores, esta contém uma escolha de financiamento mais simplificada, como já indica o próprio nome. Aqui, o processo de seleção é completamente internalizado. O doador realiza um mapeamento prévio de organizações e iniciativas que, após a aprovação das mesmas no processo de compliance, recebem o aporte por repasse direto – se assim desejar..

Essa forma de repasse, além de ser mais ágil, também cria um processo mais particularizado para o doador. Ela pode servir como um meio para a co-construção de um projeto customizado para os interesses do doador e da organização apoiada. Nesta modalidade, o grantmaker pode associar mais livremente o aporte a possíveis encargos, ou seja, estabelecer condições e contrapartidas, ou optar por não fazê-lo. 

Da mesma forma, sendo o grantmaking uma via de mão dupla, as organizações convocadas podem negociar os termos de apoio recebido, ou, em última instância, rejeitar a proposta, considerando seus próprios valores e necessidades.

 

Além do financeiro: como o grantmaking pode apoiar o trabalho das organizações?

Neste ponto, está claro que um dos grandes diferenciais do grantmaking é justamente a sua capacidade de abrangência para além das estratégias de repasse, possibilitando um investimento social privado que mobilize e transforme o desenvolvimento do campo. 

É importante frisar que o repasse de recursos não se limita a recursos financeiros, uma vez que há possibilidade de utilizar-se de instrumentos de capacitação e apoio técnico durante a vigência do aporte, a fim de assegurar mudanças e fortalecer as bases institucionais das organizações beneficiárias. O apoio técnico proporcionado pelo investidor confere um caráter diferenciado em financiamento, tornando o investimento social mais robusto e sofisticado.

Uma prática consolidada no uso de instrumentos técnicos para a estruturação de bases institucionais e a atuação de projeto é a capacitação para construção de uma Teoria da Mudança (TdM). A Teoria da Mudança é uma ferramenta de planejamento utilizado que visa definir o impacto desejado, estabelecendo o ‘como’ e o ‘porquê’ por meio de tópicos estruturais como objetivos e impactos a longo prazo. Além disso, a TdM delineia espaços de atuação, estabelecendo eixos que fornecem insumos para traçar os resultados desejados e, por consequência, as atividades que deverão ser realizadas para alcançá-los.

Essa estrutura, muito utilizada, capacita com clareza o direcionamento de um projeto, norteando ações a curto, médio e longo prazo. Ela define indicadores mensuráveis de acompanhamento para cada eixo ou resultados esperados, possibilitando um monitoramento próximo do progresso e fornecendo apoio constante para as organizações, caso necessário, para potencializar ações ou recalcular a rota. Esta qualidade modifica a visão do investimento social e consegue aproximar tanto o olhar do investidor quanto da organização à mudança de realidade que está sendo gerada na sociedade.

Ainda no âmbito de monitoramento, outra prática a ser estimulada por meio do grantmaking é a filantropia por confiança (Trusted Based Philanthropy). Esse modelo, que vem crescendo globalmente, enfatiza o investimento com maior flexibilidade e confiança no trabalho das organizações de ponta. O Trusted Based Philanthropy possibilita uma aproximação maior entre doador e organização beneficiária, promovendo uma relação aberta para feedbacks, trocas e ajustes nas ações do projeto. 

Dessa maneira, o monitoramento se torna um ponto de apoio entre o beneficiário e o investidor, fortalecendo a relação por meio de práticas como a prestação de contas e realização de relatórios, bases para a garantia da confiança e transparência. A prestação de contas para além de uma boa prática de confiança, também é um mecanismo facilitador de governança, aprimorando o relacionamento entre implementadores e financiadores.

 

Qual modalidade escolher?

Não há uma ‘receita de bolo’ para determinar qual estratégia de aporte é mais adequada; essa decisão depende intrinsecamente da disposição, recursos e objetivos do doador.

Como mencionado, os editais são a modalidade mais comum e abrangem um público mais amplo. No entanto, essa prática pode ser excessivamente objetiva, o que tende a reproduzir vieses (conscientes e inconscientes) e impossibilita o doador olhar para particularidades que possam envolver determinados grupos de organizações proponentes.

Por outro lado, as estratégias de seleção direta e carta convite podem se limitar a círculos já conhecidos e não serem efetivas em promover uma descentralização de recursos. O Guia das periferias para doadores, publicação do Instituto PIPA, aborda como públicos como as periferias podem ter dificuldades de acesso aos recursos de grantmaking por meio dessas modalidades:

“Sabemos que os editais não são a única forma de ‘chegar ao dinheiro’, mas essa forma permanece sendo a mais próxima da realidade das periferias. Tendo em vista que, ainda, estamos falando de um cenário com grande centralização de recursos, que acabam circulando entre as mesmas organizações e não chegam à ponta. Mesmo assim, as periferias ainda são as principais responsáveis por assegurar a própria existência. A quem deve servir os recursos senão aqueles que fazem a realidade acontecer? Quem está olhando para isso quando o problema transborda? 

Reforçamos que, mesmo não sendo o cenário ideal, a forma mais habitual dessas organizações acessarem os financiamentos para além dos recursos próprios, são os editais. Do mapeamento apenas 18% continham editais como forma de investimento para a execução de projetos, destes, 10% contemplam as organizações periféricas, contra 8% que não incluem a periferia como parte do seu público-alvo. Ainda assim, cabe destacar que a periferia é apenas um, dentre outros públicos, que são contemplados pelo recurso dos editais. Se os editais são fontes de recurso tão necessárias para as periferias porque há tão poucas organizações adotando este método de financiamento?”

O processo de grantmaking é multifacetado e interdisciplinar, além de precisar estar alinhado com seu contexto a nível interno (necessidades do doador) e externo (necessidades do campo). 

O IDIS conta com um time de consultores especialistas em formas de grantmaking para apoiá-lo nessa decisão. Confira nossos cases e entre em contato em comunicacao@idis.org.br

O que falta para o brasileiro enxergar a doação para além de uma resposta a crises?

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 04/09/2024

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento do IDIS

Altruísmo significa amor espontâneo pelo próximo. Em termos mais amplos, refere-se à capacidade de se dedicar a algo ou alguém sem esperar nada em troca, movido pela compaixão por uma causa ou situação. No fundo, quando falamos de altruísmo, estamos falando também de doação.

No Brasil, o ato de doar é difundido e socialmente reconhecido, especialmente em momentos de emergência, como vimos recentemente nas enchentes no Rio Grande do Sul. No entanto, ainda enfrentamos barreiras, como a desconfiança do doador em relação ao destino da doação e até mesmo a falta de identificação com certas causas e tipos de organizações.

O que falta para que o brasileiro comece a enxergar a doação não apenas como uma resposta a crises, mas como um caminho para uma sociedade mais justa, equânime e altruísta?

O recém-lançado World Giving Index 2024, uma das maiores pesquisas sobre doação já produzidas, com milhões de pessoas entrevistadas em todo o mundo desde 2009, revela um cenário que, a princípio, pode parecer animador, mas mostra que ainda temos uma longa estrada a percorrer no que diz respeito à generosidade.

Nesta edição, WGI incluiu dados de 142 países. Participantes da pesquisa foram questionados se realizaram, no último mês, três tipos de ações: ajuda a um desconhecido, doação em dinheiro a uma organização social ou prática de voluntariado.

O Brasil subiu três posições em relação ao ano anterior e agora ocupa o 86º lugar no ranking. O relatório aponta uma leve melhora de 3 pontos percentuais no dinheiro doado a ONGs. Ajudar pessoas desconhecidas continua sendo o comportamento predominante, praticado por 65% dos entrevistados.

O levantamento, realizado entre setembro e novembro de 2023, não contabiliza doações realizadas em decorrência da tragédia climática no Rio Grande do Sul.

No ano de 2022, em um país ainda comovido pela pandemia de Covid-19, ficamos entre os 20 países mais solidários do mundo. À época, o estudo destacou que 3 em cada 4 brasileiros ajudaram um estranho.

Contudo, de lá para cá, caímos mais de 60 posições no ranking. Olhando dessa forma, parece um resultado desalentador. Mas, em termos de pontuação, foi o segundo melhor resultado absoluto que atingimos desde 2009.

A pesquisa nos apresenta também parâmetros mundiais inspiradores para o Brasil. Nos últimos dois anos, muitos países registraram crescimentos significativos em seus níveis de generosidade. A Indonésia, pelo sétimo ano consecutivo, é o país mais generoso do mundo, com 90% da população doando dinheiro para ONGs e 65% destinando seu tempo a ações de voluntariado.

Curiosamente, entre os dez países que lideram o ranking de generosidade, apenas duas estão entre as maiores economias do mundo (Indonésia e Estados Unidos), enquanto a Gâmbia, um dos países mais pobres do mundo, ocupa o quarto lugar.

Políticas públicas voltadas ao incentivo à filantropia, como incentivos fiscais, matching de doações individuais e benefícios para a prática de voluntariado corporativo, têm mostrado resultados positivos em Singapura e podem servir de exemplo para o Brasil.

O potencial do doador do brasileiro em situações críticas e emergenciais é inquestionável. No entanto, para fortalecer a generosidade e a cultura de doação no país, é essencial que a prática de doação se torne regular.

É preciso transformar o ato de doar em uma expressão contínua de cidadania e compromisso, capaz de gerar impactos socioambientais positivos e duradouros em nossa sociedade. O verdadeiro altruísmo se manifesta quando a doação transcende o imediato e se torna parte do cotidiano.

Fundos filantrópicos: o que são, tipos e como diferenciá-los

Por Letícia dos Santos, analista de projetos no IDIS

O esforço por um ambiente cultural, social e institucionalmente mais propício e fértil à filantropia passa pela criação de estruturas e mecanismos que deem vazão ao capital filantrópico, respondendo às motivações e objetivos do investidor social, enquanto fortalecem causas e organizações de interesse público.

Esse é o caso dos fundos filantrópicos, instrumentos de captação e distribuição de recursos que têm se tornado cada vez mais uma alternativa para empresas, sociedade civil e instituições públicas que procuram atuar de forma rápida e robusta para minimizar danos em emergências, unir esforços e visibilizar pautas sociais, ou garantir sustentabilidade de instituições e causas de forma perene.

Os fundos filantrópicos são criados para receber doações, que podem vir de diferentes fontes, destinadas a sustentar causas ou organizações específicas. O princípio básico dos fundos filantrópicos é garantir, por um lado, confiança no processo de gestão e alocação dos recursos e, por outro, criar, fortalecer ou diversificar fontes de recursos para fins socioambientais. Apesar dessa premissa geral, eles podem assumir distintos formatos e funcionamentos, dependendo dos seus objetivos, o que pode dificultar o entendimento do que, afinal, seria um fundo filantrópico e seus diferentes tipos.

Neste artigo propomos a classificação dos fundos filantrópicos com base em sua temporalidade, dividindo-os em três tipos: fundos temporários, fundos permanentes ou contínuos e fundos patrimoniais ou perenes. 

Fundos temporários

 

Os fundos temporários, em geral, surgem para responder a questões socioambientais urgentes. Planejados para atuar por um prazo determinado, esses fundos visam atender a demandas emergenciais e costumam operar como instrumentos para captação ampla de recursos, a fim de prover uma resposta imediata e volumosa. Os instituidores deste tipo de fundo nem sempre têm ligação direta com a causa a instituição apoiada, mas possuem força de liderança e grande capacidade de mobilização.

São exemplos de fundos temporários aqueles criados durante o período de pandemia de Covid-19, como o Fundo Emergencial para a Saúde. Esta iniciativa do IDIS, BSocial e Movimento Bem Maior, instituída em 2020, visava fortalecer o sistema público de saúde no combate ao coronavírus. Em sete meses, o fundo arrecadou R$ 40,4 milhões, destinados à compra de equipamentos hospitalares, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para profissionais da saúde, medicamentos e testes para diagnóstico da Covid-19. (Para saber mais: Como Criar um Fundo Emergencial: A Experiência e os Resultados do Fundo Emergencial para a Saúde na Pandemia de Covid-19 no Brasil).

Os fundos temporários também têm sido utilizados para minimizar impactos negativos causados por emergências climáticas. Exemplos incluem fundos criados para apoiar comunidades do Rio Grande do Sul atingidas pelas fortes chuvas em maio de 2024, ou para apoiar a reestruturação dessas comunidades, como o fundo RegeneraRS, idealizado pelo Instituto Helda Gerdau, em parceria com a Din4mo Lab. Apesar de seu caráter temporário, o RegeneraRS visa apoiar o desenvolvimento de soluções de longo prazo para o fortalecimento local.

Outro exemplo é o Juntos Pela Saúde, uma iniciativa do BNDES gerida pelo IDIS, com perspectiva de arrecadação e distribuição de R$ 200 milhões até 2026. O fundo atua para ampliar o acesso à saúde em regiões do norte e nordeste do país por meio de editais e fomentos estruturados. Para tanto, opera no sistema de matchfunding, em que a cada real aportado por uma instituição apoiadora, o BNDES contribui com outro real destinado ao fundo.

 

Fundos permanentes ou contínuos

 

O segundo grupo de fundos são os permanentes, que buscam visibilizar e fortalecer uma causa ou uma instituição de forma contínua. Instituidores deste tipo de fundo tendem a ser mais próximos ou alinhados à causa de atuação. Embora essas causas possam ser tão complexas quanto aquelas que motivam os fundos temporários, elas são vistas como menos emergenciais. Exemplos incluem pautas equitativas ou igualitárias, democráticas e de preservação ambiental.

Os fundos permanentes ou contínuos são instrumentos aliados na mobilização de um grande número de financiadores e de organizações (juridicamente formalizadas ou não, como, por exemplo, movimentos sociais e coletivos) em torno da promoção de causas. O Elas+ Doar para Transformar, o Fundo Agbara e o Pacto pela Democracia são exemplos de fundos de iniciativa da sociedade civil voltados para justiça social que atuam neste modelo.

Já no âmbito da iniciativa de investimento social empresarial, o Fundo de Investimento Social Privado pelo Fim das Violências Contra Mulheres e Meninas, do Instituto Avon, em colaboração com a Accor, representa a transição de um fundo que foi concebido inicialmente como temporário durante a pandemia de Covid-19 – quando a violência doméstica contra meninas e mulheres aumentou – e tornou-se permanente. O fundo se tornou um instrumento estratégico do Instituto devido ao seu alinhamento com a causa da defesa de direitos fundamentais das mulheres. (Veja mais em: Cases IDIS – Instituto Avon)

Tanto nos fundos temporários, quanto nos fundos permanentes, os recursos que os compõem são totalmente distribuídos para as suas finalidades filantrópicas, por meio de um fluxo constante de gestão financeira e programática, com o objetivo de garantir a destinação total dos recursos captados.

 

Fundos patrimoniais filantrópicos

 

Por sua vez, os fundos patrimoniais filantrópicos são instrumentos voltados à promoção de sustentabilidade de longo prazo para causas ou instituições apoiadas. Diferentemente dos fundos temporários e permanentes, o seu funcionamento não é amparado na utilização dos recursos captados, mas na gestão desses recursos para a geração de rendimentos – esses sim destinados à atuação filantrópica do fundo. O objetivo é garantir a preservação do patrimônio acumulado e permitir resgates periódicos para o apoio de causas ou instituições de interesse público.

No Brasil, esse mecanismo ganhou força sobretudo a partir de 2019, com a promulgação da Lei dos Fundos Patrimoniais (Lei nº 13.800/2019) que, além de criar um ambiente institucional e seguro para sua operação, trouxe visibilidade para temática e sua importância. Além disso, regulou a parceria entre organizações gestoras de fundos patrimoniais (OGFPs) e instituições apoiadas, que podem ser públicas ou privadas.

Grandes fundos patrimoniais brasileiros antecedem a criação da lei, como os fundos da Fundação Bradesco e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Esses fundos, criados com o objetivo de constituir o legado de investidores sociais privados, possuem mais de 50 anos de história.

A promoção de maior independência e estabilidade operacional das organizações no longo prazo também estão dentre os motivos que levam à constituição de fundos patrimoniais, como o caso do Fundo de Fomento à Filantropia, criado pelo IDIS para ampliar o impacto da filantropia estratégica e, assim, promover mais transformações sociais positivas.

No caso de instituições públicas, muitas das maiores universidades estaduais e federais brasileiras têm constituído seus fundos patrimoniais com o objetivo de promover maior excelência no ensino, por meio da realização de projetos de extensão universitária, apoio à permanência estudantil e outras iniciativas, como é o caso do Fundo Patrimonial da USP.

Conheça mais sobre fundos patrimoniais filantrópicos.

Embora os fundos filantrópicos possam ser divididos em grupos, na prática, muitas organizações utilizam uma combinação de fundos permanentes e perenes para seus projetos e finalidades operacionais, enquanto fundos temporários podem, eventualmente, se transformar em permanentes ou perenes.

Assim, o primeiro ponto a ser definido na estruturação de um fundo é o seu propósito: o que se pretende alcançar com os recursos mobilizados? A partir dessa definição, é possível traçar as possibilidades de gestão e destinação desses recursos para atingir a finalidade filantrópica desejada, compreendendo as origens dos recursos e os stakeholders envolvidos nesse arranjo.

 

Avaliação de impacto como estratégia para excelência em sustentabilidade

por Denise Carvalho, Gerente responsável pela área de Monitoramento e Avaliação no IDIS e Daniel Barretti, Gerente de projetos, especialista em Avaliação de Impacto

A integração da ideia de impacto às estratégias de ISP corporativas tem se tornado cada vez mais constantes. Empresas que adotam essa abordagem não apenas alinham suas iniciativas de ISP com objetivos de sustentabilidade mais amplos, mas também facilitam a interpretação e integração de dados e indicadores monitorados através de frameworks ESG. Essa prática permite uma visão panorâmica do impacto socioambiental, orientando decisões estratégicas.

Ou seja, a interseção entre o ISP e a sustentabilidade corporativa não só redefine o propósito empresarial, mas também demonstra um potencial significativo para impactar positivamente a sociedade e o meio ambiente. A avaliação de impacto, dentro deste contexto, serve como uma bússola, guiando as empresas em direção a práticas mais sustentáveis e responsáveis.

A estratégia de incorporar o ISP nas práticas de sustentabilidade de uma empresa não é apenas uma questão de responsabilidade social corporativa; é uma abordagem que pode gerar valor substancial. A teoria da Criação de Valor Compartilhado¹, proposta por Michael Porter e Mark Kramer, oferece uma sustentação teórica robusta para entender a interconexão entre o ISP e a performance em sustentabilidade. Segundo essa teoria, as empresas podem gerar valor econômico de uma maneira que também produza valor para a sociedade, enfrentando suas necessidades e desafios. Neste sentido, a avaliação de impacto permite que as empresas quantifiquem e comuniquem como suas iniciativas de ISP estão contribuindo tanto para seus objetivos de negócios quanto para objetivos sociais mais amplos.

O caráter de aprendizagem inerente ao processo de monitoramento e avaliação é outro aspecto relevante. Empresas que diligentemente monitoram e avaliam suas iniciativas de ISP demonstram uma curva de crescimento acentuada em sua performance de sustentabilidade. Esse crescimento é atribuído ao aprendizado contínuo e à capacidade de adaptação, evidenciando como a avaliação de impacto transcende a mera conformidade, tornando-se um vetor de inovação e melhoria contínua.

Além disso, o papel do monitoramento, em conjunto com a avaliação, é fundamental. Indicadores de processo e resultados, usuais nos frameworks ESG, promovem a uniformização e disseminação de boas práticas. Essa padronização não apenas assegura a robustez dos resultados de sustentabilidade, mas também facilita a comparação e a competição saudável entre empresas por melhorias sociais significativas.

Os resultados da análise feita neste estudo reforçam a importância dessas práticas. Empresas que avaliam o resultado de suas iniciativas de ISP não só apresentaram uma performance superior no ISE B3 como um todo, mas também registraram um aumento significativo em sua performance entre 2022 e 2024.

Em termos práticos, a coleta sistemática de indicadores de impacto permite que se olhe, de maneira reflexiva e estratégica, para a eficiência de determinada intervenção social e consequentemente permite a revisão e o aprimoramento periódicos com vistas à maximização dos benefícios sociais almejados e gerados. Não raro, projetos sociais acabam por gerar impactos positivos não intencionais e que passariam despercebidos caso não houvesse uma avaliação que levasse em conta, por exemplo, a percepção dos beneficiários quanto às mudanças geradas em suas vidas.

Em oposição, iniciativas que se atém apenas a indicadores de processo e de produto não conseguem refletir de maneira estratégica sobre suas ações e propósito, e também, invariavelmente, pecam na compreensão e consequente comunicação de seus resultados e impactos.

Considerando a importância de uma abordagem holística e integrada à avaliação de impacto, sugere-se que, para alcançar e manter uma performance de sustentabilidade de alto nível, as empresas devam adotar práticas de monitoramento e avaliação que sejam tanto rigorosas quanto adaptáveis à realidade de cada iniciativa. À medida que o cenário empresarial continua a evoluir, a capacidade de avaliar e responder efetivamente ao impacto socioambiental das iniciativas de ISP será cada vez mais vista como um componente essencial da liderança em sustentabilidade.

¹ PORTER, M. E.; KRAMER, M.R. Creating Shared Value: how to reinvent capitalism and unleash a wave of innovation and growth. Harvard Business Review, 2011.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

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O ISP como forma de se relacionar mais e melhor com as comunidades

Por Felipe Groba, gerente de projetos do IDIS, e Whilla Castelhano

Já ficou para trás o tempo em que as doações das empresas para projetos socioambientais eram baseadas exclusivamente nos desejos dos altos executivos. Cada vez mais, é exigido das empresas um alinhamento com as expectativas e necessidades de quem recebe as doações, fortalecendo suas potencialidades e, principalmente, investimentos alinhados com os anseios locais. Progressivamente, vemos as empresas respondendo à altura, adaptando-se às novas demandas e compreendendo que não podem crescer e gerar lucros sem considerar a geração de impactos positivos para os públicos com os quais se relacionam e para a sociedade. Ora a passos rápidos, ora a passos muito lentos, avançamos para um entendimento de que é preciso trabalhar em conjunto e de forma estratégica para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental do mundo onde vivemos.

Este estudo corrobora esses conhecimentos empíricos e experiências que compartilhamos no IDIS. Em 2024, 79% das empresas avaliadas no triênio afirmaram conduzir consultas com stakeholders relevantes e com a comunidade para estabelecer uma agenda conjunta. Esse é um processo de construção importante para o setor social e uma experiência que gerará estratégias inovadoras de investimento e resolução de problemas.

Um outro dado que respalda a importância do envolvimento da comunidade para um ISP estratégico é a empresa criar condições de autossuficiência financeira e organizacional para as organizações apoiadas. Para o desenvolvimento sustentável do setor social, execução de projetos melhores e com mais impacto, remuneração adequada, investimento e expansão das atividades, e até propor ações e soluções inovadoras, uma organização social demanda investimento e segurança financeira, assim como uma empresa. Em 2024, 50 empresas informaram atuarem desta forma junto às organizações e, com pontuações altas e similares entre si, mostram que este é um novo caminho que as empresas estão aderindo.

Podemos considerar que essas ações surgem como resultado também dessa relação com atores locais e canais de comunicação constantes para o processo de decisão? Acreditamos que sim! Afinal, envolver novos atores traz novos olhares e conhecimentos, mostra novas prioridades e fragilidades, que as empresas em conjunto com as organizações podem apoiar e inovar. Consequentemente, temos projetos e organizações sociais mais estruturadas, com mais impacto e atuando de forma mais estratégica para endereçar as demandas locais e reduzir as desigualdades no Brasil.

Diálogos locais, impacto social positivo coerente com a empresa, canais abertos e transparência do ISP movem o ponteiro de atuação e exigem das empresas novos olhares. É preciso, porém, que empresas avancem ainda mais nesta agenda, buscando maneiras de se envolverem com atores locais, atuando em parceria com o Terceiro Setor de maneira complementar. O ISP possui um importante papel: ao construir um relacionamento voltado para a comunidade e o entorno, junto às diretrizes e demandas internas da empresa, as estratégias de investimento socioambiental são mais assertivas, direcionadas e promovem melhorias em territórios. Um ISP construído em parceria, que considere as narrativas daqueles que já foram e estão sendo beneficiados por diferentes iniciativas, terá resultados mais longevos e de maior impacto e retorno para a empresa no longo prazo.

É uma relação de reciprocidade. As empresas, ao ouvirem e investirem de acordo com as demandas locais e ao estabelecerem processos de construções conjuntas, contribuem para o fortalecimento das organizações sociais, que ficam mais bem estruturadas, mais sólidas e robustas. Essas organizações ganham maior capacidade para gerar impactos positivos e resultados mais sustentáveis. Um ciclo virtuoso em que todos ganham, em especial, a sociedade.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

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Quero promover impactos socioambientais positivos. Devo criar uma fundação?

Por Henrique Barreto e Andrea Hanai, ambos gerentes de projetos do IDIS

O aumento das demandas públicas e das pressões sociais por posturas proativas e compromissadas das empresas em sua atuação social resultou em um aumento significativo da criação de institutos e fundações empresariais durante meados dos anos 90. Podemos enxergar essa onda como um primeiro movimento marcante de resposta das organizações, que passaram a ser cada vez mais cobradas a reconhecer a importância de assumir responsabilidades para além do lucro.

As fundações e institutos criados, concentrariam, então, os esforços das empresa para promover um impacto social positivo, representando um compromisso perene e operando com autonomia e independência no enfrentamento de uma ou mais causas caras ao desenvolvimento socioambiental, de forma conectada, ou não, ao negócio de suas instituidoras. Estas estruturas passaram a concentrar especialistas, desenvolver metodologias, criar projetos proprietários ou apoiar projetos de terceiros (grantmaking), estabelecer pontos de contato com o setor público e a gerar impacto positivo, ajudando efetivamente a construir reputação e cidadania para suas marcas instituidoras. Ainda assim, no início, de forma geral, eram pequenas e médias células de impacto, com equipes formadas por especialistas, apartadas do negócio e mais resistentes a cortes e mudanças de direção.

A expectativa social de que as empresas devem atuar sobre outras dimensões que não apenas a econômica não parou de crescer desde então. A esse debate, somaram-se as discussões sobre propósito e gestão ESG, que equilibra a produção econômica com os impactos sociais e ambientais positivos, buscando aprofundar a responsabilidade social e o investimento social privado como partes de uma atuação integrada, que permeia todas as áreas do negócio. Nesse sentido, a existência de veículos filantrópicos empresariais configura-se como parte relevante dessa atuação responsável e sólida. Isso não quer dizer, entretanto, que possuir um instituto ou fundação empresarial seja suficiente, uma vez que o desempenho positivo socioambiental de uma empresa é fortalecido por um conjunto de fatores.

Anteriormente, os veículos filantrópicos operavam de forma mais independente, complementando as ações da empresa. Atualmente, a agenda ESG introduz novas complexidades e proporciona maior integração entre o investimento social e a estratégica corporativa. Por meio de parcerias com outras organizações e empresas, os projetos conduzidos por institutos e fundações podem promover uma cultura colaborativa e demonstrar um compromisso significativo com determinadas causas, utilizando não apenas recursos financeiros, mas também outras competências em prol do benefício público.

Essas observações apontam para uma mudança no paradigma dos projetos conduzidos por institutos e fundações empresariais, que parecem menos proprietários e mais altruístas, sendo capazes de atrair coalizões e parcerias. É o caso, por exemplo, do fundo de combate à violência contra meninas e mulheres, parceria do Instituto Avon com a Accor Hotels, e que também se mantém aberto para novos participantes e financiadores.

De fato, ao observar a pesquisa, nota-se que a performance no tópico de Investimento Social Privado é levemente melhor, tanto na média quanto na mediana, em empresas que atuam por meio de veículo filantrópico proprietário. Isso pode representar maior maturidade das empresas que possuem esse tipo de veículo, sugerindo que o compromisso de constituir um instituto ou fundação também carrega maior responsabilidade e desempenho mais elevados em relação ao Investimento Social Privado e a Cidadania Corporativa em geral. Também observamos menor variação no desempenho de empresas que possuem veículos próprios, como se sua constituição também representasse um patamar mínimo de sucesso nesse quesito. Por exemplo, em 2024, empresas com um veículo filantrópico não tiveram desempenho abaixo de 60%, e apresentaram uma menor distribuição das notas em relação às empresas que não possuem veículos filantrópicos.

Por outro lado, considerando as 85 empresas que responderam durante todo o triênio,
não há diferença estatisticamente significativa para a diferença em performance no ISE
B3 entre empresas que atuam via veículo filantrópico e aquelas que não. Isso sugere que, mesmo sem a criação de um instituto ou fundação empresarial, o que sugere um compromisso mais firme e duradouro, com mandato e agência próprios, e protegidos das flutuações empresariais, ainda é possível obter um bom desempenho no ISE B3. Nesse sentido, é possível imaginar empresas que incorporaram a responsabilidade social em várias áreas como parte de suas operações, atuando sob a coordenação e o engajamento de uma área de responsabilidade social corporativa integrada ao negócio.

Podemos estabelecer que é possível pontuar bem em sustentabilidade empresarial, mesmo na ausência de veículos filantrópicos específicos. No entanto, esses veículos permanecem como estruturas importantes (ao lado de fundos filantrópicos, outra modalidade capaz de fomentar o co-investimento), que demarcam compromissos empresariais firmes diante de inúmeros dilemas e questões sociais. Eles serão ainda mais efetivos caso consigam conectar seus focos de atuação ao negócio, constituindo-se como elementos importantes, inclusive, para impulsionar o crescimento de uma agenda ESG mais ampla e profunda, ligada ao propósito e que deve permear toda organização.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

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A relevância do Investimento Social Privado na composição do ISE B3

Por Marcos Alexandre Manoel, diretor de projetos no IDIS

Desde que aspectos relacionados a impacto socioambiental e avaliação de riscos passaram a integrar a estratégia de negócios de um número cada vez maior de empresas, vimos o mercado virar do avesso e o assunto ganhar potência e escala. É evidente que a ideia de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa não é recente, mas a lógica do mercado certamente mudou desde que foi sugerido que os recursos alocados em projetos socioambientais de interesse público não fossem mais encarados como despesas, mas, sim, como investimentos que trazem retornos de curto, médio e longo prazos. Isso é o que chamamos de Investimento Social Privado (ISP) – ou filantropia estratégica, integrada a uma agenda ESG.

Dentro dessa agenda, que ganhou corpo na última década com o reporte ao mercado financeiro desses aspectos sociais, ambientais e de governança, o ISP é apenas uma dentre as tantas variáveis que impulsionam uma empresa em direção à sustentabilidade. Entendemos, porém, que as práticas de ISP possuem alta capilaridade e podem potencializar substancialmente as ações socioambientais de uma empresa. Ou seja, quando bem-feito, o investimento social pode ajudar a destravar diversos outros pontos de uma agenda de sustentabilidade empresarial. Empiricamente, o Terceiro Setor vem trabalhando há anos para demonstrar o impacto que o ISP pode causar nas métricas ESG de uma organização, especialmente no campo social.

Para comprovar essa hipótese, o IDIS se propôs a analisar a correlação entre o ISP e as notas do ISE B3, o maior índice de sustentabilidade do País. Foi muito gratificante identificar, por meio deste estudo, que o ISP se manteve, nos últimos três anos, entre os dez tópicos que possuem maior correlação com a nota do ISE B3. Ou seja, empresas que têm um bom desempenho em filantropia estratégica tendem a ter um bom desempenho em sustentabilidade empresarial como um todo. É interessante, inclusive, observar que as práticas de ISP figuram lado a lado com aspectos como ‘fundamentos de gestão da sustentabilidade empresarial’, ‘ética nos negócios’ e ‘tendências e propósito’. A aproximação com tópicos que naturalmente possuem uma maior transversalidade, indica o caráter tático do ISP na formulação e implementação de estratégias integradas de sustentabilidade empresarial.

Uma estratégia de ISP alinhada à estratégia ESG ajuda a materializar o propósito da organização para seus stakeholders, gerando resultados tangíveis para a empresa e para a sociedade. O investimento de uma empresa em projetos socioambientais pode ser uma boa maneira de engajar diferentes partes interessadas e iniciar agendas coletivas com o poder público e sociedade civil organizada, promovendo benefícios tanto para a sociedade quanto para as empresas. Além disso, contribuiu para que empresas demonstrassem seus compromissos socioambientais de forma clara e robusta, sinalizando para o mercado e consumidores um compromisso real com diferentes causas.

Apesar de parecer lógico, esse alinhamento não é tarefa fácil. Além de ser preciso conectar as ações com os desafios do negócio e o propósito das marcas, uma atuação estratégica deve considerar aspectos materiais do negócio e um bom mapeamento de partes interessadas e diferentes formas de engajá-las. Além disso, ações socioambientais devem ser complementares aos esforços empreendidos pelo Terceiro Setor, promovendo trocas que enriquecem a atuação de todos os atores. Os dados do estudo mostram que essa é uma tarefa relevante e que deve ser tratada com importância pelo setor privado, já que está altamente correlacionada a uma gestão abrangente da sustentabilidade empresarial.

Em resumo, empiricamente sabemos que, ao conectar o conceito e as práticas de ISP ao propósito e aos valores institucionais, considerando o viés econômico do negócio e a perspectiva dos principais stakeholders em relação ao valor socioambiental a ser criado pela empresa, é possível potencializar a capacidade da organização de gerar impacto positivo para a sociedade e valor real para o negócio. Essa relação está agora comprovada quantitativamente, considerando uma amostra extremamente relevante de empresas brasileiras.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

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A hora de doar é sempre, e precisamos falar sobre isso

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense

As tragédias nos lembram da urgência da doação, mas é importante frisar a necessidade da continuidade. Afinal, se os problemas são recorrentes e de longo prazo, a ajuda também precisa ser

Por Luisa Gerbase de Lima, gerente de comunicação e conhecimento do IDIS

O Brasil e o mundo assistiram, com tristeza e revolta, à tragédia que acometeu o Rio Grande do Sul e soma números assustadores de vítimas, além dos estragos em habitações, infraestrutura e consequências para a economia local. As cenas ainda geram comoção e sensibilizam pessoas. A solidariedade se manifesta de maneira acalentadora. Essa que é — ou deveria ser — tendência.

Dia a dia, acompanhamos a mobilização de organizações da sociedade civil, empresas, celebridades e de muitos, muitos indivíduos. Doam dinheiro, bens, tempo, na forma de voluntariado, e contribuem para que tudo chegue a quem mais precisa. Alguns podem ter se admirado com a potência desse apoio, mas o que presenciamos foi a reafirmação de que, no Brasil, existe uma cultura de doação pujante e que precisa ser incentivada para além dos momentos de crise.

O processo de tomada de consciência sobre o papel e o poder do cidadão foi destacado na Pesquisa Doação Brasil, que mostrou que 84% dos brasileiros acima de 18 anos e com rendimento familiar superior a um salário mínimo fizeram ao menos um tipo de doação, seja de dinheiro, bens ou tempo, em 2022, sendo esse o maior percentual registrado na série. Mantém-se relevante também a consciência do protagonismo cidadão, refletido nos 86% de doadores que o fazem porque acreditam que cada um de nós precisa participar da solução de problemas sociais, para além dos governos, empresas e organizações sociais. Tendência que é ainda mais relevante no recorte da geração Z, que diz acreditar ainda mais no poder transformador das ONGs, além de priorizar compras a partir de causas e crenças do que é melhor para o mundo.

O despertar da consciência participativa diante dos desafios sociais e ambientais é um fenômeno cada vez mais evidente e relevante em nossa sociedade. Independentemente dos desafios do aprofundamento da cidadania e da participação política, é inegável o crescente protagonismo da sociedade civil, seja em sua expressão organizada, seja no comportamento individual, assumindo um papel proativo para incidir sobre a desigualdade, em suas diferentes formas.

Ao mesmo tempo em que cresce a participação, cai a crença de que não devemos falar sobre doações. O ditado “o que a mão esquerda faz a direita não deve saber” começa a perder adeptos, e essa é uma ótima notícia. Quando falamos sobre doações é quando instigamos os outros também a agir. Ainda segundo a Pesquisa Doação Brasil, celebridades ou perfis nas redes sociais influenciaram a decisão de 17% da população que realizou alguma doação. Olhando o recorte da geração Z, a influência é ainda maior: chegando a 25%. Ou seja, quanto mais falam sobre doações, mais crescem as doações em geral!

Mas há sempre o clássico argumento que justifica a não doação: a desconfiança. Como vamos saber se o dinheiro chegará mesmo ao seu destino e se será aplicado na causa ou na ação desejada? Para superar essa barreira, as organizações sociais têm investido em instrumentos e mecanismos de transparência, além de práticas de comunicação que dão mais visibilidade ao fluxo dos recursos e aos impactos alcançados.

A imprensa também tem tido um papel importante, cobrindo com mais amplitude o tema, contribuindo para dar luz às iniciativas e esclarecendo notícias falsas quando são veiculadas. Destaca-se também a iniciativa Sociedade Viva, que usa a força da comunicação para mostrar à população a importância e o impacto do trabalho das ONGs para as pessoas e para a democracia.

As tragédias nos lembram da urgência da doação, mas é importante frisar a necessidade da continuidade. Afinal, se os problemas são recorrentes e de longo prazo, a ajuda também precisa ser. Enquanto a calamidade estampa o noticiário e domina a atenção dos espectadores, o pós-catástrofe acontece fora dos holofotes. Após o socorro emergencial, a destinação de artigos de urgência, será necessário reconstruir a vida.

Por isso, doar precisa ser hábito. Doar é investir em um legado para o país e no fortalecimento do papel da sociedade civil organizada como agente essencial no combate às desigualdades. É preciso doar, e precisamos falar sobre isso.

O que é Investimento Social Privado (ISP)?

Você já ouviu falar em Investimento Social Privado? O termo é um sinônimo do que conhecemos como filantropia estratégica, uma prática que passou por transformações ao longo do tempo.

Até o século XIX, a filantropia ainda era um conceito bastante ligado às doações esporádicas e assistencialistas feitas por famílias de alto poder aquisitivo ou por igrejas. Enquanto isso, entre as empresas, em plena revolução industrial, pouco se falava sobre o assunto.

Apenas por volta de 1950 é que surge o conceito de responsabilidade social corporativa, que passa a considerar a empresa como corresponsável pelo contexto socioambiental em que está inserida e sugere a atuação de forma intencional para soluções externas, buscando compensar algum dano causado à sociedade; e internas, buscando promover práticas éticas, sustentáveis e socialmente responsáveis dentro da própria organização.

No fim década de 1980 o assunto ganha força com o crescimento da pauta da sustentabilidade, que é muito mais ampla, e considera o equilíbrio das dimensões ambiental, social e econômica.

Já no final do século XX, por fim, surge o conceito de investimento social privado (ISP), propondo que os recursos alocados em projetos socioambientais não sejam mais encarados como despesas, mas como investimentos que trazem retornos – tanto para a organização, quanto para sociedade, comunidade e meio ambiente. Quando a camada de intencionalidade passa a fazer parte das decisões sobre doação, passamos a nos referir à filantropia estratégica.

Neste texto, você entende o conceito de investimento social privado e mais sobre sua evolução.


O que é o investimento social privado e por que é importante?

O investimento social privado (ISP) é, resumidamente, a destinação voluntária e estratégica de recursos em benefício da sociedade. Esses recursos não são necessariamente apenas financeiros, podendo incluir mão de obra, tecnologia, produtos, inteligência, entre outros.

Também são variadas as formas de realização, já que a prática pode acontecer por meio do desenvolvimento de iniciativas próprias – por exemplo, quando uma empresa decide criar um projeto de educação para pessoas em situação de vulnerabilidade. Ou pelo repasse de recursos para ações e projetos desenvolvidos por terceiros, como o apoio a uma ONG ou coletivo que já esteja engajado em uma causa e já possua projetos estruturados nesse sentido.

Quando uma empresa decide implementar ações de ISP, ela geralmente procura identificar áreas em que suas ações podem ter o maior impacto positivo possível. Isso significa escolher áreas em que a empresa tenha expertise, recursos ou uma presença significativa, para que suas contribuições sejam mais eficazes e possam gerar mudanças relevantes. Para identificar pontos de sinergia entre o negócio e as oportunidades de investimento social, é necessário conhecer os principais indicadores sociais e ambientais dos locais em que a empresa atua, os elementos chave de sua cadeia de produção, o perfil do beneficiário do programa, entre outros aspectos relevantes.

Ao realizar um investimento social estratégico, a empresa se compromete com a sustentabilidade de seus entornos, apoiando, inclusive, ações que podem estar alinhadas com agendas globais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O mecanismo não é apenas benéfico para causas e organizações apoiadas, mas para as empresas que o praticam. Alinhar o posicionamento da marca a causas sociais comunica uma mensagem positiva para a sociedade, reforça os valores e o propósito da empresa, além de promover sua aproximação com a comunidade em que atua.

A pesquisa Edelman Trust Barometer 2022, que mede a confiança das pessoas nas instituições, mostrou que, no Brasil, valores e posicionamentos das empresas são determinantes para pessoas comprarem ou defenderem marcas (65%), para escolherem um lugar para trabalhar (58%), ou para investirem em empresas (60%).

Outro estudo, a Pesquisa Doação Brasil 2022, que avalia o comportamento do doador individual brasileiro, demonstrou que mais pessoas passaram a considerar empresas como corresponsáveis pelas soluções dos problemas do país. 92% dos respondentes concordavam com a afirmação naquele ano, comparado a 82% na edição de 2020 e 34% em 2015.


O Investimento Social Privado (ISP) tem a ver com o ESG?

Continuando a evolução da discussão sobre responsabilidade empresarial, no início do século XXI foi cunhada a sigla ESG (a partir das iniciais em inglês de ‘Ambiental’, ‘Social’ e ‘Governança’). Ela se tornou muito importante porque traz para a conversa os investidores financeiros, que passam a considerar em suas decisões o alinhamento de uma empresa às boas práticas nas três dimensões. Torna-se um critério para estabelecer o valor da companhia. Novamente, segundo o Edelman Trust Barometer 2022, 88% dos investidores avaliam o posicionamento ESG das empresas tão rigorosamente quanto outros indicadores.

Conheça o estudo clicando aqui

E o que isso tem a ver com ações de ISP? O investimento social privado é justamente um caminho para que empresas atinjam metas e compromissos ESG. Por meio da filantropia estratégica, as empresas podem direcionar recursos para projetos, organizações da sociedade civil (OSCs) e iniciativas que contribuam para o desenvolvimento socioambiental da comunidade. Como entendemos que o ISP atua alinhado ao negócio, a agenda ESG torna-se uma aliada na formulação dessas práticas, mensurando e mitigando riscos não financeiros.


Investimento Social Privado no Brasil

Por aqui, a prática de Investimento Social Privado é encontrada em muitas empresas, mas ainda há muito espaço para crescimento. Dados do Censo GIFE 2022-23 revelam um panorama interessante. Em 2022, o valor total investido pelas organizações respondentes foi de R$ 4,8 bilhões. Em 2021, o volume foi de R$ 4,4 bilhões, ou seja, houve um crescimento significativo.

No entanto, os números ainda não se equiparam a 2020, quando o valor alcançou R$ 6,1 bilhões, o maior desde o início da série histórica. Há uma explicação para isso. O pico, em grande parte, pode ser atribuído ao contexto da pandemia. A crise sanitária teve um impacto direto nas estratégias de investimento das empresas, levando a uma ampliação nos recursos destinados a projetos sociais. Temos assim, um indicativo do potencial de ISP que podemos perseguir.

Mesmo com esse ponto fora da curva, os números de 2021 e 2022 são maiores do que a média anterior à pandemia, indicando uma tendência geral de crescimento do Investimento Social Privado no Brasil. Com isso, temos diante de nós uma oportunidade de reflexão e busca por novas abordagens para impulsionar o Investimento Social Privado.

O IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social é uma organização social independente fundada em 1999 e pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil. Nossa atuação baseia-se no tripé geração de conhecimentoconsultoria e realização de projetos de impacto, que contribuem para o fortalecimento do ecossistema da filantropia estratégica e da cultura de doação.

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